Notas Internacionais

Notas internacionais (por Ana Prestes) – 06/04/20

– Finalmente algum organismo multilateral pelas bandas de cá se mexeu frente à crise da pandemia por coronavírus. O Conselho do Mercado Comum – FOCEM – organismo do Mercosul, integrado pelos ministros da Economia dos países membros vai destinar cerca de 6 milhões de dólares para iniciativas de combate ao vírus. No Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai receber 1,3 milhão de dólares. Vai criar também um fundo reserva de 10 milhões de dólares para combate à pandemia.

 

– Foi semana passada, mas sempre bom lembrar que a Rússia qualificou como “piada” o plano dos EUA para formar um governo de transição na Venezuela. Segundo Maria Zharova, porta voz da chancelaria russa, comandada por Lavrov, “Washington anunciou um improviso em forma de plano para estabelecer um governo de transição na Venezuela (…) o plano é uma piada”. Ela ainda completou dizendo que “alguns países parecem estar sendo guiados pela situação política, pelo desejo de tirar proveito da difícil situação epidemiológica no mundo e na Venezuela”. A Rússia também criticou o FMI por se negar a prestar assistência financeira à Venezuela em um momento de pandemia em um país economicamente sancionado.

 

– A China já aumentou em 12 vezes sua produção de máscaras nas últimas semanas, segundo um pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnias (Conicet) da Argentina, em matéria do O Globo de hoje. O pesquisador monitora o aumento da cooperação chinesa com países latino-americanos, europeus, asiáticos e africanos e segundo ele a China já está mergulhada em um processo de reconversão industrial relacionado à pandemia. Empresas chinesas, como a Alibaba, já doaram 432 milhões de dólares no contexto da crise, mais que os 329 milhões de dólares doados por empresas americanas, como o Google. Em uma intensa luta comercial com os EUA, que segue a pleno vapor em plena pandemia, grupos chineses como a Huawei e Jack Ma já anunciaram doações de suprimentos médicos ao Brasil. Mas só vai materializar os donativos quando o Brasil apresentar as “demandas concretas”. Enquanto isso, membros do governo brasileiro, como o Ministro da Educação no sábado (5), continuam insultando os chineses com comentários racistas. Nesta manhã (6) o Embaixador da China no Brasil twittou logo cedo um pedido de retratação do governo brasileiro.

 

– Uma reportagem da Deutsche Welle (DW) da semana passada traz um panorama da crise por coronavírus na América Latina. A região foi uma as últimas atingidas pelo vírus em todo o mundo. As manifestações das contaminações começaram há cerca de um mês. Segundo a matéria, aumentou a popularidade de presidentes que investiram em estratégias bem definidas contra o vírus, como na Argentina, Chile e Peru. No Peru, onde Vizcarra decretou confinamento radical, a popularidade do presidente subiu de 52% para 87%. No Chile, Piñera conseguiu sair das cordas e voltou a um patamar de 20% de popularidade, após restringir fortemente a vida pública e prover medidas de ajuda estatal. Na Argentina, Fernández definiu muito cedo uma política clara de quarentena e chegou a 80% de apoio entre a população. Seguindo a linha de raciocínio da matéria, os políticos mais prejudicados pela forma com que se portaram diante da crise foram Jair Bolsonaro, do Brasil, e Andrés Manuel López Obrador (AMLO), do México. De Bolsonaro conhecemos bem a postura, mas a de AMLO surpreendeu por seus conselhos à população de continuar frequentando restaurantes e se abraçarem ao máximo. Somente no último dia de março ele se deu conta do que estava fazendo e apresentou rapidamente um estado de emergência nacional para o país. Sua popularidade foi de 78% (início de 2019) para 59%. Os efeitos da crise na América Latina podem ser nefastos. Segundo a CEPAL, dos cerca de 650 milhões de latino-americanos um terço pode ir para baixo da linha da pobreza e 90 milhões em situação de miserabilidade.

