Luta dos povos

PC Colombiano: “Estado oligárquico em xeque”

Em documento divulgado nesta segunda-feira (25), o Partido Comunista Colombiano (PCC) faz uma rica análise do momento político vivido pela Colômbia, fortemente impactado pelas mobilizações de massa desencadeadas a partir do dia 21 de novembro. Para o PCC, “a profunda crise política, social, cultural, humanitária e moral que põe em xeque o Estado oligárquico colombiano é uma manifestação da crise da estrutura de toda a formação econômica e social, e só pode ter uma solução democrática com participação decisiva e independente das maiorias populares em suas definições”. Leia abaixo a íntegra do documento com tradução da redação do i21/Portal Vermelho.

Por uma saída democrática e popular para a crise

Declaração do Comitê Central do Partido Comunista Colombiano

O Comitê Central do Partido Comunista Colombiano, reunido em Bogotá nos dias 22 e 23 de novembro de 2019, fez um exame cuidadoso da situação pós-eleitoral, da atividade da luta popular em curso e da posição do Partido diante das tarefas políticas do momento.

A greve nacional de 21 de novembro

O movimento de protesto, convocado como greve nacional em 21 de novembro, tornou-se uma grande expressão de inconformidade, indignação e rejeição do governo de Iván Duque, de sua política social e seu tratamento da guerra contra as reivindicações dos cidadãos. É uma mobilização social legítima, que mostra um novo espírito de repúdio ao medo e se abre para novos ambientes de luta. Dezenas de milhares de jovens, assalariados, desempregados, estudantes, mulheres e diversidades organizadas, de origens sociais muito diversas, decidiram dar continuidade aos protestos através dos “cacerolazos” (panelaços), marchas, plantões, bloqueios e comícios relâmpagos. Incursões, estigmatização, toque de recolher e ameaças não impediram o protesto.

Milhões de compatriotas concordam em responsabilizar esse governo, o presidente e seu padrinho político, o senador Álvaro Uribe, responsável por conduzir o país para uma variante de “segurança democrática”, que experimenta com a população métodos fascistas de pânico e agressão; insiste em ignorar o Acordo Final de Paz e tentar impor pela força medidas de desapropriação econômica a trabalhadores jovens, novas privatizações, privilégios exclusivos para círculos de capital e total tolerância à corrupção. O surgimento de um processo de protesto cívico com as características do atual revela a profunda crise do “uribismo”, sua baixa credibilidade, em particular sua incapacidade de responder às demandas socioeconômicas da população, seu desprezo pela ética pública, sua responsabilidade em bombardeios atrozes, protegidos pela renúncia explícita a uma política de paz do Estado, seu retorno à guerra e sua ignorância de compromissos com o país e o mundo, em conformidade com o que foi acordado para a paz. Crises humanitárias como crimes do sistema, planejados e executados diariamente contra líderes e lideranças sociais, ex-combatentes e defensores dos direitos humanos, ocorrem diante da total insensibilidade das autoridades, preocupadas em derrubar o governo venezuelano ou em lançar acusações irresponsáveis contra Cuba, dois Estados irmãos, este último, garantidor do acordo de paz com o Farc-EP e cenário generoso do diálogo do governo colombiano com o Exército de Libertação Nacional (ELN).

As explosões sociais no Haiti, Equador, Honduras, Chile, são respostas populares às imposições do modelo neoliberal em crise que, assim como as contra-reformas de Macri na Argentina e de Bolsonaro no Brasil, têm o mesmo selo do FMI. A corajosa resistência do povo boliviano ao golpe denuncia os métodos fascistas e violentos usados pela direita, em seus esforços para fazer do golpe uma contra-revolução.

Na Colômbia, se culpa o Fórum de São Paulo e a esquerda, é atribuído a cidadãos estrangeiros a culpa pela turbulência social, que, intencionalmente, é identificada com os surtos de vandalismo, em muitos casos induzidos pelo desempenho da Esmad (Esquadrão Móvel Anti-Distúrbio) ou de seus funcionários, camuflados e infiltrados com esse objetivo nas marchas.

O governo de costas para o país

A crise social e política se concretiza na negação da existência do “pacotaço”, anunciado há meses, incluído no Plano Nacional de Desenvolvimento e recomendado pela OCDE. Uma reforma trabalhista, uma reforma previdenciária, abandono de qualquer abordagem social na reforma agrária, política universitária comprometida com o financiamento contingente de estudantes e graduados, anúncio do retorno à fumigação com glifosato, novas privatizações sob a figura de uma holding estatal. Sem reconhecer nem um pingo das razões do protesto, Duque propôs uma “conversa” fragmentada, por setores e regiões, dada a sua incapacidade de enfrentar um diálogo social que implica uma mudança de rumo na política, conforme exigido pela cidadania mobilizada. O movimento popular deve exigir que o governo pare de administrar a situação como um problema de segurança pública, com pânico programado pela Polícia e metodologia de guerra. O diálogo deve ser com todas as forças populares que promoveram o movimento, sem exclusões e à margem da Comissão Nacional de Concertación.

