Nossa América perante o ataque do imperialismo e das oligarquias
Declaração do Ministério das Relações Exteriores da República de Cuba publicada no dia 3 de novembro. Leia abaixo.
Os eventos mais recentes da região confirmam o governo dos Estados Unidos e as oligarquias reacionárias como os principais responsáveis pela perigosa agitação e instabilidade política e social da América Latina e do Caribe.
Conforme advertiu em 1º de janeiro de 2019, o primeiro secretário do Partido Comunista de Cuba, general-de-exército Raúl Castro Ruz: “Os que estão entusiasmados com a restauração do domínio imperialista em nossa região devem entender que a América Latina e o Caribe mudaram e o mundo também (…) A região se assemelha a uma pradaria em tempos de seca. Uma faísca pode gerar um incêndio incontrolável que prejudicaria os interesses nacionais de todos”.
O presidente Donald Trump proclamou a validade da Doutrina Monroe e apela ao macartismo para preservar o domínio imperialista sobre os recursos naturais da região, impedir o exercício da soberania nacional e as aspirações à integração e cooperação regionais; tentar restabelecer sua hegemonia unipolar em escala global e hemisférica; eliminar modelos progressivos, revolucionários e alternativos ao capitalismo selvagem; reverter as conquistas políticas e sociais e impor modelos neoliberais, sem se importar com o Direito Internacional, com as regras do jogo da democracia representativa, o meio ambiente ou o bem-estar dos povos.
Na segunda-feira, 2 de dezembro, o secretário de Estado Mike Pompeo acusou Cuba e Venezuela, ameaçadoramente, de tirar proveito e ajudar a aumentar a turbulência nos países da região. Deturpa e manipula a realidade e oculta, como elemento central da instabilidade regional, a intervenção permanente dos Estados Unidos na América Latina e no Caribe.
Os protestos legítimos e as massivas mobilizações populares registradas no continente, particularmente no Estado Plurinacional da Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e o Brasil, são causadas pela pobreza e pela crescente desigualdade na distribuição da riqueza; a certeza de que as fórmulas neoliberais agravam a situação exclusiva e insustentável de vulnerabilidade social; a ausência ou precariedade dos serviços de saúde, educação e previdência social; os abusos contra a dignidade humana; o desemprego e a restrição dos direitos trabalhistas; a privatização, aumento do custo e cancelamento de serviços públicos e o aumento da insegurança cidadã.
Esses fatos revelam a crise dos sistemas políticos, a falta de verdadeira democracia, o descrédito dos partidos conservadores tradicionais, o protesto contra a corrupção histórica típica das ditaduras militares e governos da direita, o apoio popular insuficiente às autoridades oficiais, a desconfiança nas instituições e no sistema de justiça.
Eles também protestam contra a repressão policial brutal, a militarização desta última sob o pretexto de proteger a infraestrutura crítica, a isenção de responsabilidade criminal dos repressores; o uso de armas de guerra e equipamentos antimotins que causam mortes e ferimentos graves, incluindo centenas de jovens com lesões oculares irreversíveis pelo uso de bolas de chumbo; a criminalização das manifestações; os estupros, espancamentos e violência contra os detentos, incluindo menores; e até o assassinato de líderes sociais, guerrilheiros desmobilizados e jornalistas.
Os Estados Unidos defendem e apoiam a repressão contra manifestantes sob o pretexto de salvaguardar a suposta “ordem democrática”. O silêncio disfarçado de vários governos, instituições e personalidades muito ativas e críticas contra a esquerda é uma vergonha. A cumplicidade da grande mídia corporativa é vergonhosa.
Os povos se perguntam com razão onde está a democracia e o estado de direito; o que fazem as instituições supostamente dedicadas à proteção dos direitos humanos; onde está o sistema de justiça cuja independência é proclamada?
Vamos revisar alguns fatos. Em março de 2015, o presidente Barack Obama assinou uma Ordem Executiva incomum declarando a República Bolivariana da Venezuela “uma ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, a economia e a política externa” da grande potência. Em novembro de 2015, ocorreu a onerosa derrota eleitoral da esquerda na Argentina.
A ofensiva neoliberal teve um momento decisivo, em agosto de 2016, com o golpe parlamentar-judicial no Brasil contra a presidenta Dilma Rousseff, a criminalização e prisão dos líderes do Partido dos Trabalhadores e, posteriormente, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a participação precoce do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, por meio da Lei de Práticas Corruptas no Exterior, para instalar um governo dependente, disposto a reverter importantes conquistas sociais por meio de ajustes neoliberais, a mudança desastrosa do modelo de desenvolvimento, para permitir a destruição da empresa nacional e a privatização e pilhagem; a venda barata dos recursos e infraestrutura do país às transnacionais dos EUA.
