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Fujimori contra Fujimori, será o fim do fujimorismo?

O presidente do Peru, Martín Vizcarra, anunciou que o Executivo está analisando – e por isso ainda não promulgou – a lei aprovada pelo Congresso no dia 11 de outubro, que habilita a liberação da prisão do ex-ditador e genocida Alberto Fujimori, conhecida midiaticamente como “Lei Fuji”.

Por Mariana Álvarez Orellana*

Vizcarra fundamentou sua posição – que basicamente é a de adiar a decisão e ganhar tempo – no fato de que o Parlamento não dedicou tempo suficiente para analisar uma medida dessas características. “É uma medida que requer maior debate, para buscar o consenso necessário entre as diversas forças políticas”, indicou o mandatário, que se mostrou favorável a criar uma lei que possibilite a pessoas de idade avançada com problemas de saúde que cumpram sua pena em regime domiciliar.

O fujimorismo está ferido, e alguns dizem que de morte, graças à série de erros que se iniciaram desde a chegada do ex-ditador ao Chile, em 2005, e que culminaram com Alberto e sua filha Keiko privados de liberdade, enquanto os fujimoristas duros responsabilizam a herdeira do clã pela situação atual do seu líder histórico.

O Parlamento peruano, dominado pelos fujimoristas do partido Força Popular, aprovou em tempo recorde, e sem passar pelas devidas comissões, uma lei para liberar presos anciãos e com problemas graves de saúde, alegando “razões humanitárias”, e defendendo o regime de prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica para esses casos. Isso impediria o retorno à prisão de Fujimori, de 80 anos, e cujo indulto foi anulado no começo deste mês.

O ex-ditador se encontra novamente internado em um hospital de Lima, à espera da alta médica, que depois o obrigaria a retornar à prisão. Os partidos Peruanos Pela Mudança e Ação Popular (ambos de centro-direita), e os grupos de esquerda Novo Peru e Frente Ampla, questionaram o fujimorismo por promover esta polêmica lei, alertando que ela fomenta a impunidade.

Na semana passada, a própria Keiko Fujimori foi presa, por casos de corrupção, após dar uma declaração em meio a um processo ao qual responde. O chamado “Caso dos Colarinhos Brancos do Porto” identificava uma tal “Senhora K” como sendo Keiko Fujimori, e estabelecia sua relação com o foragido ex-magistrado César Hinostroza, apontado como chefe da organização criminosa. O empresário Antonio Camayo também se submeteu à colaboração no caso, e entregou mais detalhes a respeito.

Paralelamente, o “Caso dos Coquetéis” ganhou novos indícios que comprovam a existência de uma organização criminosa dentro do partido Força Popular, que realizou uma série de ações de lavagem de dinheiro através da ordem “Aumentar Keiko para 500”, encontrado nas planilhas de Marcelo Odebrecht.

O promotor José Domingo Pérez investiga 49 integrantes da organização de lavagem de ativos que Keiko Fujimori encabeça dentro do partido Força Popular, que atuava para obter o poder político, receber financiamento ilícito e logo, estando no poder, retribuir esses apoiadores. Além de Keiko, também faz parte da liderança desta organização o operador político Vicente Silva Checa (vinculado a Vladimiro Montesinos, histórico operador político de Alberto Fujimori), Pier Figari e Ana Herz. O juiz Richard Concepción deverá decidir nos próximos dias se aceita o pedido de 36 meses de prisão preventiva que a promotoria solicitou.

O analista Francisco Pérez García, em artigo para o La Otra Mirada, questiona se o fujimorismo está passando por uma transição, deixando de ser uma das dinastias políticas mais poderosas e influentes do país a uma agrupação que pode ser arrasada nas próximas eleições, e com dois do seus principais líderes flertando com a prisão.

Hoje, o fujimorismo está perdendo o controle político do país, mantido por mais de uma década, enquanto se divide, também, pelo enfrentamento entre os irmãos Keiko e Kenji, que foi um dos elementos surgidos após o indulto, em dezembro do ano passado, que levou à renúncia do então presidente Pedro Pablo Kuzcynski.

O retorno sem glória

Para compreender esta história complexa, é preciso voltar até o ano 2000, ano de casos tão marcantes como a difusão dos vladivideos (em referência ao assessor pessoal do ditador, Vladimiro Montesinos, filmado pedindo propina e ameaçando opositores e aliados desobedientes), a convocação de novas eleições, a fuga de Montesinos e a revelação dos casos de corrupção no regime. Naquele cenário Alberto Fujimori renunciou por fax, quando estava no Japão, onde se estabeleceu, aproveitando sua dupla cidadania. O império japonês não entrega os súditos, mesmo que seja por crimes de lesa humanidade.

