Súmula Internacional 39 – A vitória de Erdogan e a geopolítica
Leia também: Lula impulsiona integração da América do Sul e mídia faz beicinho / Arábia Saudita estaria negociando entrada no banco dos BRICS / Direita vence pleitos regionais e governo antecipa eleições gerais na Espanha
O presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, conquistou a reeleição, neste domingo (28), ao vencer o segundo turno contra Kemal Kilicdaroglu, por 52,2% dos votos contra 47,8%. Foi uma disputa acirrada que polarizou a nação turca e interessava diretamente a diversos atores internacionais. Qual o significado da vitória de Erdogan para o povo da Turquia e para a cena política internacional conflagrada em que vivemos? O ideal, do ponto de vista das forças avançadas da Turquia, seria a existência de uma alternativa real de esquerda e anti-imperialista que disputasse o poder, o que não estava posto. Mas como não podemos fazer análises baseadas em cenários abstratos, nos resta ver o que existia de realidade concreta. De um lado, tínhamos um candidato oposicionista de centro, Kemal Kilicdaroglu, que durante a campanha fez juras de fidelidade à Otan, inclusive avisando que, se fosse vencedor, iria “lembrar à Rússia que a Turquia é parte da Otan”. Do outro lado, um nacionalista de direita, Tayyip Erdogan, que busca para seu país mais independência de movimentos, evitando alinhamentos automáticos, aproximando-se de Rússia e China (a Turquia, por exemplo, faz parte da Iniciativa um Cinturão e uma Rota).
A vitória de Erdogan e a geopolítica II
Em julho de 2016 Tayyip Erdogan sofreu uma tentativa de golpe de Estado que, segundo acusações do governo, teria como líder político um turco que vive em exílio voluntário nos EUA, o clérigo muçulmano Fethullah Gülen. Comenta-se que Vladimir Putin, avisado pela inteligência russa das movimentações golpistas em parte das Forças Armadas turcas, ligou para alertar Erdogan que, assim, pôde agir a tempo e debelar o golpe. Sendo ou não verdade esta versão, dois fatos chamam a atenção: 1º – derrotada a intentona, a Turquia exigiu dos EUA a deportação de Fethullah Gülen, o que jamais foi feito; 2º – apenas 26 dias depois da tentativa de golpe, Erdogan volta a fazer uma viagem internacional e vai em primeiro lugar a Moscou onde agradece ao presidente russo pelo apoio contra a insurreição, o que foi amplamente noticiado na época. A partir daí, a Turquia vem aprofundando uma diretiva que une pragmatismo e equilíbrio. Na atual crise desencadeada pela Operação Especial Militar russa na Ucrânia, a Turquia não se perfilou ao lado da demonização da Federação Russa, condenou as sanções como infrutíferas e ao mesmo tempo retomou contato com a Síria visando o restabelecimento de relações diplomáticas, o que provocou críticas de Washington.
A vitória de Erdogan e a geopolítica III
Nestas eleições, os EUA claramente trabalharam pela vitória de Kilicdaroglu, o que provocou reações fortes. No último dia 19 de abril, o Ministro do Interior Turco, Suleyman Soylu, disse simplesmente que a hegemonia ocidental não existe mais, que Washington está perdendo credibilidade global e que “o mundo inteiro odeia os Estados Unidos”. Estas fortes declarações não foram desmentidas ou suavizadas por pronunciamentos posteriores como costuma acontecer nestes casos. Durante o processo eleitoral, este mesmo ministro declarou à rede CNN Turk que “os EUA estão interferindo nesta eleição contra Erdogan […]. Todos já sabem disso neste país, o próprio presidente dos Estados Unidos está declarando isso. O sr. Biden ativou seu pessoal na Turquia nos últimos dias”. Desta feita, não só não houve desmentido como o próprio Erdogan reforçou a acusação no dia seguinte. Uma leitura sobre a vitória de Erdogan na mídia hegemônica em geral revela, ao cabo, um diagnóstico: venceu a autocracia. Caso houvesse uma vitória de Kemal Kilicdaroglu esta fulgurante palavra, “autocracia”, teria simplesmente sumido dos textos e em um passe de mágica a Turquia passaria de “autocracia” para “democracia”, relevando a superficialidade de um rótulo que é usado pela mídia ligada ao imperialismo somente de acordo com conveniências políticas. Enfim, diante das alternativas postas, a vitória de Erdogan é uma boa notícia, pois tudo que ajude a dividir, erodir e, portanto, enfraquecer a influência do imperialismo é uma boa notícia para os povos do mundo que lutam por soberania e desenvolvimento com justiça social.
