A Batalha da China contra o coronavírus X – “Quando tudo passar”
Última parte do Especial “A Batalha da China contra o coronavírus – um relatório de atividades diárias de 23 de janeiro a 23 de fevereiro”, trazendo a íntegra do texto publicado, no Brasil, pela editora Contraponto, com tradução de Gaio Doria. O livro oferece um precioso registro de como a China lidou e lida com a pandemia que assola (e muda) o mundo em que vivemos.
Parte I – Especial: A Batalha da China contra o coronavírus / Parte II – A Batalha da China contra o coronavírus II – “Seja forte, meu filho” / Parte III – A Batalha da China contra o coronavírus III – Membros do PCCh, Avante! / Parte IV – A Batalha da China contra o coronavírus IV – O Hospital Huoshenshan / Parte V – A Batalha da China contra o coronavírus V – “Não sou um vírus” / Parte VI – A Batalha da China contra o coronavírus VI – Luta em diferentes campos / Parte VII – A Batalha da China contra o coronavírus VII – “À queima roupa” / Parte VIII – A Batalha da China contra o coronavírus VIII – “O Amor prevalecerá” / Parte IX – A Batalha da China contra o coronavírus IX – “Semeando a esperança”
Neste link, o livro em PDF. Boa leitura.
As “Nightingale” de Wuhan
Wuhan, 20 de fevereiro de 2020 – Quantas médicas estão lutando na linha de frente? Não há números precisos. A Federação de Mulheres de Shanghai soube por hospitais designados para tratar pacientes com COVID-19 que as mulheres representam mais de 50% dos médicos e mais de 90% das enfermeiras. Elas são a esmagadora maioria dos lutadores nesta batalha.
Com conhecimento, experiência, misericórdia, força de vontade e um toque gentil, elas se tornaram a espinha dorsal na luta contra o COVID-19.
Publicamos abaixo as notas de trabalho de Wu Jing, enfermeira chefe do Hospital Jinyintan em Wuhan, uma instalação designada para tratar pacientes com COVID-19 em estado grave.
Os pacientes admitidos recentemente são mais velhos e estão em estado grave. Como temos que tocar em secreções, estamos totalmente cobertos, usando roupas de isolamento além de nossos trajes de proteção. Infelizmente, alguns de nós contraíram o vírus. Lembro-me de que, como Florence Nightingale, “a dama da lâmpada” (1), trazemos luz aos nossos pacientes.
A máquina alta e esbelta é chamada de “concentrador de oxigênio de grande fluxo”. Tornou-se uma arma fundamental no combate ao COVID-19. Estamos mais familiarizados com isso do que outras enfermeiras, pois usamos a tecnologia há vários anos. Por isso fomos escolhidos para lutar na linha de frente e é por isso que temos sido tão eficazes.
O teste de eletrocardiograma (ECG) é uma técnica especializada de técnicos qualificados. No entanto, todos os nossos enfermeiros dominam a tecnologia. Todo paciente com COVID-19 precisa fazer testes de ECG. Mas não existe necessidade de técnicos especializados em ECG nas enfermarias de isolamento, pois nós, enfermeiras, nos tornamos “pau para toda obra”. Estamos contentes que menos de nossos colegas de trabalho precisem ser expostos ao vírus.
Por volta das 17:00h de 15 de fevereiro, recebemos um paciente de setenta anos transferido de um centro de tratamento temporário. Ele estava precisando de oxigênio, o que o deixara confuso e irritado. De acordo com um diagnóstico preliminar, ele tinha oclusão intestinal, o que piorava as coisas. Meu turno começou às 18:00h. Antes de eu assumir o paciente, meus colegas de trabalho haviam inserido duas linhas intravenosas em suas veias. Liguei o monitor de ECG e o concentrador de oxigênio de grande fluxo e inseri um cateter para ele. Em apenas meia hora, nós o resgatamos do perigo. Muito bem.
Apesar de origens educacionais diversas, nós, enfermeiros, somos uma parte da força de trabalho médica. Temos arriscado nossas vidas para salvar os outros, desempenhamos um papel fundamental nesta luta. Depois de vencer a epidemia, esperamos receber respeito, não elogio.
