Especial - Centenário do Partido Comunista da China

China: 100 anos de luta pelo socialismo

Antecedentes

Em decorrência das 1ª e 2ª guerras do ópio (1839-1842 e 1856-1860), a China foi esquartejada e transformada em uma semicolônia de oito países – Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Alemanha, Áustria, Itália, Rússia czarista e Japão –, obrigada a entregar Hong Kong e a ceder diversas possessões a essas nações.

Por Raul Carrion*

Também foi forçada a abrir mais de uma dezena de portos para o comércio de ópio e de outras mercadorias das potências coloniais. O povo chinês, subjugado e humilhado, passou a conviver nos seus principais parques com cartazes onde se lia: “é proibida a entrada de cães e de chineses”.

Todas as revoltas contra essa opressão semi-colonial foram reprimidas de forma brutal, como ocorreu com a “Rebelião dos Boxers”, em 1900, esmagada a ferro e fogo por Guilherme II, que determinou a suas tropas que seguissem o exemplo de Átila e arrasassem Pequim, matando todos os chineses que caíssem em suas mãos, para que “jamais ousem olhar o rosto de um alemão”.

Terminada a 1ª Guerra Mundial, a reivindicação chinesa, na Conferência de Paz de Versalhes. de anulação de todos os “tratados desiguais” que lhe haviam sido impostos, foi completamente ignorada pelas potências coloniais que ao contrário mantiveram essas imposições e ainda declararam a China “território aberto a todas as nações do mundo”.

A fundação do PCCh e sua vitoriosa trajetória de lutas

É nesse contexto de luta contra a opressão semicolonial e semifeudal e sob o impulso da Revolução Russa, que aconteceu, em 23 de julho de 1921, em Shangai, o Congresso de fundação do Partido Comunista da China, com a participação de 12 delegados, representando 53 comunistas de toda a China. De lá para cá, passaram-se 100 anos.

Nessa sua longa caminhada, os comunistas chineses tiveram de enfrentaram a 1ª Guerra Civil Revolucionária (1924-1927) – quando, em aliança com o Kuomintang, lutaram contra os diferentes caudilhos militares, até serem traídos por Chiang Kai-chek e assassinados em massa; a 2ª Guerra Civil Revolucionária (1927-1937) – contra Chiang Kai-shek, os grandes proprietários feudais e diversos imperialismos, ocasião em que realizaram a “Grande Marcha”; a Guerra de Libertação contra o Japão (1937-1945) – quando quase toda a China foi ocupada e milhões de chineses foram mortos; e a 3ª Guerra Civil Revolucionária (1946-1949), quando derrotaram Chiang Kai-chek e os EUA e conquistam o Poder.

O Partido Comunista da China no poder

Instaurado o poder da Nova Democracia, em 1º de Outubro de 1949, os comunistas tiveram que realizar uma longa e dura caminhada para reconstruir a China – dilacerada por décadas de guerras e espoliação imperialista – e edificar o socialismo.

A reforma agrária anti-latifundiária, a socialização das indústrias e dos bancos, o “Grande Salto à Frente” (1958-1960) – com seus equívocos voluntaristas –, a “Grande Revolução Cultural” (1966-1976) – que causou graves distúrbios na China – foram alguns dos desafios a superar.

Em dezembro de 1978 – após a morte de Mao Tsé-tung e Chou En-lai – iniciou-se uma nova etapa na construção do socialismo chinês – das “Reformas Econômicas” e da “Abertura para o Exterior” –, agora sob a liderança de Deng Xiao-ping, que prosseguem até hoje no que veio a ser conhecido como o “socialismo com peculiaridades chinesas” ou o “socialismo de mercado”

As impressionantes conquistas do socialismo chinês

Tendo em conta os limites deste artigo, indicarei de uma forma sintética as enormes conquistas obtidas pela China, em sete décadas de construção socialista.

Inicialmente, constatamos que a China – que em 1949 tinha o 120º PIB mundial – passou a possuir o 20º PIB em 1978 e – de acordo com o critério de “paridade de poder de compra” – tornou-se o 1º PIB do mundo em 2013. Em 2018, segundo esse mesmo critério, sua economia totalizou 18,7% do PIB mundial, contra 15,1% dos Estados Unidos. Entre 1950 e 1977, o seu crescimento médio anual foi de 5%, pulando para 9,8% ao ano, entre 1978 e 2015. Em contrapartida, os EUA cresceram a uma media anual de 3%, de 1950 a 1980, caindo para 2,7%, de 1980 a 2015. Em 2017 a China foi responsável por 30% do crescimento global.

Esse vertiginoso desenvolvimento econômico – principalmente após as “Reformas” e a “Abertura ao Exterior” – fez com que a China duplicasse o seu PIB a cada dez anos, garantindo grandes avanços sociais e retirando 850 milhões de chineses da pobreza, eliminando completamente a pobreza em 2021. Enquanto isso, no mesmo período o número de pobres no mundo aumentou 275 milhões.