No final de 2017, houve um protesto em Honduras contra o resultado eleitoral e sua terrível repressão.
Em janeiro de 2018, os Estados Unidos fazem abortar a assinatura de um acordo entre o governo venezuelano e a oposição manipulada a partir de Washington. Um mês depois, o secretário de Estado proclama a validade da Doutrina Monroe e conclama a um golpe militar contra a Revolução Bolivariana e Chavista.
Em março de 2018, ocorreu o atroz assassinato da vereadora brasileira Marielle Franco, que provocou uma onda de indignação em seu país e no mundo e do qual as implicações sombrias dos grupos de poder permanecem ocultas. Em abril, Lula é preso por meio de manobras legais espúrias. Existem evidências abundantes da intervenção dos Estados Unidos nas eleições brasileiras, por meio de empresas especializadas que usam tecnologias de big data e polimetria para manipular individualmente a vontade dos eleitores, como aquelas gerenciadas pelo ultrarreacionário Steve Bannon e outros israelenses.
Nesse período, são abertos processos judiciais contra os ex-presidentes Cristina Fernández de Kirchner e Rafael Correa. Em abril de 2018, tentam desestabilizar a Nicarágua por meio de interferência externa e aplicação de medidas coercitivas unilaterais.
Em 4 de agosto de 2018, é a tentativa de assassinato contra o presidente Nicolás Maduro Moros. Em janeiro de 2019, ocorre a autoproclamação do desconhecido e corrupto Juan Guaidó, organizada em Washington. Em março de 2019, o presidente Trump renova a Ordem Executiva que considera a Venezuela uma ameaça. Em 30 de abril, é a tentativa de golpe militar em Caracas que falha de maneira retumbante, e os Estados Unidos, vingativamente, escalam em sua guerra não convencional contra a nação sul-americana que resiste tenaz e heroicamente com a união cívico-militar de seu povo.
Durante este período, o governo dos EUA aplica políticas selvagens contra os imigrantes e um comportamento agressivo e odioso para alimentar o medo e a divisão nos eleitores. Tenta erguer o muro xenofóbico na fronteira com o México, ameaça este país e a América Central com a aplicação de tarifas e sanções terríveis, se não impedirem os que fogem da pobreza e insegurança, e multiplica as deportações. Cruelmente separa milhares de crianças de seus pais, prendeu 69 mil crianças e tenta expulsar os filhos de imigrantes nascidos e criados em território norte-americano.
Mostrando subordinação vergonhosa aos Estados Unidos, o governo brasileiro de extrema-direita liderado por Jair Bolsonaro recorreu à mentira, ao discurso xenofóbico, racista, misógino e homofóbico, combinado com projeções delirantes sobre fenômenos sociais e políticos como a mudança climática, as populações nativas, os incêndios na Amazônia e a emigração, que geraram o repúdio de inúmeros líderes e organizações. Na gestão do governo, as políticas sociais que levaram o Brasil durante os governos do Partido dos Trabalhadores a reduzir significativamente os níveis de pobreza e exclusão social foram desmanteladas.
Desde maio de 2019, dezenas de milhares de manifestantes foram às ruas para protestar contra os cortes na educação, as reformas no sistema de pensões, as políticas discriminatórias e a violência de gênero.
O governo brasileiro interveio nos assuntos internos de países vizinhos, como Venezuela, Argentina, Paraguai e Uruguai, e assumiu posições hostis em relação a Cuba, violando o Direito Internacional. Como a imprensa brasileira publicou em abril de 2019, o Ministério das Relações Exteriores emitiu instruções a 15 das suas embaixadas para coordenar com os Estados Unidos a instar os governos beneficiários a condenarem Cuba em fóruns internacionais.
Pela primeira vez desde 1992, o Brasil votou neste ano contra, apenas acompanhado pelos Estados Unidos e Israel, a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas que pede o fim do bloqueio econômico, comercial e financeiro, que agora os Estados Unidos endurecem contra Cuba e a cessação da aplicação extraterritorial de suas leis contra Estados terceiros.
Ao mesmo tempo, o governo colombiano absteve-se na votação da resolução que apoiou desde 1992 a qual exige, no momento em que está sendo intensificado, a cessação do bloqueio genocida dos Estados Unidos contra Cuba e seu alcance extraterritorial. Para justificar essa decisão censurável, as autoridades daquele país recorreram à manipulação ingrata e motivada politicamente da contribuição altruísta, consagrada, discreta e indiscutível de Cuba para a paz na Colômbia, questão em que a conduta de nosso país é universalmente reconhecida. É conhecido o amplo e crítico debate que esse evento gerou naquela nação, mas, apesar de tudo, continuaremos acompanhando seus esforços para alcançar a paz.
