Luta dos povos

João Pimenta Lopes: “Construir a Europa dos Povos”

Foto: Wevergton Brito Lima

O eurodeputado português, João Pimenta Lopes tem sido, no Velho Continente, uma das vozes mais constantes e contundentes a denunciar a ofensiva reacionária e golpista no Brasil. Apesar de jovem, 38 anos, já acumula 21 anos de militância comunista. Em fevereiro de 2016 assumiu o cargo de deputado no parlamento europeu na lista do Partido Comunista Português, juntando-se a outros dois camaradas, João Ferreira e Miguel Viegas.

João Lopes esteve no Brasil em outubro, a convite do PT e do PCdoB, acompanhando o desenrolar do segundo turno das eleições presidenciais, e agora voltou, desta vez a convite da Fundação Perseu Abramo, para participar da Conferência Internacional em Defesa da Democracia e de Lula, que ocorreu nos últimos dias 10 e 11 de dezembro, em São Paulo.

E foi no dia 11, em visita à redação do Portal Vermelho, que o parlamentar comunista concedeu esta entrevista, onde nos fala da solidariedade ao Brasil, da conjuntura política em Portugal e na Europa.

O PCP, explica João Pimenta Lopes, defende uma Europa dos Povos, em oposição “à política de submissão à integração capitalista da União Europeia”, que trouxe graves prejuízos ao seu país. Um exemplo que chama a atenção é que, depois de 32 anos de integração à União Europeia, Portugal, que possuí umas das maiores Zonas Econômicas Exclusivas de Mar Territorial do Mundo – o país das grandes navegações, de Vasco da Gama, das Lusíadas de Camões – fechou portos e estaleiros e não tem mais sequer uma Marinha Mercante. Leia, abaixo, a íntegra da entrevista.

Por Wevergton Brito Lima

Antes de entrarmos  propriamente nas perguntas, permita-me, em nome do Portal Vermelho, agradecer pela solidariedade do PCP ao povo brasileiro.

Eu que fico grato por poder demonstrar a solidariedade dos comunistas portugueses aos trabalhadores brasileiros, aos que não abdicam de lutar pela democracia, pela liberdade, pela justiça, pela verdade e pelo projeto de um Brasil soberano.

Como você vê a vitória de Bolsonaro nas eleições presidenciais brasileiras?

Vejo isso inserido em um contexto global. Não é só no Brasil que a extrema-direita está a ter expressão. A luta que se trava aqui não é distinta da luta que se trava hoje na Europa. Já são dez os governos da União Europeia onde a extrema-direita lidera ou participa de uma composição de governo.

Os ideais reacionários, e até mesmo neofascistas, vêm ganhando espaço, como vemos desde a eleição de Trump nos Estados Unidos até a política de opressão dos israelenses contra os palestinos. Apesar de ainda não termos em Portugal um movimento expressivo da extrema-direita não descartamos a possibilidade de o capital apostar no cavalo do fascismo, como já fez em outros momentos da história.

O fascismo não é uma reação ao capitalismo, é uma expressão mais agressiva, mais terrorista, do capital monopolista.

Falando da realidade portuguesa, muito se discute, no Brasil, sobre a chamada “geringonça”, que permite ao Partido Socialista governar Portugal. O que você diz sobre a “geringonça”?

Geringonça foi o apelido dado pela direita, como forma de caricaturar a solução política que resultou das eleições de 2015.

Resumindo: a direita foi a mais votada, mas caiu tanto sua votação que perdeu a maioria parlamentar. Ainda assim, segundo a tradição, seria a primeira força a formar governo. Num momento em que todas as forças políticas se preparavam para admitir a vitória da direita e com isso facilitar a formação de um governo, o PCP, fazendo uma leitura da expressão do resultado eleitoral, onde 60% do eleitorado se posicionou à esquerda, e face à absoluta necessidade de romper com o aprofundamento da política de direita, afirmou que o PS só não formaria governo se não quisesse. Assim o PS acabou formando governo, com os votos das bancadas do PCP, do Partido Ecologista “os Verdes” e do Bloco de Esquerda.

Mas é bom esclarecer que o PCP não está no governo, que é formado por uma única força: o PS. Portanto, o governo tem o programa do PS, não é o programa de uma coligação ou de uma frente. Sendo assim, o PCP não tem um acordo de incidência parlamentar, em que há um apoio sistêmico ao partido que está no governo.