Em consequência, o governo deve:

– Garantir o direito à vida de líderes locais, oposição democrática, ex-combatentes, defensores dos direitos humanos, sindicalistas e estudantes;

– Não implementação do estado de comoção, cessar imediatamente a repressão, nenhuma regulamentação do protesto social, desmantelamento do Esmad;

– Libertar todos os detidos e processados e indenizar aqueles que foram vítimas de repressão violenta;

– Assumir o cumprimento dos acordos com os Mingas (1) indígenas, camponesas e populares, o movimento universitário, Fecode, as greves cívicas de Buenaventura e Chocó;

– Suspender a estigmatização contra organizações responsáveis pela greve, forças políticas de oposição ao governo, estrangeiros residentes ou exilados na Colômbia;

– Assumir plenamente o cumprimento dos compromissos institucionais do Estado com o Acordo Final de Paz, restabelecer o diálogo com o ELN.

Em um novo momento da luta popular

A continuidade do movimento implica coletar as demandas de trabalhadores assalariados, setores populares e camadas médias, expressas na mobilização, em um processo de consulta de baixo para cima que inclua dinâmicas assembleias por territórios e setores até a estruturação de uma pauta unitária nacional que seja a bandeira do diálogo nacional com o governo em direção às transformações econômicas sociais, políticas, culturais e institucionais de que o país precisa. Juntamente com esta bandeira, deve convocar-se a manter a dinâmica do protesto, da organização e do acúmulo de forças em direção a uma greve cívica nacional no caso do governo se recusar a ouvir e dar andamento às demandas do processo de consulta democrática pela base.

Manifestantes em vigília por Dilan Cruz, jovem ativista morto no sábado (23) com um tiro na cabeça pelas forças de segurança / Foto: Raul Arboleda – AFP

Rumo a um projeto democrático popular transformador

A profunda crise política, social, cultural, humanitária e moral que põe em xeque o Estado oligárquico colombiano é uma manifestação da crise da estrutura de toda a formação econômica e social, e só pode ter uma solução democrática com participação decisiva e independente das maiorias populares em suas definições. Uma saída democrática exigirá mudanças nos meios de poder, em particular um governo de ampla coalizão popular, que defenda os elementos básicos de um projeto democrático popular nacional, na perspectiva de profundas transformações sociais.

Os resultados das eleições locais de 27 de outubro mostraram um voto-castigo para o partido no poder e um avanço nas correntes de oposição expressas em candidaturas por firmas (2) ou reagrupadas em coalizões e listas unitárias. A política de convergências e frente ampla avançou com o acordo União Humana – Patriótica da Colômbia, com Mais, Farc, Polo, Verdes, Congresso dos Povos e independentes, em relação a situações regionais. Nesse contexto, UP, PCC e JUCO obtiveram avanços políticos, ampliaram o leque de ações de massa e trabalharam para melhorar a formação política e o treinamento de jovens ativistas. A VOZ abriu suas páginas para as regiões e para a pluralidade de opiniões em convergência. Devemos persistir com inteligência, flexibilidade, amplitude e senso estratégico na linha de alianças, em todos os campos da ação política e de massa. A unidade dos comunistas e de outras forças da esquerda avançada rumo a um bloco popular alternativo é mais necessária do que nunca e reafirmamos nossa disposição de continuar trabalhando nessa direção.

Mantemos erguida a bandeira da solução política para a paz

A solução política, cuja coluna principal é o Acordo Final de Paz e a luta por sua implementação, é um processo prolongado, caracterizado pelo confronto com os beneficiários da guerra, entrincheirados no poder do Estado. Não há substituto para o caminho da solução política, do diálogo e da busca de acordos. Consequentemente, as conversas com o ELN devem ser retomadas, no ponto em que avançaram, iniciá-las com o EPL e não fechar as portas. Saudamos o terceiro aniversário da assinatura do Acordo Final de Paz. Com esse motivo, reiteramos o significado histórico desse evento que abriu o caminho para o fim da guerra, para a perspectiva de cessação da perseguição política, para a abertura de mudanças democráticas, a verdade, a justiça, a reparação das vítimas e garantias de não repetição, juntamente com a justiça social, para tomar medidas para superar as desigualdades. Reafirmando o cumprimento necessário do acordo, exigimos o repatriamento de Simón Trinidad e a liberdade de todos os presos políticos sociais.

Comitê Central do Partido Comunista da Colômbia

 Notas

1 – Mingas – Marchas indígenas que em 2008 obrigaram o governo a firmar uma série de acordos que jamais foram cumpridos

2 – Candidaturas por firmas – Candidaturas independentes que se viabilizam através do recolhimento de determinando número de assinaturas em favor da candidatura

 

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