Como “a dama da lâmpada”, trazemos luz e em troca precisamos ser tratados com gentileza e carinho.
(traduzido de reportagens da The Beijing News e Agência de Notícias Xinhua)
Wuhan, 21 de fevereiro de 2020
– O Comitê Permanente do Bureau Político realizou uma reunião sobre prevenção e controle do COVID-19 e retomada das atividades econômicas. Os seguintes anúncios foram feitos: progresso preliminar foi feito para conter a propagação do vírus; o número de casos recentemente confirmados e suspeitos mostrou uma tendência geral de queda; o número de pacientes curados aumentou bastante; o número de novos casos fora de Hubei caiu significativamente. No entanto, também registrou-se que a epidemia ainda está no auge em escala nacional e que Wuhan e Hubei continuam a enfrentar sérios desafios.
– O primeiro-ministro Li Keqiang inspecionou a fabricação de máscaras faciais e outros suprimentos médicos, exigindo maior capacidade de fabricação por diferentes canais e um retorno ordenado à produção.
– Juntamente com o mecanismo de controle e prevenção, o Conselho de Estado emitiu um guia de medidas de prevenção e controle para empresas e instituições públicas que retornam ao trabalho.
– O dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, anunciou em uma conferência de imprensa em Genebra que uma equipe conjunta de especialistas da China e da OMS visitou Pequim, Guangdong e Sichuan desde o início de seu trabalho na China em 16 de fevereiro. Alguns membros da equipe visitarão Wuhan no dia 22 para conversar com autoridades locais de saúde e inspecionar instituições médicas relevantes.
Um convite de casamento que nunca será enviado
Wuhan, 21 de fevereiro de 2020 – De acordo com dados da Comissão Nacional de Saúde, a partir de 18 de fevereiro, mais de 1.700 trabalhadores da saúde na China haviam contraído o novo coronavírus. Nove haviam morrido.
Por trás desses números, há vidas importantes.
Peng Yinhua, médico PCCM do Primeiro Hospital do Povo do Distrito de Jiangxia, morreu de coronavírus às 21:50h do dia 20 de fevereiro de 2020. Ele foi o décimo profissional de saúde morto na epidemia. Peng Yinhua se foi. Ele nunca segurará a mão de sua amada esposa novamente ou passará outro dia com ela. Desde o primeiro caso confirmado até a preparação das alas de quarentena, ele sabia que havia uma luta difícil pela frente e se ofereceu para ir à linha de frente. Adiou o casamento em apenas alguns dias. Os convites ainda estão dentro de sua gaveta. Para Peng e sua esposa, o casamento deveria ser uma cerimônia para a família e os amigos, pois já haviam sido legalmente registrados como marido e mulher. E ele estava prestes a se tornar pai.
Às 10:54h de 18 de fevereiro, Liu Zhiming, 51 anos, presidente do Hospital Wuchang faleceu após combater o vírus por 26 dias. Ele foi o primeiro presidente de um hospital a morrer na epidemia. Na noite em que o presidente Liu faleceu, a enfermeira-chefe Xu Ruijie, da gastroenterologia, postou no WeChat: “Continuo olhando para o elevador, esperando que você saia e pergunte se está tudo bem, com um sorriso em seu rosto, como antes.” No momento da publicação de Xu, 431 pacientes com coronavírus estavam sendo tratados no hospital com 504 leitos.
Houve mais casos como Peng e Liu, como o dr. Li Wenliang, que esperava retornar ao trabalho após a recuperação, e o dr. Xiao Jun, que serviu 29 anos no Hospital da Cruz Vermelha de Wuhan, entre outros.
Eles são heróis, mas também pessoas comuns de carne e osso. Nesses trajes de proteção pesados, eles são os “franco-atiradores” que defendem a vida dos pacientes. Fora do trabalho, são filhos e filhas de seus pais, pais e mães de seus filhos, e amantes de suas almas gêmeas.