Esta situação, como já salientei, resultou das eleições de 2015, quando a direita foi a força política mais votada, porém sofrendo grande desgaste eleitoral, pois vinha de 4 anos de um governo que impôs a política da troika (1), política de ataque grosseiro aos direitos dos trabalhadores, aos direitos sociais, à previdência social, à saúde, à educação, perseguindo a estratégica de vendas e privatizações. Então, naquela ocasião logo após as eleições, no momento de o parlamento formar o governo, apesar de o PCP não alimentar quaisquer ilusões quanto ao partido socialista, pois continua totalmente alinhado à política da União Europeia, vislumbramos a oportunidade de barrar o programa de direita, cuja continuidade iria aprofundar ainda mais o ataque aos trabalhadores. O que aconteceu foi que uma nova correlação de forças possibilitou travar a luta em um patamar mais favorável, com o governo minoritário do PS tendo que fazer concessões aos trabalhadores. Mas o PCP prosseguiu com seu programa e com seu posicionamento independente.

E que avanços concretos esta melhor correlação de forças permitiu?

Um conjunto de avanços, tanto pela intervenção do PCP quanto pela mobilização dos trabalhadores. Avanços limitados, mas avanços de qualquer forma. Por exemplo, o aumento do salário mínimo, não ao nível que defendíamos, mas um aumento real. A redução da jornada de trabalho na função pública, de 40 para 35 horas semanais. A retirada de impostos sobre o trabalho, a recuperação parcial de salários, a retomada de direitos sociais que haviam sido perdidos, como os abonos de família, para famílias em dificuldades. O aumento das pensões dos aposentados , ainda que limitados e moderados, mas importantes para quem recebe pensões pequenas. Na educação foi garantida no orçamento a gratuidade de livros escolares até o 12° ano. Tivemos reduções nas taxas da energia, gás e eletricidade e também redução da carga fiscal para pequenas e médias empresas.

Avanços importantes.

Sim, mas tudo isso, repito, foi conquistado graças à melhor correlação de forças mas principalmente devido à luta dos trabalhadores e da intervenção do PCP, pois o governo do PS não é um governo de esquerda.

Em matérias essenciais o PS sempre converge com a direita. Um exemplo é a manutenção da caducidade da negociação coletiva. O que significa isso? Antes, se não houvesse acordo entre sindicatos e os patrões, o acordo coletivo anterior continuava em vigor até que se chegasse a um novo. A caducidade do contrato coletivo, introduzida pelo governo de direita, faz tudo voltar ao zero se não houver novo acordo, o que fragiliza muito os trabalhadores, mas o PS se recusa a revogar isso.

O PCP propôs que a redução para 35 horas semanais fosse estendida para o setor privado, e o PS se juntou à direita para barrar a iniciativa.

O governo do PS não libera as verbas necessárias para a área de saúde e ao mesmo tempo mantêm a visão das PPPs (Parcerias Público Privadas) que na área da saúde são verdadeiras sugadoras de recursos públicos, neste caso degradando o serviço público em favor do serviço privado.

A ditadura do discurso do déficit público, da dívida pública, continua no governo PS. Nos próximo cinco anos o país vai pagar 35 bilhões de euros só para arcar com o pagamento de juros e o governo do PS continua a rejeitar a renegociação da dívida. Todo o edifício público tem vindo a  emagrecer e se fragilizar.

Diante deste quadro, o PCP propõe a Saída Patriótica e de Esquerda. Você pode explicar aos nossos leitores o que é esta proposta?

Claro. A experiência atual do governo do PS, apesar de todos os limites, está sendo útil para mostrar ao povo que é possível ir mais além. Antes, pregava-se um certo conformismo, no sentido de que não havia alternativa senão a da política anti-trabalho da troika. Agora ficou claro que se a convergência política for avançada, é possível fazer diferente. Temos dito que Portugal precisa de uma política alternativa e uma alternativa política.

Neste sentido, a proposta da Saída Patriótica e de Esquerda, é a construção de uma democracia avançada, alicerçada nos valores de abril (2).

Patriótica no sentido de afirmar a soberania portuguesa em contraponto à política de submissão à integração capitalista da União Europeia, que essencialmente favorece países como a Alemanha e os grandes monopólios comerciais e financeiros.

