Israel sai da terceira eleição em meses com vitória da direita racista, avanço dos democratas e derrota dos Trabalhistas
Enquanto alguns tentam elucidar a sobrevivência de Benjamin Netanyahu na liderança de Israel e sua vitória eleitoral anunciada nesta terça-feira (3) —embora novamente pendente da capacidade de formar um governo, confirma-se o avanço histórico da Lista Conjunta de partidos de maioria palestina e de judeus democratas, de esquerda. Mas registra-se ainda outro resultado estrondoso: o declínio dos Trabalhistas, que foram por décadas o motor do sionismo, da colonização da Palestina.
Por Moara Crivelente
As eleições realizadas na segunda (2) em Israel foram pautadas pelos temas preponderantes no país, como a segurança e o “conflito” com os palestinos, mas também o assombro com a persistência do voto em um Netanyahu combalido, indiciado em processos por suborno, fraude e quebra de confiança. O premiê, que alguns chamam de “Rei Bibi”, está no cargo há uma década e já o havia exercido nos anos 1990, sempre com a missão de enterrar de vez o Estado da Palestina e alienar de forma esmagadora os cerca de 20% de palestinos entre a população de Israel. Entretanto, é retumbante o terceiro fracasso consecutivo de Netanyahu em conquistar uma maioria que lhe garantisse formar o governo, tarefa pela qual ainda deverá disputar.
Na conclusão da contagem dos votos, seu partido de extrema-direita, Likud, alcançava 36 lugares no Knesset, o Parlamento, contra os 33 garantidos por seu principal opositor, o partido de direita do ex-comandante do Exército Benny Gantz, Kahol Lavan (“Azul e Branco”, fundado em fevereiro de 2019) e os 15 da Lista Conjunta, hoje a terceira maior força, composta pela Frente Democrática de Paz e Igualdade (Hadash) —em que está o Partido Comunista de Israel (PCI), o Balad, Ta’al e Ra’am (Lista Árabe Unida). Em seguida colocaram-se o ultra-ortodoxo Shas, com nove assentos e, depois, a coligação Trabalhista-Gesher-Meretz, com sete, empatada com o partido do extremista Avigdor Lieberman, Yisrael Beiteinu (“Israel é Nosso Lar”) e o Judaísmo Torá Unida, perdendo apenas para a coligação de direita/extrema-direita Yamina entre os partidos Nova Direita, Lar Judeu e União Nacional, com seis assentos.
O bloco de direita com que Netanyahu pretende formar o governo tem 58 parlamentares, três a menos que o necessário. Apesar das especulações de que Netanyahu e Gantz poderiam negociar um acordo para que a terceira tentativa finalmente resulte num governo, segundo o Haaretz, em notícia desta quarta (4), Kahol Lavan e Trabalhista-Gesher-Meretz podem estar se unindo para promover lei que impeça Netanyahu, indiciado, de assumir o cargo. Mesmo assim, Gantz teria dificuldades em conseguir o aval necessário do presidente Reuven Rivlin (Likud) para formar um governo; a liderança da Lista Conjunta, que nas eleições passadas declarara apoiá-lo no intento —à exceção dos parlamentares do Balad— como forma de impedir a continuidade de Netanyahu, disse dias antes das eleições que não o apoiará agora, já que Gantz é cada vez mais uma “imitação” do atual premiê. Netanyahu, por sua vez, aposta na chance de governar com referência ao desgaste que a consequente quarta eleição causaria a quem tentar impedi-lo.
Em abril de 2019, as eleições previstas para novembro foram antecipadas devido à disputa na coalizão de governo centrada na promoção de uma nova lei que incluiria judeus ortodoxos na conscrição —sua exclusão da obrigatoriedade do serviço militar, que abrange praticamente todo o resto da população, é fundamental para o apoio dos (ultra-)ortodoxos. Ainda, no fim de 2018 Lieberman, então ministro da Defesa, também se retirou da coalizão de governo supostamente devido à trégua com o Hamas.
A eleição de setembro de 2019 foi a segunda em meses que não resultou num governo, mas serviu de exercício de análise de opinião em Israel e das expectativas internacionais. Apesar da gradual consolidação da Lista Conjunta como importante força eleitoral e do pontual decréscimo de votos no Likud —que crescera em 12 assentos em 2015 e em cinco em abril de 2019, mas perdeu seis em setembro e recuperou quatro nesta eleição— a divisão da maioria entre Likud e Kahol Lavan nas duas últimas eleições mostra que segue constante o apoio à direita e à extrema-direita. Além disso, com a adesão tanto de Gantz como de Netanyahu —que teve nesta uma grande oportunidade eleitoreira— ao plano/ultimato apresentado por Donald Trump como “acordo do século” para instaurar um Estado da Palestina estéril, fragmentado e sem soberania, a colonização da Palestina parece safa.
Esses eleitores não estão satisfeitos com o compromisso dos partidos de centro-esquerda que também defendem a colonização, de ares mais “humanizados” pela já fundamentalmente condicionada integração da população palestina e, eventualmente reconhecendo um reduzido, fragmentado e enclausurado Estado da Palestina, certa “cooperação”, inclusive devido à necessidade de mão-de-obra super explorada de palestinos sistematicamente espoliados e empobrecidos nas últimas sete décadas.
É por isso estrondosa a derrota do Trabalhista, hoje coligado com o novo Gesher, do centro liberal, fundado em 2018, e com o Meretz, mas em coligação com Hatnuah e o Movimento Verde entre 2014 e janeiro de 2019. O Trabalhista moveu por muito tempo o sionismo na Palestina. Não só liderou Israel por quase três décadas desde as primeiras eleições até 1977, quando foi substituído pelo Likud, como também pautou o movimento sionista —formado por correntes ideológicas como o aberrante “Marxismo sionista” de Ber Borochov e o Revisionismo de Ze’ev Jabotinsky, onde o Likud tem suas raízes, além de um “sionismo liberal” que alguns apresentam como “alternativa ao paradigma esquerda-direita”.
Por outro lado, é histórico o avanço da Lista Conjunta como força eleitoral. Formada em 2015 em meio aos conhecidos debates sobre frentes eleitorais e concessões advindas, a Lista aposta na unidade diante da gravidade da situação. O líder Ayman Odeh, da Hadash, citado pelo órgão do PCI, disse na terça (3): “Irmãos e irmãs, vocês criaram um dia histórico. Das primeiras eleições em 1949 até hoje, nós [público árabe em Israel] nunca havíamos recebido este nível de apoio e este número de lugares no Knesset,” considerando que a aliança “fortalece a esquerda e a alternativa árabe-judaica” e congratulando-se com os milhares de votos recebidos de judeus.
“Insto aos [militantes] de esquerda a não se desesperarem ou se fecharem em suas reflexões, mas a pensarem na parceria e a alternativa de princípios”, disse Odeh, enfatizando que o programa da Lista centra-se na paz e na democracia, na igualdade autêntica e na justiça social. Embora a própria participação eleitoral tenha estado sob discussão diante da possibilidade de normalização de um regime segregacionista —pelo que alguns defendem o boicote, ao se estabelecer como terceira força no Parlamento, a Lista Conjunta parece aumentar significativamente as chances de constranger o arbítrio e oferecer alternativa ao consistente respaldo à direita.
* Moara Crivelente é cientista política e membro da Comissão de Relações Internacionais da Secretaria de Política e Relações Internacionais do PCdoB