Na conferência de imprensa do Gabinete de Informação do Conselho de Estado, na tarde de 20 de fevereiro, todos se levantaram em luto, homenageando médicos, enfermeiros e pessoas que foram vítimas do coronavírus.
(traduzido de reportagens da Agência de Notícias Xinhua e Southern Weekly)
Wuhan, 22 de fevereiro de 2020
– No início da manhã, a Comissão Nacional de Saúde emitiu um aviso sobre a adoção do COVID-19 como o nome em inglês da nova pneumonia por coronavírus, para se manter alinhado com a OMS. O nome em mandarim permanece inalterado.
– O Grupo Central de Prevenção e Controle do COVID-19 emitiu um aviso sobre medidas de implantação para a proteção e cuidado dos médicos na linha de frente, introduzindo medidas em dez áreas.
Eu não quero chorar
Wuhan, 22 de fevereiro de 2020 – Zhu Haixiu, 22 anos, é enfermeira da UTI de medicina interna do Terceiro Hospital Afiliado da Universidade Sun Yat-sen, em Guangzhou. Em 24 de janeiro, noite de Ano-Novo Chinês, ela e seus colegas partiram para Wuhan, epicentro do surto. A jovem tem grandes olheiras ao redor dos olhos por causa do trabalho intensivo e do estresse. Diz que seus pais não sabiam que ela estava indo para Wuhan. Quando ouviram, “meu pai chorou”, lembra. “Foi a primeira vez que o vi chorar em 22 anos.” Durante uma entrevista no CCTV News, ela se recusou a dizer “oi” aos pais em frente da câmera. “Não quero chorar”, disse, “não posso trabalhar com condensação em meus óculos”.
Yi Junfeng, um jovem rapaz nascido em 1998, é enfermeiro de neurologia da UTI do Hospital do Povo da Província de Hunan. Ele se ofereceu para ir à linha de frente após o surto do vírus. Segundo Yi, um bom enfermeiro deve ter habilidades profissionais e interpessoais, pois elas atendem às necessidades físicas e psicológicas dos pacientes. Ver os pacientes se recuperarem lhe traz um grande senso de satisfação.
Nascido no início da década de 2000, Zhan é calouro em uma faculdade de Wuhan. Ele foi diagnosticado com o coronavírus quando estava em Shenzhen por ocasião do Ano-Novo Chinês. Tendo se recuperado e recebido alta do hospital, Zhan voltou ao hospital sem hesitar, para doar sangue, quando soube do pedido de plasma de pacientes recuperados para ser usado no tratamento de casos graves.
Fang Yanhua, membro do Partido Comunista da China e trabalhadora comunitária em Wuxi, não sai do posto de trabalho desde 25 de janeiro, o primeiro dia do Ano-Novo Chinês. Sua filha de dezesseis anos, Li Fang, influenciada pela mãe, tornou-se voluntária na comunidade local.
A garota mostrou a perseverança e tenacidade dos jovens de hoje. Para entregar legumes frescos para famílias em quarentena, subiu e desceu edifícios residenciais mais antigos sem elevadores. Também comprou cinquenta pares de óculos, quinze roupas de proteção, 1,5 mil luvas descartáveis e refeições para quem realiza trabalhos de controle da epidemia.
Os jovens de hoje estão dispostos a demonstrar seus sentimentos e ser mais ativos. Gostam da internet e dedicam tempo a desenhos animados e jogos para celular. Mas agora, diante da epidemia, compartilham as mesmas obrigações para com a sociedade que qualquer homem e mulher responsáveis.
Eles são o futuro da China.