Lula impulsiona integração da América do Sul e mídia faz beicinho
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, chegou na noite deste domingo à cidade de Brasília em visita oficial, a convite do seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Ambas as nações restabelecem suas relações bilaterais e diplomáticas e Nicolás Maduro participará da cúpula de presidentes sul-americanos convocada por iniciativa do presidente brasileiro, que ocorrerá nesta terça-feira (30). Mostrando o prestígio internacional da política externa do governo Lula, com exceção de Dina Boluarte, do Peru, que alegou problemas internos, todos os outros 11 líderes da região confirmaram presença na capital brasileira, onde serão discutidas formas de acelerar e dar solidez ao processo de integração solidária da América Latina, a começar pelo Cone Sul. Lula estabilizou as relações com um país vizinho importante, a Venezuela e convidou indistintamente, para a cúpula, todos os presidentes da região, sem qualquer discriminação política, mas a mídia hegemônica brasileira quer, como diz o povo, “botar gosto ruim” neste que se anuncia como mais um êxito diplomático de Lula. Esta mesma mídia hegemônica, que nunca é demais recordar, apoiou entusiasticamente a ditadura militar, qualifica o presidente eleito da Venezuela, Nicolás Maduro, de ditador, e tenta de todas as maneiras desviar o foco do que realmente interessa. A Folha de S. Paulo, na edição desta segunda-feira (29), ao noticiar o encontro, publica uma seção intitulada simplesmente: “Líderes e regimes autoritários dos quais governo Lula foi próximo”. Além dos muito duvidosos critérios com os quais a Folha decide quem é autoritário ou não, fica claro que o jornal adere ao mesmo tom panfletário que vem marcando suas últimas décadas de existência, não por acaso, assinaladas também por uma visível decadência de público e influência. Enquanto isso, as oportunidades econômicas que surgem com uma maior integração econômica e política dos países da região podem ajudar a combater a pobreza e as marcantes desigualdades que afetam milhões de pessoas na América do Sul, causa, ao que parece, pouco importante para uma mídia hegemônica brasileira com acentuada mentalidade colonial.
Arábia Saudita estaria negociando entrada no banco dos BRICS
Os diretores do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) —mais conhecido como banco dos BRICS— estão conversando com autoridades da Arábia Saudita para admitir este país como seu décimo membro, segundo o jornal britânico Financial Times. Essa incorporação fortaleceria as opções de financiamento do NDB e os laços entre Riad e o Banco, criado pelo grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) como alternativa às instituições ocidentais de Bretton Woods, como o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). “No Oriente Médio, atribuímos grande importância ao Reino da Arábia Saudita e atualmente mantemos um diálogo qualificado com ele“, disse o Novo Banco de Desenvolvimento ao The Financial Times. As negociações com o segundo maior produtor de petróleo do mundo acontecem no momento em que o NDB, liderado pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, avalia novas opções de financiamento, que serão discutidas na próxima reunião anual do banco, nos dias 30 e 31 de maio, em Xangai, na China. O NDB foi criado em 2015 pelos países do BRICS com o objetivo de mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em economias de mercado emergentes e países em desenvolvimento. Informações da Sputnik News.
Direita vence pleitos regionais e governo antecipa eleições gerais na Espanha
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, disse nesta segunda-feira que dissolverá o parlamento e que o país realizará uma eleição geral antecipada – originalmente marcada para dezembro – em 23 de julho, após os resultados das eleições locais deste domingo. “Tomei a decisão ao ver os resultados das eleições de ontem“, disse Sanchez à nação em um discurso televisionado. O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) de Sánchez e seus aliados perderam terreno durante as eleições regionais, enquanto o conservador Partido Popular e o partido de extrema-direita Vox avançaram. O partido do governo obteve 28% dos votos, frente aos 31% dos conservadores do PP. O Vox conquistou 7%, contra 5% das últimas eleições. “Embora as eleições de ontem tenham tido um alcance local e regional, o significado do voto transmite uma mensagem que vai além disso. É por isso que, enquanto primeiro-ministro e secretário-geral do PSOE, assumo pessoalmente os resultados“. A inesperada decisão de Sanchez parece querer evitar que os conservadores e a extrema-direita tenham tempo de consolidar ou potencializar a vantagem a partir dos novos polos de poder local que passaram a hegemonizar. Uma jogada arriscada que será testada em pouco tempo em meio a uma crise europeia que vai se agudizando. Pedro Sanchez já anunciou que concorrerá na nova eleição.
Por Wevergton Brito Lima
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