Luta dos povos

Colombianos exigem fim dos massacres e da violência policial

Tropa de Choque faz uso excessivo da força, condena Nações Unidas, que passa a ser fiadora do processo de paz / Foto: NYT

Em entrevista, o líder sindical colombiano Francisco Maltés fala sobre as manifestações que ocorrem desde o final de abril e que têm sido duramente reprimidas, e anuncia a disposição da oposição de buscar saídas para a grave crise que afeta a Colômbia.

Por Leonardo Wexell Severo

O dirigente da Comissão Nacional de Paralisação e presidente da Central Unitária de Trabalhadores da Colômbia (CUT), Francisco Maltés Tello, reiterou “a determinação de iniciar as negociações da Pauta de Emergência entregue ao governo no ano passado e de chegar a um acordo, por escrito, que permita melhorar as condições de vida do povo”. Conforme Maltés, os movimentos estão dispostos a se reunir “quando o presidente Iván Duque quiser” e acreditam que “o primeiro ponto deve ser as garantias necessárias para exercer o protesto social na Colômbia, que cessem os massacres e o uso excessivo da força”.

Estamos dialogando com as Nações Unidas e a Igreja para que sigam sendo fiadoras do processo de negociação. Porque já foram assassinados 50 jovens, há entre 300 a 400 desaparecidos e estão documentados mais de dois mil casos de todo tipo de abuso por parte da Polícia”, condenou.

Maltés enfatizou o êxito da paralisação iniciada no dia 28 de abril, que conta com o apoio de distintos governos que combatem a covarde repressão, da força dada pela imensa “diáspora” de cinco milhões de colombianos e da “impressionante solidariedade do movimento sindical internacional”.

O líder abordou a luta e de como descortina dias promissores: “Derrubamos a reforma tributária, derrubamos o ministro da Fazenda e a ministra de Relações Exteriores. Seguiremos avançando”.

Francisco Maltés Tello, presidente da CUT Colômbia e da Comissão Nacional de Paralisação, denuncia ações criminosas do governo de Iván Duque

Em todas as manifestações, o Comitê Nacional de Paralisação tem colocado ênfase em enterrar o “novo pacotaço” do presidente Iván Duque. Quais foram essas novas medidas do governo?

Este governo vem fazendo reformas pela porta dos fundos, às escondidas. O fato é que em 2019 os indicadores sociais despencaram no país, isso sem a pandemia(que ceifou oficialmente mais de 80 mil mortos, com três milhões de casos). Naquele ano, a taxa de desemprego passou de dois dígitos. Estávamos há dois anos com um dígito e demos um salto, havendo um milhão e trezentos e cinquenta mil novos pobres.

Segundo o Escritório de Estatísticas da Colômbia, a pessoa é pobre se ganha menos de três dólares por dia e miserável, em estado de pobreza absoluta, se ganha menos de um dólar e meio.

Frente a esta situação, organizamos uma greve em 21 de novembro de 2019 contra o pacotaço de Duque, pela vida, a paz e a democracia. Por que juntamos estas reivindicações? Pela paz, porque este governo segue empenhado em pôr fim ao processo de pacificação assinado com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) – impondo todo tipo de obstáculos políticos, econômicos e jurídicos -; pela vida, porque há uma ação sistemática de massacres e assassinatos de líderes sociais; e pela democracia, porque tentam silenciar a imprensa, limitar a liberdade de cátedra e restringir a opinião.

Lutamos contra o pacotaço porque havia uma reforma trabalhista e previdenciária em curso, além de uma reforma tributária que tinha como eixo central impostos indiretos que oneravam de forma brutal a cesta básica.

Então organizamos para 21 de novembro uma paralisação que teve um grande êxito, muito parecida com a do Chile. E esta greve em boa medida não terminou, foi suspensa no final do ano, porque somos uma sociedade 95% católica, apostólica e romana. E depois da “Noche de las Velitas” (A Noite das Velinhas, em 7 de dezembro, quando se celebra a Imaculada Conceição, iniciando as comemorações natalinas), as pessoas começam a se desmobilizar. É uma tradição familiar católica, que a gente comemora com bolinho, vinho e tudo a que se tem direito.

Porém houve fortes mobilizações até 22 de dezembro quando o governo e o Congresso aprovaram, à meia-noite, a reforma tributária. E o que ocorreu? Reduziram os impostos dos grandes empresários e, no Imposto de Renda, possibilitaram que economizassem 12 bilhões de pesos (mais de 1% do PIB de US$ 323 bilhões em 2019). Nós erguemos a voz contra a doação desse dinheiro para os ricaços, porque isso iria agravar a situação do país mais adiante. Mas a aprovaram.

