Índia: As maiores greves do planeta ameaçam a reeleição de Narendra Modi
“Este 2019, no qual os indianos terão que passar pelas urnas, começa com o primeiro-ministro Narendra Modi enfrentando uma greve geral de entre 150 e 200 milhões de trabalhadores, dependendo de quem conta. “A participação ativa dos trabalhadores nesta greve é um indicador claro do grau de raiva e indignação dos indianos contra as políticas neoliberais e os ataques às suas condições de vida e trabalho, perpetrados pelo governo”, declarou uma das entidades organizadoras.”
Por Víctor M. Olazábal
O dia a dia em Deli tem protestos menores, que pouco alteram a rotina de uma cidade que sequer os vê, porque eles estão afastados, restritos a uma rua transformada em manifestódromo, onde atuam os grupos organizados e indivíduos solitários carregados de demandas. Podem passar meses instalados ali sem que ninguém os escute, por mais que gritem. Porém, em algumas ocasiões, entre as infinitas reivindicações invisíveis (e invisibilizadas), fermentam as grandes mobilizações. Massivas. Históricas. Que passam das dezenas às centenas de milhões de pessoas. As maiores do mundo.
Este 2019, no qual os indianos terão que passar pelas urnas, começa com o primeiro-ministro Narendra Modi enfrentando uma greve geral de entre 150 e 200 milhões de trabalhadores, dependendo de quem conta. O protesto multitudinário durou dois dias (terça e quarta-feira, 15 e 16/1) e foi convocado por dez dos sindicatos mais fortes do país, contra as políticas “anti emprego” do partido governante BJP (Partido do Povo da Índia).
A greve paralisou sobretudo os setores do transporte, indústria, mineração, comércio e o funcionalismo público. Também se uniram os trabalhadores do chamado “setor informal”, que domina a economia do país e inclui operários da construção civil, condutores de riquixá e motoristas de autorriquixá, vendedores ambulantes e fabricantes de tabaco. Os trabalhadores rurais, estudantes e professores declararam apoio à greve, mas não participaram.
Os sindicatos celebram o fato de que a presença foi massiva, especialmente em estados como Querala, Bengala Ocidental, Orissa e Maarastra. Asseguram que as minas de todo o país ficaram paralisadas, que a vida nas grandes cidades ficou parcialmente paralisada, como em Deli e em Bombaim. Nas zonas industriais de Panjabe, Haryana e Rajastão houve “boa resposta”. Em cidades como Calcutá, Chennai e Trivandrum, os trabalhadores bloquearam as vias do trem e os ônibus públicos não saíram de suas garagens. Em muitos distritos, houve ordem de fechamento dos centros educativos, diante das dificuldades de mobilização.
“A expansão sem precedentes e a participação ativa dos trabalhadores nesta greve de dois dias é um indicador claro do grau de raiva e indignação dos indianos contra as políticas neoliberais e os ataques às suas condições de vida e trabalho, perpetrados pelo governo”, declarou a federação sindical CITU, em um comunicado.
As demandas dos trabalhadores são tantas quanto os participantes nos protestos. Inicialmente, esta era uma greve contra a privatização do setor público, contra o desemprego, contra o aumento dos preços dos alimentos, contra a grande quantidade de contratos temporários e os elementos de precariedade desses contratos. Uma greve que pedia um salário mínimo de 18 mil (equivalente a 220 euros), a criação de um sistema público de aposentadorias e seguridade social universal, e o cumprimento das leis trabalhistas. A greve exigia do Poder Executivo um diálogo com os trabalhadores e sua participação nos planos para atrair investimento estrangeiro. “O governo fracassou na hora de criar empregos e ignorou de forma flagrante os sindicatos”, afirmou Amarjeet Kaur, secretária-geral da central sindical AITUC, em entrevista à agência indiana PTI.
O ministro de Finanças, Arun Jaitley, respondeu através das redes sociais com uma pergunta, sobre se existe de verdade um “problema real” em torno às demandas ou se a greve, ou o que ele chamou de “mal-estar simbólico”, é parte da estratégia das organizações políticas de esquerdas “para não serem apagadas” do mapa político nacional.
Protestos no campo
Esta recente greve geral não é o único problema trabalhista que o governo “nacionalista” de Modi enfrenta. Em 2018, os camponeses organizaram vários protestos e ao menos três marchas multitudinárias: dezenas de milhares de trabalhadores do campo que caminharam juntos, por centenas de quilômetros, para se instalarem em Deli, a capital do país, e em Bombaim, o centro financeiro, com o objetivo de visibilizar sua situação diante das autoridades e dos cidadãos urbanos. Mais da metade da população indiana vive da agricultura.
Os camponeses indianos, que inundam as cidades de bonés vermelhos e bandeiras com a foice e o martelo em suas mobilizações, denunciam a asfixia que sofrem pelas dívidas contraídas em empréstimos agrícolas, e que são impagáveis, sobretudo em anos de secas e colheitas ruins. Demandam a prometida isenção desses pagamentos, e também preços mínimos mais justos, além de direitos sobre a propriedade da terra, que em muitos casos se encontra nas mãos do departamento florestal.
Os camponeses se sentem traídos por um governo que chegou ao poder em 2014 com grandes promessas a respeito da economia e dos trabalhadores. Cinco anos depois, o desemprego aumentou (11 milhões de indianos perderam seu trabalho somente em 2018) e as respostas do Executivo não convencem os manifestantes. Houve greves gerais no país tanto em 2015 quanto em 2016, com paralisações envolvendo mais de 100 milhões de trabalhadores em ambos os casos. A Índia possui 1,3 bilhão de habitantes, e tem cerca de 400 milhões de pessoas em seu mercado de trabalho.
No ano passado, um milhão de trabalhadores fizeram uma paralisação de dois dias no setor bancário, para pedir aumentos de salário. Um ano antes, 50 milhões de comerciantes e pequenos empresários se manifestaram de forma massiva contra a histórica reforma tributária lançada pelo governo: a criação de um imposto indireto comum para todo o país, algo insólito na Índia, foi o principal motivo da revolta: os pequenos empresários temiam não poder arcar com esse imposto totalmente digitalizado, já que suas contas sempre foram manuais. A maioria das empresas indianas possui livros de contabilidade flexíveis em suas anotações, e as faturas, quando existem, são escritas a lápis.
O impacto desta última greve geral não se pode medir pelo seu peso quantitativo, mas sim pelo momento em que se produz. A indignação de centenas de milhões de trabalhadores explodiu no colo do governo de Modi às vésperas de uma eleição geral que está prevista para abril e maio, e na que o mandatário tentará se manter no poder, no embate contra o Partido do Congresso – uma oposição debilitada que, entretanto, recuperou algo de força em dezembro, após as eleições regionais, quando recuperou o controle de três estados que estavam nas mãos do BJP. Esta recente surpresa nas urnas, que agora se vê refletida nas ruas, aumenta as incertezas sobre o que pode ocorrer no próximo pleito indiano.
Fonte: elviejotopo.com via Carta Maior, Tradução de Victor Farinelli