A China também foi o país onde mais cresceu a expectativa de vida da população, passando de 35 anos, em 1949, para 67 anos, em 1978, e 76,4 anos em 2017. Também a desigualdade – medida pelo índice de Gini – decresceu, chegando a 0,46 em 2018. Da mesma forma houve uma melhoria constante do nível de vida dos trabalhadores e da população em geral, sendo que atualmente os salários médios chineses já superam os pagos na América Latina. A renda per capita atingiu 19.500 USD e o IDH subiu para 0,761 Considerando os atuais ritmos de crescimento, calcula-se que em 2045 o PIB per capita chinês superará o dos Estados Unidos.

A China transformou-se na maior potência manufatureira e na maior potência comercial do mundo, com saldos permanentes em sua balança comercial, acumulando mais de quatro trilhões de dólares em reservas internacionais (as maiores reservas do mundo), equivalentes a mais de 30% do total. Tanto na produção industrial como nas exportações, o peso dos produtos de alta tecnologia e de alto valor agregado têm aumentado rapidamente e, em 2017, só 29% das exportações chinesas foram de baixa tecnologia. A China tornou-se a principal parceira comercial de 130 países, contra 60 dos EUA.

Segundo a Oxford Economics, desde 2001 – quando entrou na OMC – o valor agregado produzido pela China cresceu à média de 12,8% anual, contra 1,9% do Japão, 1,8% da Alemanha, 1,4% dos EUA e 0% do Reino Unido. Fruto disso, a China contribuiu, em 2017, com 27% do valor agregado de todas as manufaturas produzidas no mundo – 1,7 vezes os EUA, 2,8 vezes o Japão e 4,4 vezes a Alemanha.

Uma comparação entre os setores secundário e terciário da economia chinesa, feita em 2014, nos mostra que 42,6% do valor agregado total da sua economia foi produzido no setor industrial e 48,2% no setor de serviços, sendo preciso considerar que boa parte do setor de serviços cumpre funções produtivas, de apoio ao setor industrial. Assim, a China transformou-se na “fábrica do mundo”.

A China construiu um sólido sistema financeiro que – diferentemente do sistema especulativo e rentista do capitalismo – é uma ferramenta a serviço da produção. Quatro grandes bancos públicos nacionais controlam 80% do capital bancário do país e outros 80 bancos públicos menores – provinciais ou locais – detém outros 18%, restando apenas 2% nas mãos de bancos privados, principalmente estrangeiros.

Através da ação desse sistema financeiro público, dos mecanismos de controle macroeconômico em mãos do Estado – câmbio, juros, moeda, investimentos públicos, disponibilidade de infra-estrutura e matérias-primas, alocação de mão-de-obra, etc. – e da predominância estatal nos setores econômicos estratégicos, a economia chinesa é dirigida e conduzida rumo a um crescimento virtuoso. Isso também tem garantido grande estabilidade à moeda, com uma inflação reduzida, tornando o Yuan a 5ª moeda internacional, atrás somente do dólar, euro, libra e yen.

Apesar da importância dada pela China aos investimentos estrangeiros e ao comércio internacional – até por sua carência de matérias primas e insumos –, o motor decisivo do seu dinamismo econômico é a sua poupança interna e o seu imenso mercado nacional, formado por 1,44 bilhões de pessoas, com crescente capacidade aquisitiva, que em 2015, foi responsável por 66% do seu crescimento econômico. Assim, a China está deixando de ser um país meramente importador de capitais para tornar-se também um país exportador de capitais. Em 2014, os investimentos produtivos da China no exterior foram de 120 bilhões de USD, maior que os investimentos estrangeiros produtivos na China, de 103 bilhões de USD.

Os seus investimentos em Educação e Ciência & Tecnologia são enormes. As universidades chinesas – sete das dez melhores dos BRICS, entre elas as três primeiras – diplomam a cada ano mais de sete milhões de jovens. Em 2016 a China superou os EUA no número de artigos publicados em revistas científicas. Em 2018 foi responsável por 47% das patentes registradas no mundo, contra 18% dos EUA, 9,5% do Japão e 5,2% da União Européia. Nesse mesmo ano, superou os Estados Unidos no número de graduações universitárias (cinco vezes mais).

A China é a líder mundial em tecnologia 5G de comunicações (10 anos à frente da Finlândia e da Suécia) e está na vanguarda em Inteligência Artificial, Big Data, comunicação e computação quânticas, computação em nuvem, ultra-computadores, internet das coisas, robótica, microeletrônica, novos materiais, energia por fusão nuclear, veículos elétricos, veículos autônomos, trens de alta velocidade, bio-fármacos e equipamentos médicos avançados.

A China domina o ciclo completo da energia nuclear e a tecnologia espacial, construiu o maior radiotelescópio do mundo, enviou sondas espaciais para a Lua (inclusive para a sua face encoberta) e para Marte e lançou a sua primeira estação espacial, que a partir de 2022 será única a continuar em operação. O progresso técnico-científico tem sido responsável por 60% do aumento da sua produção. É esse enorme avanço tecnológico que assusta os EUA e explica a sua guerra comercial contra a China, que é muito mais no terreno tecnológico do que comercial.