Cinco anos depois Alberto Fujimori decidiu viajar ao Chile, onde faria uma parada tática antes de voltar ao Peru, para iniciar uma nova campanha política. Mas foi preso em terra chilena, e logo extraditado ao Peru, para ser processado pelos crimes de La Cantuta e Barrios Altos, além de outros atos de corrupção que aumentariam seu currículo delitivo. Em 2007 recebeu a primeira sentença definitiva: 25 anos de prisão.

Em 2006, sua filha Keiko se candidatou ao Congresso, onde começou a reorganizar a força laranja. Em 2011, com o partido Força 2011 (semente da Força Popular), Keiko assumiu definitivamente a liderança do fujimorismo, acompanhada por seu irmão Kenji, e se lançou à presidência duas vezes, perdendo em dois segundos turnos seguidos: contra Ollanta Humala, em 2011, e contra Kuzcynski, em 2016. Nos mesmos anos, Kenji foi o congressista fujimorista mais votado.

Também em 2016, Keiko se desfez da ala dura do fujimorismo em busca dos votos dos liberais de direita. Pensava que assim daria outra cara ao fujimorismo, de acordo com as exigências de Washington. E mais, ela fez um discurso na Universidade de Harvard onde valorizou o informe da Comissão da Verdade, e garantiu que não usaria seu poder político para beneficiar a sua família.

Que os irmãos sejam unidos…

Daí por diante, tudo foi guerra fratricida entre Keiko e Kenji, que tentam negociar a qualquer preço um indulto para a liberação de seu pai, inclusive se aproximando de Kuczynski e da ala dura que haviam afastado anteriormente.

A bomba fratricida explodiu durante o primeiro pedido de impeachment contra Kuczynski (envolvidos no caso das propinas da empreiteira brasileira Odebrecht), promovido pela Frente Ampla em dezembro de 2017 e apoiado por quase todas as agrupações, incluindo fujimoristas e do PAP (Partido Aprista Peruano). Durante a votação, a televisão mostrou deputados fujimoristas brigando com Kenji, enquanto se falava da negociação de um indulto para o ex-ditador.

Kuczynski foi salvo do processo de impeachment por Kenji e outros 12 legisladores. Uma semana depois, o presidente retribuiu o favor, indultando o ex-ditador na véspera do natal. No começou de janeiro de 2018, uma série de vídeos e áudios apresentados pelo atual presidente do Congresso, Daniel Salaverry, revelaram que um grupo de “kenjistas” havia negociado votos em troca de favores políticos.

Nas imagens, o próprio Kenji aparecia oferecendo a um congressista (Moisés Mamani) dádivas para votar contra o juízo político do então presidente. Má pontaria: aquele era o homem escolhido pelos “keikistas” para servir de isca na armadilha contra Kenji e seus aliados. A maioria fujimorista pediu a cabeça de Kenji e os implicados nos vídeos.

Nas semanas seguintes, Kuczynski manteve a estratégia de fugir das polêmicas com mentiras e negações, até que não teve outra saída a não ser renunciar. A situação também atingiu Kenji: Keiko, Figari e Vega o desaforaram, deixando-o fora do Congresso. A guerra civil entre os irmãos produziu uma enorme fissura dentro do fujimorismo.

Contudo, e involuntariamente, os vídeos gravados por Mamani a pedido de Keiko serviram para que os familiares das vítimas de La Cantuta e Barrios Altos, sustentassem o argumento de que o indulto era irregular, e apresentassem a tese à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que exigiu ao Estado peruano que revisasse o cumprimento ou não dos requisitos necessários para um indulto humanitário, que terminou sendo anulado.

Os fujimoristas da ala mais dura repudiaram os erros de Keiko Fujimori e expressaram isso ao marginar sua figura das campanhas nas eleições regionais e municipais – na qual o fujimorismo sofreu uma queda importante. As pesquisas de opinião mostram que a rejeição a Keiko, Kenji e todo o partido Força Popular atingiu seus níveis máximos.

Será o fim do fujimorismo? Poderão os familiares de assassinados e desaparecidos durante a ditadura conseguir justiça? Só o tempo dirá, mas a capacidade de negociação do fujimorismo está claramente em queda livre.

 

* Mariana Álvarez Orellana é antropóloga, docente e investigadora peruana, analista associada ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

Fonte: Carta Maior

Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli

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