Luta dos povos

El País: Relatório confidencial da União Europeia chama regime israelense de segregador

A adolescente palestina Ahed Tamimi diante de um tribunal militar israelense em dezembro de 2017 / Foto: AHMAD GHARABLI - AFP

É profícua a discussão do regime que Israel impõe ao povo palestino na Palestina ocupada e aos não-judeus em Israel. Embora juristas proeminentes, movimentos populares e defensores dos direitos humanos há muito denunciem o que se configura efetivamente e, cada vez mais, juridicamente, como um regime de segregação, apartheid, o termo é sistematicamente evitado por instituições internacionais. Entretanto, um relatório confidencial da União Europeia, noticiado pelo El País, estaria prestes a ousar um passo além. Embaixadores mencionados na matéria relatam como, no território ocupado, palestinos são submetidos à corte militar, enquanto colonos israelenses beneficiam-se do acesso a cortes civis e de outros privilégios relativos às detenções, à defesa e às sentenças. Reconhecem, assim, um regime jurídico “dual”, que El País denomina, à semelhança de outros, de “apartheid judicial”.

Ex-relatores especiais das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos no território palestino ocupado desde 1967, como o sul-africano John Dugard e Richard Falk, estão entre os que denunciam que além de uma ocupação militar prolongada e da colonização efetiva da Palestina, Israel mantém ainda um regime de apartheid. Também o fazem entidades populares na Palestina, em Israel e pelo mundo, e membros de esquerda no Parlamento israelense. Em 2017, foi objeto de atrito o relatório que Falk elaborou, com a professora Virginia Tilley, para a Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental (ESCWA), descrevendo o regime. O documento, intitulado Práticas Israelenses relativas ao Povo Palestino e a Questão do Apartheid, foi removido da página da Comissão, mas ainda pode ser encontrado online.

Em 2018, foi aprovada, com caráter constitucional, a Lei Básica: Israel como Estado-Nação do Povo Judeu —que, sem fronteiras definidas, garante apenas ao povo judeu o direito à autodeterminação nacional, não fala de democracia ou igualdade e estabelece a colonização como um valor nacional, entre outros pontos. Intensificou-se assim o debate desta classificação como descritiva do regime em vigor também em Israel, onde 20% da população é palestina e há ainda outros grupos não-judeus. O Estatuto de Roma, de 2002, que institui o Tribunal Penal Internacional, define apartheid como “um regime institucionalizado de opressão sistemática e dominação”. Descrições das práticas acarretadas são inspiradas na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1965, com forte influência da luta contra o regime de apartheid que vigorou na África do Sul até o início dos anos 1990.

Leia, abaixo, a matéria de El País sobre o relatório europeu.

Moara Crivelente, Doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos e membro da Direção do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz)

Relatório confidencial da UE denuncia ‘apartheid’ judicial na Cisjordânia

A adolescente Ahed Tamimi, ícone da resistência palestina, foi condenada a oito meses de prisão por esbofetear em 2017 um militar israelense em sua casa em Nabi Saleh, norte de Ramallah, capital administrativa da Cisjordânia. O soldado Azaria Elor permaneceu atrás das grades por 14 meses depois de ter sido condenado em um conselho de guerra por executar um atacante palestino que jazia ferido na cidade de Hebron (sul) em 2016. Depois de meio século de ocupação, os representantes diplomáticos dos 28 países da UE constatam a “sistemática discriminação judicial” sofrida pelos palestinos na Cisjordânia. Em um relatório confidencial dirigido aos responsáveis pelo Serviço de Relações Exteriores em Bruxelas, ao qual o EL PAÍS teve acesso, os embaixadores em Jerusalém Leste e Ramallah reclamam que Israel reforme a justiça militar para “garantir um processo e um julgamento justos de acordo com o direito internacional”.

Os diplomatas que assinam o documento representam Governos que às vezes divergem abertamente sobre o conflito israelo-palestino, mas que entraram em acordo para descrever o exercício efetivo da ocupação israelense na Cisjordânia como “um regime dual”. Embora a expressão apartheid judicial não apareça no texto, seu conteúdo dá conta de uma justiça segregada. “O relatório é um mapeamento da situação dos direitos humanos na chamada Área C, de mandato exclusivo israelense e que cobre 60% do território ocupado, com um conjunto de recomendações dirigidas a Bruxelas endossadas por todos os chefes de missão”, diz uma fonte europeia em Jerusalém.

Aos palestinos é aplicada a lei marcial e os regulamentos ditados por um departamento do Ministério da Defesa, e estão sujeitos aos tribunais militares de “Judéia e Samaria”, denominação bíblica cunhada em Israel para o território da Cisjordânia. Esses órgãos executivos e judiciais também são regidos por regras herdadas de antigos poderes coloniais ou administradores. Há leis otomanas ainda em vigor (por exemplo, para confiscar terras palestinas aparentemente não cultivadas), britânicas (para praticar detenções administrativas sem apresentar acusações e por tempo indefinido, que agora afetam cerca de 440 prisioneiros) e até mesmo jordanianas, as da Administração presente até 1967, quando Israel ocupou os territórios palestinos depois da Guerra dos Seis Dias. Os palestinos submetidos a processos criminais sob a ocupação têm uma taxa de condenação de 99,74%, de acordo com o relatório anual dos Tribunais Militares israelenses de 2001, o último disponível.

 

 

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