E chegou a pandemia e o confinamento.

Nós entramos em confinamento em meados de março.  E o governo começou, com base na Declaração de Emergência Econômica, a fazer artigos e pedaços de reformas para restringir direitos. O elemento chave nesse processo foi a expedição do decreto 1174, que é uma reforma trabalhista e previdenciária que suprime direitos e precariza as relações de trabalho.

Uma sacanagem brutal, igual a Bolsonaro: trabalho por horas, desobrigam as empresas de pagar a Seguridade social, desoneram os contratos de trabalho, retiram e reduzem direitos.

Este decreto foi expedido unilateralmente pelo governo, sem ouvir a opinião dos trabalhadores. Vale lembrar que aqui temos uma Comissão de Concertação, em que todos os temas laborais devem ser tratados, que é tripartite (formada por trabalhadores, empresários e governo), como na Organização Internacional do Trabalho (OIT). Passaram por cima e a aprovaram.

Por isso dizemos que é um novo pacotaço, porque depois do decreto 1174 querem nos impor uma outra Reforma Trabalhista e Previdenciária. Uma situação de barbárie.

Então, em 20 de junho do ano passado, apresentamos uma Pauta de Emergência, um plano de choque para salvar a vida, manter o emprego e reativar a economia. E o governo nem deu bola. Porque sabia que o temor à pandemia, naquele momento, tornava muito difícil a nossa mobilização. Nossas manifestações foram restritas.

E o que fez com que em 2021 as mobilizações se multiplicassem com tanta força?

Neste ano, com a vacina, as pessoas já haviam assimilado mais a situação de pânico que havia anteriormente. Previmos que viria um novo corte de direitos e dissemos: paralisação nacional em 28 de abril. E o governo começou a anunciar o aumento dos impostos indiretos de todos os bens que tivessem algum grau de elaboração: pão, queijo, chocolate, café… Em alguns casos de cinco a 19%, de outros de zero a 19%. Em resumo, um imenso impacto em toda cesta básica, em meio a uma situação que só se agrava.

Porque em 2019 tivemos um milhão, trezentos e cinquenta mil novos pobres, e em 2020 mais três milhões e meio de novos pobres. Atualmente, 41,5% da população colombiana está na pobreza e cerca de 15% na miséria. Segundo o Escritório de Estatísticas, 17 milhões de pessoas vão dormir com algum grau de fome no país, um terço da população. Então se você vai dormir com fome e lhe vão ainda impor um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) ao café… Somos como o Brasil, tomamos café todo o dia. Isso foi a gota d`água.

Em meio à crise derivada da recessão e da pandemia foi apresentada uma nova pauta de reivindicações. Quais são os principais pontos?

A Intervenção do Estado no sistema de saúde para garantir o atendimento na pandemia, estabelecendo todas as medidas de biossegurança necessárias e a formalização dos empregos para todos os profissionais de saúde; Renda básica emergencial de pelo menos um salário mínimo legal vigente por seis meses, para as trinta milhões de pessoas que vivem na pobreza, vulneráveis ​​e afetadas pela crise; moratória no pagamento de créditos à habitação e de consumo, no pagamento dos serviços públicos (água, luz, internet e gás) por quatro meses, proibindo o corte destes.

Propomos a defesa da produção nacional (agropecuária, industrial, artesanal e camponesa) e o emprego com direitos. Defesa da soberania e da segurança alimentar: perdão de créditos agropecuários, subsídios à produção de camponeses, pequenos e médios produtores, e um programa de compras públicas para a produção agropecuária.

Não serão deterioradas as condições dos trabalhadores e dos aposentados.  Apoio à rede pública de ensino visando garantir as matrículas nas instituições de ensino superior públicas, subsídios destinados à continuidade dos estudos em instituições de ensino superior privadas e apoio ao setor cultural. Defendemos o não retorno às aulas presenciais para o sistema educacional sem que haja garantias e a revogação dos decretos de emergência que deterioraram as condições de vida econômica e social.

Ao mesmo tempo, o Comitê Nacional de Paralisação apresentou uma proposta de fontes de financiamento. De onde viriam os recursos?

Para atender a essas solicitações, o Estado conta com pelo menos as seguintes fontes de recursos: emissão de moeda; fazer uso das reservas internacionais; realizar moratória temporária e renegociar a dívida pública externa; e suspender as isenções tributárias das grandes empresas e do capital financeiro.

Disseste em várias entrevistas que os colombianos foram às ruas para não morrer de fome.

