A bandeira da paz, os tempos nublados e as lições da história
No Brasil a nuvem do fascismo ameaça se impor no horizonte, nublar o sol e as esperanças do povo, enquanto o campo popular não esmorece diante da tempestade e resiste. Não é a primeira vez que isso acontece.
Conhecer a história de luta dos brasileiros pela paz mundial pode nos trazer lições valiosas e, mais do que isso, a convicção de que o imperialismo e o fascismo não são invencíveis.
Por Wevergton Brito Lima*
Assim como a ameaça fascista não é uma novidade, também não é um acontecimento singular em nosso tempo o crescimento da influência da extrema-direita. Pelo mundo são diversos exemplos que confirmam que este é um fenômeno mundial.
Na Hungria, Holanda, França, Itália, Alemanha, Polônia, Áustria e notadamente na Ucrânia, os neofacistas e neonazistas conseguem, com apoio ativo de setores do grande capital, atrair parcelas do proletariado repetindo ingredientes que embalaram o fenômeno nazifascista nas primeiras décadas do século 20: persistente crise econômica que atinge fortemente os trabalhadores, desencanto destes com a política, fartas doses de respostas de fácil compreensão apontando falsos culpados pelas dificuldades cotidianas.
No caso da Europa contemporânea os culpados são os imigrantes e a esquerda. No caso do Brasil: a corrupção e o PT. Na visão sem qualquer nuance difundida pela extrema-direita brasileira, esquerda, petistas e comunistas são a mesma coisa.
O crescimento do neofascismo tem ligação com a profunda crise do capitalismo, que não encontra respostas dentro das tradicionais receitas neoliberais, precisando recorrer à força e ao arbítrio para impor as soluções antipopulares que interessam aos monopólios transnacionais, comerciais e financeiros.
Por outro lado, a história mostra que é possível enfrentar e vencer a onda neofascista.
Embora a propaganda reacionária tenha sofisticado, ampliado e muitas vezes mudado radicalmente seus métodos de atuação – o que nos obriga a também a inovar nossas formas de luta – os trabalhadores e seus aliados acumularam, durante o século 20, dolorosa mas fecunda experiência na batalha pela paz em condições adversas, enfrentando o imperialismo e seus instrumentos políticos, destacadamente o fascismo.
O Brasil não é exceção, e o ativismo pela paz em nosso país tem uma longa e heroica trajetória, que deve ser melhor divulgada e estudada para que não se percam no tempo as histórias que podem trazer, para a luta que travamos atualmente, valiosas lições.
Neste sentido, vale a pena recordar um editorial escrito por João Amazonas, em agosto de 1949, para a Revista mensal “Problemas”, órgão teórico do Partido Comunista do Brasil, que então usava a sigla PCB.
O texto, intitulado “Nossa Política”, faz uma descrição do árduo trabalho dos ativistas pela paz na preparação do Congresso Continental pela Paz na Cidade do México, que aconteceu de 5 a 10 de setembro daquele ano, como parte do processo de construção do Congresso de Paris, onde seria fundado o Conselho Mundial da Paz.
“Milhares de operários e camponeses, de estudantes e intelectuais, de mulheres e jovens vieram à rua debater os problemas da paz, votar resoluções e estruturar organismos de luta pela paz, angariar assinaturas contra a guerra e eleger delegados para os congressos regionais de Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre”, informava Amazonas.
No entanto, a mobilização para o Congresso Continental, com a realização de suas conferências regionais e a divulgação de suas propostas contra as armas nucleares desencadeou brutal repressão do Governo Dutra, umbilicalmente ligado ao imperialismo estadunidense.
Foram assassinados “o operário Vicente Malvoni, o jornalista Jaime Calado e o trabalhador do campo José França. Correu sangue de jovens e mulheres em Minas Gerais, São Paulo e noutros pontos do país. Centenas de pessoas foram espancadas e torturadas”.
Apesar da feroz perseguição policial e da intensa atividade desenvolvida pelo Departamento de Estado dos EUA no sentido de impedir a reunião, a realização do Congresso Continental pela Paz foi coroada de êxito, reunindo nomes importantes, como Candido Portinari, Charles Chaplin, Thomas Mann, Pablo Neruda, Pedro Pomar, entre outros.
Amazonas relata que a imprensa burguesa reagiu escondendo do público a realização de tão importante evento enquanto o aparelho de repressão continuava seu sinistro trabalho de tentar impedir a atuação dos militantes pela paz no Brasil.
A cassação do deputado federal Pedro Pomar foi exigida em coro pela mídia burguesa e pela direita, incluindo ministros de Dutra, tendo como argumento sua participação no evento.
Transcorridas quase 7 décadas deste histórico texto, é motivo de admiração constatar que suas principais advertências guardam plena validade.
“para fazer a guerra os imperialistas tentam mudar os sinais dos caminhos, isto é, deformam a seu modo a realidade dos acontecimentos, para enganar as massas, intoxicá-las com o veneno chauvinista, com o ódio racial, etc.”
Para o veterano dirigente comunista, a luta pela paz é pedagógica, e ensina às massas o valor das conquistas democráticas:
“A batalha da paz, tão ardorosamente travada de norte a sul do Brasil, desde logo indicou às massas que a luta pela paz é inseparável da luta pela democracia, já que a preparação de guerra impõe a liquidação completa das mais elementares liberdades democráticas”.
A bandeira da paz é, portanto, uma ferramenta poderosa no combate ao fascismo, mas deve estar ligada diretamente à defesa dos direitos do povo.
“Cada nova restrição que se faz aos direitos do cidadão, sob qualquer pretexto, é, hoje, mais uma ameaça de guerra”.
João Amazonas faz um chamamento a transformar a luta pela paz em uma luta de milhões.
“É preciso mobilizar para a batalha da paz, sempre mais árdua, os milhões de pessoas que ainda hoje não estão esclarecidas sobre o perigo de guerra que os ameaça. É imprescindível alicerçar a campanha nas grandes massas trabalhadoras das cidades e do campo ligando-a à luta pelas suas reivindicações mais sentidas.”
Uma lição que fica
Embora confiantes de que a vitória do campo popular e democrático é possível no próximo dia 28 (o jogo só acaba quando termina, já dizia o Vicente Matheus) caso o candidato fascista prevaleça, a bandeira da paz mundial será mais uma vez um instrumento fundamental da resistência.
Porém, qualquer que seja o resultado das eleições, a batalha contra o fascismo e sua influência não cessará tão cedo e será preciso então recordar as lições dos lutadores consequentes pela paz que nos antecederam: o foco são os trabalhadores, nossas bandeiras “suas reivindicações mais sentidas”, tendo a capacidade de ligá-las às bandeiras gerais da paz, da democracia e da soberania nacional.
* Jornalista, Secretário-Geral do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz e membro da Comissão de Política e Relações Internacionais do PCdoB