(traduzido de reportagens da CCTV News e da Agência de Notícias Xinhua e artigos em ccdi.gov.cn)
Wuhan, 23 de fevereiro de 2020
– Uma reunião sobre a coordenação da prevenção e controle do COVID-19 e a promoção do desenvolvimento social e econômico foi realizada em Pequim. O presidente Xi Jinping participou e disse: “A nação chinesa passou por muitas provações e tribulações ao longo da história, mas nunca foi esmagada e derrotada. Nas dificuldades, ficou mais forte e melhor, ascendendo para enfrentar os desafios. Ainda enfrentamos uma situação sombria e complicada no controle da epidemia. Durante esse estágio crucial, comitês do Partido e governos em todos os níveis devem reafirmar sua crença em nossa vitória final, perseverar em seu trabalho de conter o vírus e restaurar o trabalho, e trazer a vida das pessoas de volta ao normal de maneira ordenada. Pesa sobre nós uma imensa pressão, mas devemos encontrar motivação nessa pressão e programar totalmente todas as medidas e políticas relevantes para estabilizar a situação. Precisamos liberar nosso grande potencial de crescimento e aproveitar nosso momento para alcançar as metas de desenvolvimento social e econômico.”
– As estatísticas da Comissão Nacional de Saúde mostram que 2 mil pessoas foram curadas e receberam alta dos hospitais entre 20 e 22 de fevereiro.
Quando tudo passar
Wuhan, 23 de fevereiro de 2020 – 23 de janeiro-23 de fevereiro de 2020. 31 dias, 744 horas.
Quanto tempo mais? Ainda não sabemos (2).
Mas agora, pense nas coisas que você mais deseja fazer quando tudo passar.
Zhong Ming, um médico de Shanghai e um dos primeiros a chegar a Wuhan, diz, de uma ala da UTI do Hospital Jinyintan, onde trabalha atualmente: “Eu só quero trabalhar, como em qualquer outro dia. Quero passar um fim de semana do jeito que sempre fiz.” E acrescenta: “Nunca percebi o quão inestimável é uma vida comum, até agora.”
Uma enfermeira de um hospital temporário diz: “Quero ver as flores de cerejeira na Universidade de Wuhan. Espero que termine antes que a estação das flores termine.” Ela tem “Hospital Zhongnan” escrito em seu traje de proteção: “Espero que não esteja muito lotado para que eu possa ter uma boa visão das flores.”
Bo Jing, correspondente da Life Week em Wuhan, diz que só quer respirar livremente e abraçar todas as enfermeiras do centro de tratamento temporário.
Linzi, natural de Wuhan e um entusiasta da comida local, diz: “Quando acabar, vou visitar todos os restaurantes e comer toda comida que puder. Pele de tofu, macarrão de carne, sobremesas, tudo! Vou ver todos e cada um deles sãos e salvos. Eu preciso ver por mim mesmo.”
Daniu, programador de uma empresa de internet de Pequim, diz: “Quero andar de metrô lotado como uma lata de sardinha. Quero pegar um ônibus na hora do rush e dizer adeus ao meu ‘escritório nas nuvens’ e as horas de trabalho irregulares. Eu gosto de multidões.”
Um internauta chamado Dafujin escreve: “Quando tudo acabar, quero visitar Wuhan, de todos os lugares. Vou de trem quando ninguém precisar usar máscaras faciais ou ficar longe um do outro. Depois comerei macarrão quente e seco todos os dias e caminharei pelas ruas e becos que voltam lentamente à vida. Vou lembrar das cicatrizes da cidade deste desastre sem precedentes e os olhos brilhantes de seu povo, que nunca abandonou a esperança.”
No final, nos encontraremos novamente em uma multidão movimentada, dando um sorriso amigável no primeiro dia do resto de nossas vidas. E então faça todos os dias valerem.
2020 continuará…
Notas
1 – Florence Nightingale, escritora e enfermeira britânica, pioneira no atendimento a feridos de guerra. Na guerra da Criméia (1853-1856), durante a noite andava com uma lâmpada entre os feridos para ver como estavam e prestar atendimento, ficando conhecida então como “Dama da Lâmpada”. (Nota do i21/Portal Vermelho)
2 – No dia 8 de abril, depois de 76 dias de isolamento, Wuhan levantou todas as restrições de viagens. Foram 50.008 casos confirmados na cidade (61% dos casos na China Continental), com 2.572 óbitos (77% das mortes na China Continental). (Nota do i21/Portal Vermelho)