Exatamente. As pessoas fazem a opção entre morrerem calados ou lutando por sua dignidade. E estão saindo desde o dia 28 de abril. Nesta reforma tributária, Duque esperava arrecadar 30 bilhões de pesos. Cerca de oito bilhões de impostos indiretos, 19 bilhões de impostos dos salários e das aposentadorias. Os trabalhadores que ganhavam mais de 700 dólares e aposentados que recebiam acima de 1.300 dólares. E os milionários somente iriam pagar 3 bilhões de pesos. O peso da crise cairia novamente sobre os nossos ombros e arrombando os nossos bolsos.

Atualmente, os trabalhadores que recebem mais de 1.300 dólares continuam pagando Imposto de Renda, e os aposentados e pensionistas não pagam. Com a reforma de Duque haveria um enorme retrocesso. Além disso, o governo queria congelar os salários dos servidores públicos por cinco anos. Congelar salários, subir impostos e aumentar o preço da cesta básica. Igual a Bolsonaro.

Daí a enorme adesão ao movimento.

A paralisação foi um êxito. Derrubamos a reforma, derrubamos o ministro da Fazenda e a ministra de Relações Exteriores, que quando veio toda a pressão internacional disse que as Nações Unidas estava se intrometendo no que não devia. Foi isso o que disse essa senhora à ONU.

Então derrubamos dois ministros, uma reforma, e o governo pensou que a paralisação iria durar um dia e que o povo voltaria para casa. As pessoas responderam: não encha o saco [no me jodas].

Neste momento, estamos dialogando com as Nações Unidas e com a Igreja para que sigam sendo fiadoras do processo de negociação. Porque aqui já foram assassinados 50 jovens, há cerca de 300 a 400 desaparecidos – número que é muito difícil de calcular -, e há documentos de mais de dois mil casos de todo tipo de abuso de força por parte da Polícia.

Como está a defesa da não militarização e das garantias democráticas para o protesto, que são itens de destaque na pauta de reivindicação?

Nos reunimos na segunda com o governo, que disse que não negociava, que conversava, e que na Colômbia os direitos humanos estavam bem. Então lhes dissemos: bom, já que é assim, tchau. Siga o seu caminho que nós seguiremos com a paralisação. Poucas horas depois de tomar esta decisão o Comissário de Paz, que está em negociação, fez uma declaração pública dizendo que o governo estava disposto a negociar. Então dissemos: correto, negociação. Porém faltam garantias.

Manifestantes denunciam em Bogotá: “além de matar, estupram” / Foto: Juan Barreto – AFP

E quais são as garantias reivindicadas pelo movimento?

Primeiro, que cessem o uso excessivo de força por parte da Polícia; segundo, que se desmilitarize o protesto social – porque o Exército de toda nossa região foi orientado na teoria do inimigo interno. Nós dissemos que este Exército deveria preservar as fronteiras. Terceiro, é preciso parar os massacres e, quarto, tem que haver sanções disciplinares ou penais aos implicados nos assassinatos e no uso da força excessiva. Guardando o devido processo, que é um direito universal, que sejam investigados em suas ações.

Estes foram os pontos tratados junto às Nações Unidas?

Exato, foram os pontos que defendemos na tarde de sexta-feira (14) junto às Nações Unidas. Nós temos a melhor intenção de chegar a um acordo, porém, primeiro, é preciso que nos sejam estabelecidas garantias. Não vamos sentar na mesa para falar, negociar, enquanto estão matando os jovens.

Colômbia é um país infestado de bases militares estadunidenses. E como se comporta o governo de Duque em relação a isso?

Duque vive de joelhos. Assim resumo o seu comportamento.

E a repercussão internacional dos massacres ocorridos?

Recentemente, o Departamento de Estado dos EUA emitiu uma declaração de que na Colômbia havia uso excessivo da força por parte da Polícia. Foram dois pronunciamentos dizendo que é preciso parar com o uso excessivo. Da mesma forma que o Canadá, a Comunidade Europeia, o presidente da Argentina… E o mais importante é que temos recebido uma solidariedade impressionante do movimento sindical internacional e de toda a diáspora colombiana, como a chamamos. Porque há mais de cinco milhões de compatriotas pelo mundo, colombianos que aqui não encontraram oportunidade de trabalho. Estamos piores do que na Venezuela, o que ocorre é que aqui temos um governo aliado do império e há pouca repercussão na mídia internacional sobre a gravidade do problema.

Neste momento de unidade e mobilização, os colombianos abrem caminho para a solução de seus problemas. Venceremos!

 

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