Em resposta à guerra econômica dos Estados Unidos – que proibiram as empresas dos EUA, Japão, Taiwan e Coreia do Sul de lhe venderem chips, componentes e programas – a China reduziu drasticamente o uso de componentes e programas norte-americanos (a Huawey acaba de lançar o seu próprio sistema operacional HarmonyOS) e está investindo mais de 1 trilhão de dólares para tornar-se, até 2025, a líder mundial na produção de chips e semicondutores. Para isso, adquiriu empresas de ponta em Taiwan, Japão e Coreia do Sul, está contratando os seus melhores cérebros, além de estabelecer um acordo de pesquisas com a Rússia – que forma a cada ano mais engenheiros de primeira linha do que os EUA. Para migrar dos chips de 5 nanômetros – atualmente os mais avançados – para os de 3 nanômetros, a China está desenvolvendo semicondutores de carbono em substituição aos de silício.

São enormes os seus investimentos em infraestrutura de transportes, energia e comunicações. A China é a líder mundial em geração e transmissão de energia elétrica. Aplicou nos últimos anos 102 bilhões de dólares em energia eólica, que já ocupa o terceiro lugar na sua matriz energética. Tem ampliado em muito a geração de energia solar e se tornou a maior produtora mundial de painéis solares. Possui a mais extensa rede ferroviária de alta velocidade (20 mil km) e vem interligando todo o país através de moderníssimas rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Nos últimos anos, direcionou grande parte dos seus investimentos para o interior da China, buscando diminuir as diferenças econômicas e sociais entre as regiões litorâneas e o oeste do país.

O seu projeto de integração intercontinental Nova Rota da Seda (Cinturão e Rota), que abarca mais de 100 países, 62% da população mundial e 75% dos recursos energéticos do planeta, com investimentos da ordem de um trilhão de dólares; a sua participação no BRICS, na União Econômica da Ásia Central, na Organização de Cooperação de Shangai, na recém constituída Parceria Econômica Regional Abrangente – que envolve dez países do Sudeste Asiático, além da Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Japão, (sem a participação dos EUA); a sua integração estratégica com a Rússia e o Irã; a sua defesa intransigente do multilateralismo, do respeito à soberania e à autodeterminação dos povos e da paz mundial, fazem com que a China seja hoje o mais dinâmico ator geopolítico, importantíssimo dique contra todo o tipo de agressões imperialistas e relevante garantidora da paz mundial,.

O enorme êxito da China no enfrentamento da pandemia da COVID-19 deixou clara a superioridade do socialismo diante da tragédia ocorrida nos países capitalistas. Até a data de hoje, a China – com um bilhão e 440 milhões de habitantes – teve apenas 91.892 infectados e 4.636 mortos. Já os países capitalistas mais avançados – EUA, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha, Japão e Brasil –, que totalizam 994 milhões de habitantes (31% a menos que a China), já tiveram 77 milhões de infectados (837 vezes mais) e 1 milhão e 703 mil mortos (367 vezes mais).

Apesar de já em meados de 2020 haver colocado a pandemia sob controle e ter fornecido centenas de milhões de doses de vacinas para todo o mundo, a China aplicou até o dia de hoje 1 bilhão e 318 milhões de doses de vacina em sua própria população. E a economia chinesa, apesar da pandemia, cresceu 2,3% em 2020, frente a uma queda de 3,5% do PIB nos EUA, de 9,9% no Reino Unido, de 6,4% na UE, de 4,85% no Japão e de 4,1% no Brasil.

No terreno da soberania e defesa nacionais, a China Socialista saiu da condição de nação semi-colonial, esquartejada pelas potências imperialistas, à condição de nação soberana, que já recuperou Hong Kong e Macau – sempre por meios pacíficos – e tornou-se a terceira potência militar do planeta, com elevada capacidade de dissuasão nuclear, preparada para enfrentar ataques espaciais ou cibernéticos. Sempre reiterando que a sua luta é pela paz, que não possui qualquer objetivo de expansão territorial ou domínio econômico e que nunca será a primeira, em quaisquer circunstâncias, a utilizar armas nucleares.

Sem dúvida, o “socialismo com características chinesas” – que ainda se encontra em sua “etapa primária” – tem garantido grandes conquistas ao povo chinês e demonstrado, de forma evidente, a sua superioridade sobre o capitalismo neoliberal. As vitórias do Partido Comunista da China em um século de existência e as conquistas da China em sete décadas de construção socialista são comemoradas por todos os povos do mundo, que lutam por “um outro mundo possível”, livre de toda e qualquer opressão e exploração, um mundo socialista!

* Historiador Graduado pela UFRGS, com especialização em História Afro-Asiática pela FAPA. Esteve diversas vezes na China, Vietnã, RPDC, Cuba e Laos. Foi Deputado Estadual do Rio Grande do Sul e presidiu o PCdoB nesse Estado. Atualmente, dirige a Fundação Maurício Grabois no RS. É autor, coautor e organizador de diversos livros.

 

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