 

– Por falar em América Latina, a postura do governo Bolsonaro frente à crise está gerando preocupação e temor especialmente entre líderes sulamericanos. Argentina e Paraguai manifestaram contrariedade com a instabilidade política e informações desencontradas sobre as medidas frente à pandemia. O Brasil faz fronteira com praticamente todos os países da América do Sul, com exceção de Chile e Equador. São 17 mil quilômetros de fronteira bastante porosa em vários pontos, trânsito intenso de cidadãos (Nexo Jornal).

 

– Boris Johnson, premiê britânico e um dos líderes políticos ocidentais que mais desdenhou do coronavírus está desde ontem governando do hospital. Ele foi internado ao fim do dia em Londres e segue hospitalizado nesta segunda-feira. Segundo a assessoria de Downing Street à BBC, ele recebeu oxigênio ao longo da noite, mas não confirmaram se seu quadro é de pneumonia. No começo da crise, Johnson defendeu a política de “herd immunity”, que significa imunização em massa através da contaminação de grande parte da população. A política caiu logo, principalmente depois das projeções do Imperial College que rodaram o mundo e dos conselhos do infectologista Neil Ferguson, espécie de Anthony Fauci de lá e David Uip de cá. Enquanto o premiê é tratado no hospital, os jornais britânicos relatam episódios de vandalismo e depredação de antenas das da rede 5G no país, que conta com participação da chinesa Huawei no seu fornecimento. Há uma forte campanha embasada na teoria da conspiração de que o vírus é uma arma biológica chinesa.

 

– A guerra por suprimentos médicos, especialmente respiradores, no mercado internacional vai ganhando contornos dramáticos. Na semana passada, o estado da Bahia aqui no Brasil não conseguiu receber uma carga desses materiais adquirida de fabricantes chineses via traders norte-americanos. Há desencontros nas informações, mas segundo a Embaixada chinesa no Brasil, consultada pessoalmente por essa autora, na hora da carga deixar o aeroporto de Miami, na Flórida nos EUA, houve um primeiro embargo na alfândega e em seguida, mesmo com a liberação da exportação, um comprador local (prefeitura dos EUA) conseguiu arrematar os equipamentos pagando na hora e provavelmente mais do que o estado da Bahia contratou pagar (o pagamento não havia sido feito ainda). A situação revela que as burocracias estatais estão desafiadas neste momento. Os contratos precisam ser feitos de forma rápida, os pagamentos mais ainda e as rotas escolhidas devem evitar os EUA e outros países com grande capacidade de reter as cargas.

 

– A tensão da Itália com a União Europeia acabou gerando um pedido de desculpas por parte do bloco para o país até agora mais atingido pela pandemia na Europa. Em carta publicada no diário italiano La Repubblica, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que muitos países não ajudaram a Itália porque estavam concentrados em seus próprios problemas. Segundo ela, “eles não perceberam que só podemos derrotar essa pandemia juntos, com uma união. Isso foi prejudicial e poderia ter sido evitado (…) Hoje a Europa está se unindo ao lado da Itália”. A principal briga na Europa hoje, em especial na zona do Euro, é sobre a emissão de “coronabonds”, títulos de recuperação em nome de todos os países do euro. Estados mais ricos como Alemanha, Holanda e Áustria não aceitam esse tipo de endividamento para ajudar países já endividados como Itália e Espanha. Cresce assim o sentimento antieuropeu e ultranacionalista na Europa. Von der Leyen disse ainda que a UE vai destinar 100 bilhões de euros aos países mais atingidos, começando pela Itália. A Europa já possui mais de 50 mil mortos por conta do vírus.

 

– Usado como exemplo pela família Bolsonaro contra as medidas de distanciamento social, o Japão deve declarar estado de emergência a partir de amanhã para Tóquio e outras seis prefeituras. Está sendo preparado também um pacote de ajuda na casa de um trilhão de dólares para combater os efeitos da pandemia sobre a economia. Segundo o primeiro ministro Shinzo Abe à imprensa: “estamos vendo um rápido aumento de novas infecções, em particular em áreas urbanas como Tóquio e Osaka”.


A autora

Ana Maria Prestes

A Cientista Social Ana Maria Prestes começou a sua militância no movimento estudantil secundarista, foi diretora da União da Juventude Socialista, é membro do Comitê Central e da Comissão de Política e Relações Internacionais.

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