Patriótica também pela proposta de recuperar a capacidade produtiva  e o controle público de setores estratégicos que são determinantes como energia,  transporte e finanças.

O processo de privatização dos bancos em Portugal orientou os recursos de financiamento para o setor terciário. Precisamos de um forte banco público e de recuperar o controle público da banca que ajude a implementar políticas de Estado a favor de Portugal e do seu desenvolvimento soberano.

Isso passa pela ruptura com a política do Euro, passa por ter seu próprio Banco Central e emitir sua própria moeda.

Uma saída patriótica que, ao mesmo tempo em que rejeita as visões dos nacionalismos reacionários, afirma a soberania e a necessidade de cooperação entre Estados Soberanos, Estados iguais em direito, que busquem uma cooperação mutuamente vantajosa e não uma submissão neocolonial, que hoje é do que se trata quando se fala em União Europeia.

A saída que propomos é patriótica mas também de esquerda.  Uma saída que valoriza os direitos dos trabalhadores, os direitos sociais, as funções sociais do estado, que através do controle dos setores estratégicos alavanque as ferramentas de desenvolvimento.

Esta saída patriótica e de esquerda deve estar alicerçada na organização das massas populares, na construção de uma consciência de classe, ou seja, a questão de classe não se dissocia da matriz ideológica deste projeto, cujo objetivo é a construção de uma Europa dos povos.

O reforço das forças progressistas, o reforço do PCP, o reforço do movimento sindical, do movimento operário, do movimento camponês é, assim, imprescindível para viabilizar a saída patriótica e de esquerda.

Passados 32 anos da integração de Portugal à União Europeia. Qual o balanço que você faz desta experiência?

É um balanço desastroso. São muitos os dados que o demonstram. Um exemplo: Portugal, depois dos avanços na sua produção agrícola após a revolução, tem hoje na balança comercial um déficit de 4 bilhões de euros em produtos agro alimentares.

Em 30 anos de integração europeia perdemos mais de 400 mil explorações agrícolas e quase 600 mil postos de trabalho no campo.

Portugal, que tem um dos maiores espaços marítimos do mundo, passou, neste período, de 12.000 para 4.000 embarcações pesqueiras. Fechamos portos e estaleiros, perdendo um capital humano e tecnológico gigantesco. Hoje Portugal não tem sequer marinha Mercante! São empresas estrangeiras do norte da Europa que fazem o transporte das cargas comerciais para Portugal.

O desencanto com as políticas da União Europeia, que na verdade é também o desencanto com as promessas do neoliberalismo, produz fenômenos contraditórios. Qual sua opinião sobre o que está acontecendo na França, com a chamada revolta dos coletes amarelos?

O problema destes movimentos ditos espontâneos é justamente a possibilidade da apropriação de suas pautas por forças reacionárias. A extrema-direita não cresce na Europa nem em alguma parte do mundo sem se apropriar de sentimentos legítimos e justos das populações. Existe uma manipulação demagógica das consequências que resultam das próprias políticas de direita e que a extrema-direita não rejeita.

A história o demonstra e é muito útil resgatar a trajetória do movimento fascista dos anos 20 do século passado para perceber que há muitos pontos de contato com o que está se passando hoje. A utilização das mentiras, hoje chamadas fake news, naquela época já era um recurso muito usado mas sem a rapidez de disseminação e a capacidade de alcance que se ampliou demais.

Mas não nos basta dizer que existe um problema, é preciso intervir sobre ele e mudar o rumo, promovendo a elevação das consciências, para que o trabalhador possa identificar as causas reais que estão por trás dos aumentos de impostos, do desemprego, dos baixos salários, da precarização.

Isso coloca enormes desafios ao movimento comunista, ao movimento sindical, o que exige o reforço da organização dos trabalhadores, o reforço de sua intervenção organizada, pois é a partir da luta dos trabalhadores que a consciência de classe aumenta e se fortalece.

Notas

1 – Troika – O tripé que comanda a política Econômica da União Europeia: Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia.

2 – Valores de Abril – Referência aos valores da Revolução dos Cravos, em abril de 1974, que derrubou uma ditadura fascista que já durava 48 anos.

Fonte: Portal Vermelho

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