ONU divulga relatório sobre empresas ligadas às colônias israelenses e seu impacto sobre os direitos dos palestinos
Após quatro anos de espera, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos libera nesta quarta-feira (12) um relatório sobre as empresas ligadas às colônias israelenses em território ocupado da Palestina, listadas numa base de dados. Sua publicação é mais uma conquista dos palestinos e entidades solidárias no incansável trabalho no âmbito de organizações internacionais que lhes devem respaldo na luta pelo fim da ocupação militar e colonização israelense.
Por Moara Crivelente*
O título do relatório é preciso: “Base de dados de todos os empreendimentos comerciais envolvidos nas atividades detalhadas no parágrafo 96 da Missão Internacional Independente de Inquérito para investigar as implicações das colônias israelenses sobre os direitos políticos, econômicos, sociais e culturais do povo palestino em todo o Território Palestino Ocupado, inclusive Jerusalém Oriental.” O documento, ainda não editado e apenas em inglês, pode ser acessado clicando neste link.
A divulgação da lista havia sido demandada em março de 2016 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU através da resolução 31/36 —adotada por 32 votos favoráveis, nenhum contrário e 15 abstenções— como desdobramento do relatório de 2013 da missão internacional de inquérito referida no título do novo informe. A resolução listou 10 atividades específicas com base no relatório da missão.
Desde então, em sessões do Conselho de Direitos Humanos, representantes da entidade chegaram a explicar que a lista não fora divulgada ainda para dar chance às empresas de se explicar ou mudar sua conduta. Num informe preliminar de 2018, o Alto Comissariado informou que havia revisado informações disponíveis ao público ou recebidas de diversas fontes, identificando mais de 300 companhias, das quais 206 foram listadas para um escrutínio aprofundado. A medida tem base no corrente debate sobre a responsabilidade de empresas e do comércio internacional em situações de ocupação e colonização e de violações de direitos humanos.
O relatório divulgado nesta quarta identifica 112 empresas e entidades comerciais envolvidas em uma ou mais das atividades especificadas pela resolução 31/36 —94 delas são registradas em Israel e 18 delas, em seis outros países. Entre as empresas internacionais estão plataformas turísticas, grandes companhias de tecnologia e muitas outras, inclusive de infraestrutura e construção. Afinal, para erguer, manter e desenvolver mais de 100 comunidades —algumas já com status de cidades— com cerca de 600 mil habitantes e aparatos de separação da população palestina, inclusive transportes e estradas exclusivas para colonos, mas também pólos tecnológicos e de produção que compõem a propaganda sobre Israel como país avançado e moderno, é preciso uma grande diversidade de provedores.
Os Estados Unidos e Israel buscaram evitar a publicação da lista classificando o empenho como uma amostra de um suposto enviesamento do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, denominando a base de dados uma “lista negra”. Outros denominam a medida uma de “apontar e envergonhar”, ou expor, todos os envolvidos nas políticas denunciadas.
É possível também que com o anúncio do tão alardeado plano do governo de Donald Trump para a criação de uma entidade política desprovida de soberania, despojada e guetizada a que chamariam “Estado da Palestina”, unilateral e ilegalmente validando a anexação de território palestino ocupado por Israel, a divulgação da lista tenha sido inevitável. Os EUA e Israel estão praticamente isolados em seu projeto, que tem o apoio de governos servis como o de Jair Bolsonaro, mas a rejeição de tradicionais aliados como a União Europeia, para não falar do óbvio e principal, o rechaço palestino.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu —que não conseguiu formar um governo desde as duas últimas eleições e, submerso num processo por corrupção, espera já pela terceira, a se realizar em 2 de março— aceitou “suspender” a expansão das colônias em território palestino, como demandado por Trump para a implementação do seu projeto.
Entretanto, em nota que acompanha o relatório, a página do Alto Comissariado afirma que a referência às entidades comerciais “não é, nem pretende ser, um processo judicial ou quasi-judicial. Enquanto as colônias são consideradas ilegais sob o direito internacional, este relatório não dá uma caracterização jurídica às atividades em questão, ou ao envolvimento das companhias nelas.” Eventuais passos adiante, continua, “serão uma questão para os Estados Membros do Conselho de Direitos Humanos, que terá o informe em consideração na próxima sessão do Conselho, a se iniciar em 24 de fevereiro.”
Por isso, embora a divulgação do relatório seja mais uma conquista das autoridades e entidades palestinas e internacionais na defesa dos direitos humanos —assim como a decisão da promotoria do Tribunal Penal Internacional de finalmente abrir um inquérito sobre crimes de guerra cometidos no território ocupado após cinco anos de “exame preliminar”— o que estas vitórias fornecem são instrumentos para a continuidade da luta pelo fim da impunidade do regime israelense e o fim da ocupação militar, do apartheid e da colonização da Palestina.
*Moara Crivelente é doutoranda em Política Internacional e diretora do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (CEBRAPAZ)
Fonte: Cebrapaz