Luta dos povos

A resistência bolivariana e a reunião do Grupo de Lima

Se havia alguém com dúvidas em relação ao que representou a resistência venezuelana neste final de semana dos dias 23 e 24 de fevereiro, elas acabaram com a realização da reunião, realizada nesta segunda-feira (25) em Bogotá, do chamado Grupo de Lima, congregando 14 países cujos governos – com exceção do México, que não vem respaldando as resoluções – têm sido ferozes adversários da Revolução Bolivariana e alinhados aos EUA, embora com graus diferentes de subordinação.

Por Wevergton Brito Lima*

A declaração final do encontro e as intervenções dos representantes de cada país durante a reunião revelam um clima notadamente diferente daquele que existia nos dias que antecederam o chamado “Dia D” venezuelano.

Isso porque o Juan Guaidó, que participou da reunião, e a oposição virulenta e terrorista que ele representa, prometeu e não entregou. O que Juan Guaidó havia prometido e que seria chave para o sucesso dos planos urdidos pelo Departamento de Estado Americano?

Ora, estava longe de haver um consenso entre a comunidade internacional sobre uma intervenção militar na Venezuela. Mesmo os países europeus mais ligados ao imperialismo estadunidense sabiam que a tal “ajuda humanitária” era um pretexto muito frágil para desencadear uma agressão, já que ela não atendia nenhuma das premissas básicas que legitimam, segundo o direito internacional, a ajuda humanitária, que são: 1) A ajuda deve ser requisitada pelo legítimo governo do país, 2) Ela deve ser aprovada pelas Nações Unidas e 3) Sua entrega deve ser feita pela Cruz Vermelha, para evitar a politização de um ato puramente humanitário.

Sendo assim, seria fundamental que, ao lado do clima de tensão na fronteira, existisse um clima de tensão interno, com centenas de milhares de venezuelanos nas ruas, protestando contra Maduro e buscando, através da ação premeditada de agentes provocadores, o confronto sangrento com as forças de segurança, com mortos (muitos mortos, de preferência) e feridos.

O clima interno, então, alimentaria a tensão nas fronteiras e vice-versa, até que o massacre midiático chegasse a um ponto de forjar um clamor público que naturalizasse a intervenção militar estrangeira para derrubar Nicolás Maduro.

A oposição venezuelana já mostrou capacidade de mobilização de massas e domina a “tecnologia” de ações violentas. Porque seria diferente desta vez, ainda mais com tanta gente apostando que Maduro viveria “suas últimas horas” (conforme declaração de uma “diplomata” artificial do artificial governo Guaidó, e que virou manchete no site UOL, no sábado)?

Porém, o que se viu no sábado, ao contrário, foram dezenas de milhares de chavistas e patriotas venezuelanos tomando às ruas em defesa da soberania de seu povo.

Constrangidos, os mesmos analistas da mídia hegemônica que em diferentes canais repetiam as mesmas mensagens, a principal delas vaticinando a queda iminente da Revolução Bolivariana, tiveram que assistir ao pronunciamento altivo do presidente legítimo da Venezuela ao povo reunido nas ruas.

O fracasso da oposição em mobilizar internamente no sábado terá múltiplas razões e eu arrisco citar duas:

Juan Guaidó ter se autoproclamado presidente “encarregado” fragilizou o discurso “em defesa da democracia” que mobiliza parte da oposição, pois Guaidó sabidamente não tem qualquer legitimidade para tal e seu nome sequer é consenso mesmo na oposição.

Uma outra possível razão tem a ver com a subjetividade da nação de Hugo Chávez: Simón Bolívar, General da liberdade de diversos povos latino-americanos, nasceu em Caracas. O fato de ser a pátria de Bolívar cala fundo na consciência nacional venezuelana, o que foi corretamente reforçado nestes anos da experiência chavista. Assim, a ameaça de uma invasão estrangeira ajuda a unificar tanto o povo quanto os militares venezuelanos, ao mesmo tempo em que anula a ação de parte da oposição que se coloca no campo patriótico.

O fracasso da “ajuda humanitária” como cabeça de ponte para uma invasão estrangeira foi impactante para os partidários do “presidente encarregado” que devem agora viver uma luta interna fratricida em torno de explicações (e culpados) pelo fiasco.

Além disso, a resistência venezuelana deixou claro que qualquer aventura militar contra a Venezuela custará alto em termos de vidas humanas e instabilidade regional, o que faz mesmo os mais fiéis aliados de Trump na região pensarem duas vezes.

A reunião do Grupo de Lima refletiu isso. Contrariando o discurso do fragilizado Guaidó e do vice-presidente dos EUA, Mike Pence, ambos falando de paz ao mesmo tempo em que pediam que todas “as opções continuassem na mesa”, o que é referência clara ao uso da força, o que predominou em Bogotá foi justamente a negativa da possibilidade de uma intervenção militar ou qualquer tipo de uso da força na Venezuela.

O site Opera Mundi reproduziu as declarações do vice-ministro de Relações Exteriores do Peru, Hugo de Zela: “É bom dizer com absoluta claridade, o uso da força em qualquer de suas formas é inaceitável. Não é uma solução para o que ocorre na Venezuela (…) no Grupo de Lima lutamos para que essa solução se dê de forma pacífica (…) Não estamos apoiando o uso força. O Grupo de Lima vem apoiando uma solução pacífica”.

Outros países seguiram esta linha, inclusive o Brasil, sobre o qual falaremos adiante e tal posicionamento se refletiu na Declaração Final, que apesar de renovar a opção pelo cerco diplomático à Venezuela e usar termos ofensivos e inaceitáveis ao se referir ao governo de um país soberano, diz em seu ponto 16 que “(os países signatários) reiteram sua convicção de que a transição à democracia (na Venezuela) deve ser conduzida pelos próprios venezuelanos pacificamente (…) sem o uso da força”.

E o Brasil?

As contradições internas do governo de extrema-direita brasileiro são cada vez mais visíveis. Afinal, se dependesse do presidente Jair Bolsonaro e do seu tresloucado chanceler, muito provavelmente as tropas estadunidenses teriam livre acesso ao território brasileiro para atacar a Venezuela.

No entanto, o general e vice-presidente da República, Hamilton Mourão, também ele inimigo da Revolução Bolivariana, declarou que “seria muito ruim trazer um clima antigo, como o da Guerra Fria, para o Brasil”, o que o site UOL revelou que era uma referência à possível presença da Rússia no conflito mas pode ser também um recado ao próprio chanceler brasileiro, Ernesto Araújo. Mourão acrescentou que é contrário “a qualquer medida extrema que nos confunda, como nações democráticas, com aquelas que serão julgadas pela história como agressores, invasores e violadores das soberanias nacionais”. O vice-presidente brasileiro, que tachou o governo Maduro de “criminoso”, disse que as sanções à Venezuela devem acontecer apenas se aprovadas por organismos multilaterais, como a ONU, OEA, etc.

O clima de ameaças à Venezuela não se desanuviará tão cedo e o perigo de um ataque contra a terra natal de Bolívar permanece real, pois os EUA dificilmente desistirão de seu intento de se apoderar das imensas riquezas da pátria bolivariana e, ao fim e ao cabo, é isto que está em jogo.

Mas podemos repetir, depois de um final de semana tão tenso mas vitorioso e de uma segunda-feira em que os inimigos claramente estão “batendo cabeça”, o que me disse um patriota venezuelano no final da noite de sábado: “Todavia, tenemos pátria”.

* Jornalista

 

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