Súmula Internacional 41 – Em meio ao latido enfurecido da mídia, avança a integração sul-americana
Leia também: Inteligência Artificial – Os perigos são reais e a esquerda deve despertar para o assunto / Acordo Biden-McCarthy traz más notícias para os pobres / Polônia cria tribunal de exceção.
Certa vez, em Quito, escutei um veterano dirigente da Revolução Cidadã dizer o seguinte: “à medida em que o submarino mergulha em águas profundas, a pressão atinge níveis altíssimos (…)”, referindo-se aos ataques que as forças progressistas sofrem sempre que aprofundam as mudanças em favor da soberania nacional e do povo. Lembrei desta frase ao ouvir os latidos uníssonos da nossa mídia hegemônica – que se comporta como cão de guarda de interesses exógenos – tentando abafar o significado histórico da Cúpula realizada em Brasília, nesta terça-feira (30), com os líderes dos 12 países da América do Sul. Ao mesmo tempo em que não devemos ignorar estes rosnados (afinal, este cão já provou que ladra e morde), não podemos cair na armadilha reacionária e deixar que os ruídos sejam mais altos que as boas notícias. Vamos a elas.
Encontro prova prestígio de Lula e recuperação diplomática do Brasil
A Cúpula entre chefes de governo dos países da América do Sul realizada nesta terça-feira só pôde acontecer graças a existência de uma liderança internacional com grande prestígio. Compareceram 11 dos 12 presidentes da região e o Peru foi representando pelo chefe do Conselho de Ministros, ou seja, todos os 12 países estiveram presentes. Alguém imagina algo semelhante conduzido por Michel Temer ou, pior ainda, Bolsonaro? Ao assumir a chancelaria brasileira, o Ministro Mauro Vieira, em seu discurso de posse apontou para o difícil desafio que tinha pela frente: a reconstrução da reputação internacional do Brasil, destruída por Bolsonaro. Pois sob a liderança de Lula, em espantosos 5 meses, tal meta foi quase integralmente atingida. O encontro produziu um documento avançado, o Consenso de Brasília, que será a partir de agora um valioso instrumento a impulsionar o processo de integração latino-americana.
O que diz o Consenso de Brasília?
Reafirma a “visão comum de que a América do Sul constitui uma região de paz e cooperação, baseada no diálogo e no respeito à diversidade dos nossos povos, comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social”. Concordam, os signatários, “que a integração regional deve ser parte das soluções para enfrentar os desafios compartilhados da construção de um mundo pacífico”. Deve-se “impulsionar o processo de integração da América do Sul e projetar a voz da região no mundo”. Leiam a íntegra em Consenso de Brasília.
O relançamento da Unasul e a importância do Encontro
Mesmo em relação ao relançamento da Unasul, dos 12 líderes presentes apenas um mostrou oposição frontal: o presidente do Uruguai, o direitista Luis Lacalle Pou. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, concorda com o relançamento, mas propõe um novo nome e ressaltou a importância da Cúpula organizada pelo Brasil: “Sem dúvida, a América Latina precisa estar unida, ser uma voz unificada, porque tem um grande potencial, tem em suas mãos, em seu próprio território, várias das soluções mais importantes à crise integral que a humanidade vive hoje. Esta reunião deve esclarecer esse papel”. Todos foram unânimes em valorizar o encontro, inclusive o presidente do Equador, o neoliberal Guillermo Lasso, que considerou a cúpula “importante para o futuro da América do Sul”. De fato, para usar as palavras do presidente Lula, na abertura do evento, o Consenso de Brasília aponta para “uma América do Sul forte, confiante e politicamente organizada (que) amplia as possibilidades de afirmar, no plano internacional, uma verdadeira identidade latino-americana e caribenha”. Veja a lista dos doze países e seus representantes: Argentina (presidente Alberto Fernández), Bolívia (presidente Luis Arce), Brasil (presidente Lula), Chile (presidente Gabriel Boric), Colômbia (presidente Gustavo Petro), Equador (presidente Guillermo Lasso), Guiana (presidente Irfaan Ali), Paraguai (presidente Abdo Benítez), Peru (Alberto Otárola, chefe do Conselho de Ministros), Suriname (presidente Chan Santokhi), Uruguai (presidente Luis Lacalle Pou), Venezuela (presidente Nicolás Maduro).
Os Parafusos Soltos
Não se pode deixar de valorizar também a postura do presidente venezuelano Nicolás Maduro. Líder de um povo que enfrenta centenas de sansões internacionais e bloqueios de recursos, Maduro, desde que pisou em solo brasileiro sofreu toda sorte de ataques ferozes e injustos. Mas, durante a Cúpula, fez uma fala destituída de raiva, altiva e serena, de quem sabe que está do lado certo da história, abordando a essência da questão em jogo, a retomada do processo de integração: “Não temos problema em sentar, conversar e falar francamente com nenhuma força política, com nenhum presidente, com nenhuma corrente. Um diálogo respeitoso, tolerante e de união na diversidade“, disse Maduro. Quanto às divergências minoritárias e laterais que foram livremente expressas no encontro – inclusive partindo de um presidente do campo progressista – e que são instrumentalizadas repetidamente pelos inimigos do Brasil e amigos do imperialismo, menciono a parte final da analogia sobre o submarino do camarada equatoriano citado na primeira nota: “(…) e com o nível da pressão aumentando, alguns parafusos soltos ameaçam a integridade do casco, colocando todo o submarino em perigo. O povo deve estar vigilante para apertar estes parafusos… ou substituí-los”.