A difamação norte-americana de atribuir a Cuba supostas responsabilidades na organização de mobilizações populares contra o neoliberalismo na América do Sul constitui uma desculpa incrível para justificar e reforçar o bloqueio e a política hostil contra nosso povo. Da mesma forma, é inútil ocultar o fracasso do sistema capitalista, proteger governos instáveis e repressivos, ocultar golpes parlamentares, judiciais e policiais; e sacudir o fantasma do socialismo para intimidar as pessoas. Com isso, também quer justificar a repressão e a criminalização dos protestos sociais.
A única responsabilidade de Cuba é aquela que emana do exemplo que seu povo heroico deu na defesa de sua soberania, na resistência às agressões mais brutais e sistemáticas, na prática invariável de solidariedade e a cooperação com as nações irmãs da América Latina e Caribe.
Dói ao imperialismo que Cuba tenha mostrado que existe outro mundo possível e que um modelo alternativo ao neoliberalismo pode ser construído, baseado na solidariedade, cooperação, dignidade, na justa distribuição de renda, acesso igual ao progresso profissional, à segurança e proteção dos cidadãos e à plena libertação dos seres humanos.
A Revolução Cubana também é uma evidência de que um povo estreitamente unido, dono de seu país e de suas instituições, em permanente e profunda democracia, pode resistir vitoriosamente e avançar em seu desenvolvimento, diante das maiores agressões e bloqueios da história.
O golpe de Estado na Bolívia, orquestrado pelos Estados Unidos, usando a OEA e a oligarquia local como instrumento, é uma demonstração da agressividade da ofensiva imperialista. Cuba reitera sua condenação ao golpe, à brutal repressão desencadeada e expressa sua solidariedade ao companheiro Evo Morales Ayma e ao povo boliviano.
Enquanto o governo dos EUA continua sua guerra não convencional para tentar derrubar o governo legitimamente constituído do presidente Nicolás Maduro Moros e invoca o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), Cuba ratifica a vontade inabalável de manter a cooperação com o governo e o povo venezuelanos.
Ao governo sandinista e ao povo da Nicarágua, liderado pelo presidente Daniel Ortega, que enfrenta tentativas de desestabilização e medidas coercitivas unilaterais dos EUA, reiteramos nossa solidariedade.
O governo legítimo da Comunidade da Dominica e seu primeiro-ministro Roosevelt Skerrit merecem a solidariedade internacional e já têm a do povo cubano, numa época em que a Ilha é vítima da interferência externa que já causou violência e tem como objetivo frustrar o processo eleitoral.
Nesse cenário complexo, o governo de Andrés Manuel López Obrador, no México, enfrenta o neoliberalismo e defende os princípios de não intervenção e de respeito à soberania, enquanto a eleição de Alberto Fernández e Cristina Fernández como presidente e vice-presidenta na Argentina expressam a rejeição inequívoca dessa nação às fórmulas neoliberais que empobreceram, endividaram e danificaram seriamente seu povo. A libertação de Lula é um triunfo dos povos, e Cuba reitera seu apelo à mobilização mundial pela reivindicação de sua plena liberdade, a restituição de sua inocência e seus direitos políticos.
A corrupção que caracteriza o comportamento do atual governo dos Estados Unidos já é inquestionável. Seu impacto sobre os povos da América Latina e do Caribe tem um custo em vidas, sofrimento, instabilidade e danos econômicos.
Na dramática conjuntura que atravessa a região e o mundo, Cuba reafirma os princípios de soberania, não intervenção nos assuntos internos de outros Estados e o direito de cada povo de escolher e construir livremente seu sistema político, em um ambiente de paz, estabilidade e justiça; sem ameaças, agressões ou medidas coercitivas unilaterais e apela ao cumprimento dos postulados da Proclamação da América Latina e do Caribe como Zona de Paz.
Cuba continuará trabalhando no caminho da integração de Nossa América, que inclui a realização de todos os esforços para que a Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe (Celac), presidida em breve pelo México, continue promovendo os interesses comuns de nossas nações, fortalecendo a unidade dentro da diversidade.
Diante do ataque implacável das forças mais reacionárias do hemisfério, Cuba opõe a resistência inabalável de seu povo, juntamente com a vontade de defender a unidade da nação, suas conquistas sociais, sua soberania e independência e o socialismo ao preço necessário. Fazemo-lo com otimismo e confiança inabalável na vitória que nos legou o Comandante-em-chefe da Revolução Cubana, Fidel Castro Ruz, com a condução do primeiro secretário do nosso Partido, o general-de-exército Raúl Castro e a liderança do presidente Miguel Díaz-Canel.
Havana, 3 de dezembro de 2019.