Os planos da nova coalizão de governo da Alemanha
Líderes dos partidos Social-Democrata (SPD), Verde e Liberal Democrático (FDP) anunciaram nesta quarta-feira (24/11) que chegaram a um acordo para formar uma nova coalizão de governo na Alemanha, que vai suceder a administração da chanceler federal Angela Merkel, que deixa o poder após 16 anos.
O acordo, que foi negociado ao longo de dois meses e se estende por 177 páginas, ainda precisa ser aprovado individualmente por cada um dos três partidos. Isso deve ocorrer nos próximos dias.
Caso essa última etapa seja concluída com sucesso, o social-democrata Olaf Scholz será o próximo chanceler federal da Alemanha. A aliança tripartite esperar concluir os últimos detalhes a tempo de oficializar Scholz como o sucessor de Merkel em 6 de dezembro.
O SPD de Scholz foi o mais votado no pleito de setembro, mas ainda assim não obteve a maioria necessária para governar, por isso procurou formar uma aliança com verdes e liberais, que ficaram em terceiro e quarto lugar na eleição, respectivamente. A Alemanha não conta com uma coalizão de governo de três partidos desde o final dos anos 1950.
Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira, Scholz disse que as negociações foram conduzidas em uma “atmosfera amigável, mas intensa, cheia de confiança“. O plano de governo envolveu 22 grupos de trabalho com membros dos três partidos. Poucos detalhes foram divulgados nos últimos dois meses, mas os próprios partidos indicaram que alguns pontos chegaram a causar atritos, especialmente a nova política ambiental, que dividiu verdes e liberais.
Ideologicamente, verdes e social-democratas têm mais pontos em comum, especialmente na área social, já os liberais alemães têm uma visão mais pró-mercado. Mas após oito semanas os partidos finalmente concordaram com um plano de governo.
O acordo prevê mudanças significativas na política ambiental da Alemanha e aborda problemas persistentes do país, como o envelhecimento da população alemã e a escassez de habitações.
Veja os principais pontos acordados:
Saúde
– Formação de uma equipe para lidar com a pandemia junto à Chancelaria Federal.
– A vacinação obrigatória não foi contemplada no plano, mas Scholz afirmou que ela pode vir a ser compulsória em certas categorias profissionais, especialmente na saúde.
– Médicos não serão mais proibidos de anunciar que realizam abortos. O procedimento é legal na Alemanha, mas leis antiquadas restringem que os profissionais anunciem em seus sites que seus consultórios realizam a prática.
– Legalização da maconha para fins recreativos, incluindo a venda em lojas autorizadas. O objetivo é combater o comércio ilegal, proteger os usuários e dificultar o acesso da substância por menores de idade. Os três partidos também pretendem investir mais em ações de controle de danos e conscientização. Essas eram bandeiras dos liberais e verdes.
Habitação
– Criação de um Ministério da Habitação.
– Construir 400.000 novas habitações por ano para combater a escassez de residências no país e o alto custo dos aluguéis. Um quarto desses novos apartamentos será direcionado para moradias de baixa renda.
– O “freio de aluguel” deve ficar mais forte. Em áreas com escassez de imóveis, os aluguéis só poderão aumentar até 11% em três anos, em vez dos 15% atuais.
Política
– Baixar a idade mínima para votar de 18 para 16 anos.
– Reformar o sistema eleitoral para dificultar o “inchaço” do Parlamento, que a cada eleição ganha mais e mais deputados por causa de particularidades do sistema de voto alemão.
Imigração
– Criar um sistema de imigração baseado em pontos para atrair trabalhadores qualificados.
– Imigrantes poderão solicitar a cidadania alemã após cinco anos – ou em três se eles comprovarem estar bem integrados. No momento, o processo pode somente ser iniciado após seis ou oito anos.
– Acabar com restrições contra a dupla cidadania, permitindo que alemães adquiram outras nacionalidades fora da União Europeia ou que imigrantes não precisem renunciar à sua nacionalidade original quando se naturalizarem alemães.
– Mais refugiados poderão trazer seus familiares para a Alemanha. A reunificação familiar para este grupo deve ser facilitada.
Sociedade
– Referências ao temo “raça” devem ser eliminadas da Constituição alemã. Já o artigo da Carta que aborda a proibição de discriminação deve passar a incluir uma referência à identidade de gênero.
– Criar legislação para que a identidade de gênero seja baseada na autodeclaração, sem a necessidade de aval de especialistas.
– Para combater a presença de extremistas no aparato de segurança estatal, a nova coalizão pretende criar um departamento para lidar com reclamações e denúncias, nomeando um comissário de polícia independente do Bundestag.
– O programa de auxílio-desemprego Hartz IV será substituído por um “Fundo Cívico” menos burocrático. Desempregados poderão se inscrever de forma rápida e digital.
Família
– Fortalecer os direitos e a voz das crianças em questões como disputa de guarda familiar.
– Novos benefícios para crianças carentes.
Economia
– O salário mínimo deve subir para 12 euros por hora – hoje ele é de 9,6 euros. Essa era uma bandeira dos social-democratas.
– Restabelecer o chamado “freio da dívida” – que limita o valor que o Estado pode tomar emprestado – até 2023. O mecanismo havia sido suspenso para permitir gastos públicos extras durante a pandemia. A medida era uma das bandeiras do Partido Liberal Democrático.
Defesa
– A Alemanha deve passar a contar com drones armados, e não mais apenas aeronaves de observação.
– Os três partidos pediram que a Rússia pare de desestabilizar a Ucrânia.
– Por outro lado, o documento não contém referências ao controverso gasoduto Nord Stream 2, que liga a Rússia diretamente à Alemanha e é encarado por estrategistas como uma ferramenta de aumento de influência russa em questões de energia.
Meio ambiente
– Até 2030 a fatia das energias renováveis deve subir para 80% na matriz energética da Alemanha.
– Os três partidos apontam que a Alemanha deve “idealmente” abandonar o uso de carvão até 2030, e não mais somente em 2038. O acordo também prevê incentivos para abandonar motores de combustão no mesmo período.
– Aumentar o transporte ferroviário de carga em 25% e contar com pelo 15 milhões de carros elétricos nas ruas até 2030.
– Aumento dos impostos sobre emissões de CO2 sobre combustível.
– Aumentar as taxas sobre tráfego aéreo.
– Buscar a neutralidade de carbono até 2045.
– Os três partidos descartam a volta da energia nuclear.
– Usar 3,5% do PIB para investimentos em pesquisa e desenvolvimento que irão acelerar a transição para uma economia neutra em carbono.
Fonte: DW via Brasil de Fato