Governo argentino apresenta projeto de imposto sobre grandes fortunas
Anunciado publicamente na primeira quinzena de abril, foi protocolado, nesta sexta-feira (28), o projeto de lei que cria um imposto extraordinário sobre as grandes fortunas na Argentina. A estimativa é que a lei incida sobre 12 mil pessoas – 0,03% da população argentina – e arrecade algo em torno de 300 bilhões de pesos (US$ 4 bilhões), cuja destinação prioritária será o combate à pandemia do coronavírus.
Por Rogério Tomaz Jr*
O projeto, que possui ao todo 14 páginas, entre texto da lei e justificativa, é assinado pelo deputado Carlos Heller, presidente da Comissão de Orçamento e Fazenda da Câmara e integrante da Frente de Todos, o bloco parlamentar de apoio ao governo de Alberto Fernández. Heller é fundador da cooperativa Credicoop e foi vice-presidente do Boca Juniors entre 1985 e 1995.
Junto com ele, assinam o projeto mais 14 parlamentares, dos quais destacam-se Máximo Kirchner, filho da vice-presidenta Cristina Kirchner; José Luis Gioja, ex-governador da província de San Juan e atual presidente do Partido Justicialista, a histórica legenda peronista; e Hugo Yasky, principal dirigente da Central dos Trabalhadores da Argentina (CTA), segunda maior entidade sindical do país.
Universo e Alíquotas
O projeto de lei propõe a taxação de pessoas físicas que possuam patrimônio declarado a partir de 200 milhões de pesos, equivalente a US$ 2,7 milhões ou R$ 14,5 milhões. De acordo com a Administração Federal de Receita Pública (AFIP), o universo de pessoas com esse patrimônio no país é de aproximadamente 12 mil pessoas. O imposto teria caráter extraordinário e seria cobrado uma única vez.
Segundo o projeto de lei, as alíquotas vão variar de 2 a 3,5% para os patrimônios que estejam alocados na Argentina. Para os valores declarados no exterior, as taxas vão de 3% a 5,25% [ver tabela abaixo].
Aplicação
O texto do projeto apresenta cinco destinações para os recursos a serem arrecadados com a contribuição:
– 20% para compra ou elaboração de equipamento médico, elementos de proteção, medicamentos, vacinas e todo tipo de insumo crítico para prevenção e assistência sanitária.
– 20% para apoio às micro, pequenas e médias empresas (“PYMES”), de acordo com a lei já criada no início da pandemia, com o objetivo de sustentar o emprego e os salários.
– 20% destinado ao programa de bolsas “Progresar” (“Progredir”), gerido pelo Ministério da Educação.
– 15% para habitantes das áreas do Registro Nacional de Bairros Populares em Processo de Integração Urbana, especialmente na melhoria da saúde e das condições habitacionais destas comunidades.
– 25% para programas de exploração, desenvolvimento e produção de gás natural, atividade de interesse público nacional.
Tramitação
Para virar lei, o projeto vai precisar de 129 dos 257 votos na Câmara de Deputados e 37 no Senado. O governo tem maioria mais confortável no Senado, mas acredita-se que a demora na apresentação formal do projeto tenha sido por conta das costuras políticas na Câmara.
“O projeto só será apresentado quando houver amadurecido o ambiente na Câmara e estiverem praticamente garantidos os votos da maioria dos deputados”, havia me dito, ainda em abril, um dirigente de uma das mais importantes forças políticas da base de Alberto e Cristina.
Os debates sobre o projeto, que certamente não terá apoio da oposição ligada ao ex-presidente Maurício Macri, terão início já nesta primeira semana de setembro.
Repercussão
O projeto foi uma grande jogada política do governo e nasceu como resposta à ideia da oposição macrista de reduzir salários de políticos e de funcionários públicos. A arrecadação com o imposto sobre as grandes fortunas seria pelo menos 20 vezes maior do que as medidas neoliberais defendidas pelos derrotados na eleição do ano passado.
No final de abril, duas semanas após o anúncio da proposta, uma pesquisa realizada na província de Buenos Aires já detectou 53,6% de apoio e 16,4% sem posição definida. Na pesquisa da consultoria “Proyección Consultores”, 30% se declarou contrária à proposta.
* Jornalista brasileiro, residente em Mendoza, onde é estudante do mestrado em Estudos Latino-americanos da Universidade Nacional de Cuyo