Inteligência Artificial: Os perigos são reais e a esquerda deve despertar para o assunto
Nesta terça-feira foi publicado um texto sucinto assinado até agora por mais de 350 executivos, pesquisadores e engenheiros que trabalham com inteligência artificial – incluindo o CEO da OpenAI, a empresa criadora do ChatGPT. Segue: “Mitigar o risco de extinção causada por IA deve ser uma prioridade global, juntamente com outros riscos em escala social, como pandemias e guerra nuclear”. O jornal britânico The Guardian noticiou assim a iniciativa: “Risco de extinção por IA deve ser prioridade global, dizem especialistas”. Extinção da humanidade, causada por IA? Não seria um exagero? Este mês, o homem frequentemente apontado como um dos pais da IA – Geoffrey Hinton, também signatário – deixou o Google citando o “risco existencial” que a IA representava e declarando que estava arrependido de ter contribuído com sua criação. Na semana passada, a Microsoft (!) pediu ao governo dos EUA que regulamente o que ela e outras grandes empresas de tecnologia estão fazendo em termos de inteligência artificial. Percebam o seguinte: empresas como a Microsoft gastam centenas de milhões de dólares com lobistas justamente para EVITAR que governos as regulem. Quando elas chegam a pedir a fiscalização do governo para o que elas mesmas estão fazendo, é porque a coisa está saindo ou já saiu do controle. Quando lembro que cientistas envolvidos nestas pesquisas chegaram a divulgar uma carta aberta pedindo que os trabalhos neste campo fossem pausados “imediatamente” até que normas de segurança coletiva fossem estabelecidas, fico inclinado a acreditar mais na segunda hipótese. Portanto, é necessário parar de pensar neste assunto como um conto de ficção científica de Issac Asimov. A ameaça é real e a esquerda deve entrar neste debate. De acordo com Michael Osborne, professor de aprendizado de máquina na Universidade de Oxford, ouvido pelo The Guardian: “Como não entendemos muito bem a IA, existe a perspectiva de que ela possa desempenhar um papel como uma espécie de novo organismo competitivo no planeta, uma forma de espécie invasora que projetamos que pode desempenhar algum papel devastador em nossa sobrevivência como espécie”.
Acordo Biden-McCarthy traz más notícias para os pobres
O acordo Biden-McCarthy para aumentar o teto de gastos dos EUA até 2025, anunciado neste domingo (28) traz más notícia para os trabalhadores americanos. No final de janeiro, os EUA atingiram o limite da dívida de 31,4 trilhões de dólares, e se este teto não for aumentado ou suspenso logo nos primeiros dias de junho, várias obrigações do governo não poderão ser pagas pelo tesouro. O acordo fechado pelo presidente Joe Biden e pelo presidente da Câmara de Representantes (equivalente à nossa Câmara de Deputados) Kevin McCarthy e que passará por votações na Câmara e no Senado, prevê que novas exigências serão adotadas para dificultar o acesso dos trabalhadores pobres a programas como a “Assistência Suplementar Alimentar” e o “Auxílio Temporário às Famílias Carentes”. Também foi cortado o orçamento para contratação de novos auditores fiscais que seriam alocados em um novo programa (agora praticamente inviabilizado) que iria apertar a fiscalização do Imposto de Renda contra os muito ricos. “Sem nenhuma razão real, as pessoas famintas devem estar dispostas a perder comida enquanto os sonegadores de impostos recebem um passe livre“, escreveu a chefe de programas do grupo Demos, Angela Hanks, sobre a proposta, citada pelo site Common Dreams. Detalhe importante: Os gastos com armas de guerra foram preservados de qualquer corte, não vão perder um tostão e ainda irão aumentar em 2025. Os mercados reagiram positivamente ao acordo até agora.
Polônia cria tribunal de exceção
A agência EFE informa que o presidente polonês de extrema-direita, Andrzej Duda, ratificou nesta segunda-feira (29) a criação de uma “comissão de investigação” sobre a “influência da Rússia” no aparelho estatal supostamente ocorrida entre 2007 e 2022. A comissão pode convocar qualquer pessoa, por quantas vezes julgar necessário, e se condenado o réu ficará inabilitado para o exercício de cargos públicos durante 10 anos. Os vereditos da comissão não estão sujeitos à revisão por outras instâncias, de acordo com o decreto. A comissão será composta pelo primeiro-ministro Mateusz Morawiecki, também de extrema-direita, e por mais oito parlamentares de sua livre escolha. O primeiro relatório da comissão será apresentado no dia 17 de setembro, quando, não por coincidência, a Polônia estará em plena campanha eleitoral e com os atuais mandatários concorrendo à reeleição. Na Ucrânia, Zelensky foi mais célere. Com o maior partido de esquerda posto na ilegalidade (o partido Comunista da Ucrânia) desde 2015, o presidente ucraniano, em março do ano passado, colocou 11 partidos na ilegalidade com uma canetada só, acusados de “manter laços amigáveis com a Rússia”. E assim avança o fascismo, sob aplauso da Europa e o olhar apaixonado dos EUA, com o qual o fascismo mantém, há décadas, um caso de amor secreto.
Por Wevergton Brito Lima
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