Súmula Internacional 95 – Encontro Biden-Xi Jinping: O que muda nas relações sino-americanas?
A cúpula entre o presidente Chinês, Xi Jinping, e o presidente dos EUA, Joe Biden, ocorrida nesta quarta-feira (15), na Califórnia, marcou uma mudança de tom na relação entre os dois países. Segundo a agência Reuters, Xi e Biden “tiveram uma discussão ‘substancial’ sobre Taiwan (…) concordaram em retomar os contatos militares (…) abordaram a crise em andamento no Oriente Médio (…) coincidiram no ponto de vista de que se a Inteligência Artificial fosse usada em operações militares ou nucleares isso criaria riscos reais (…) decidiram cooperar para abordar a origem do fentanil, uma das principais causas de overdoses nos Estados Unidos, cuja fabricação depende de vários insumos chineses, com Xi Jinping comprometendo-se a fortalecer a fiscalização sobre a exportação destes componentes”. Além disso, estabeleceram manter um canal direto entre os dois presidentes, para dirimir mal-entendidos. Para a mídia chinesa, “o Presidente Xi e o Presidente Biden tiveram uma troca de opiniões franca e aprofundada. A comunicação entre as duas partes não só não evitou abordar as diferenças, mas também foi positiva, abrangente e construtiva” (Global Times). Porque esta mudança de tom aconteceu e qual dos lados, de fato, adotou uma nova abordagem? Comecemos pela segunda parte da pergunta. Quem acompanha as notas e pronunciamentos oficiais da China sabe que os chineses sempre propuseram que a relação com os EUA fosse de cooperação e não de confronto, com cada parte respeitando as diferenças políticas e ideológicas e valorizando o princípio do direito internacional de não intervenção nos assuntos internos. Quem iniciou a guerra comercial e política não foi a China, que sempre deixa claro, no entanto, que está preparada para qualquer cenário.
O que muda nas relações sino-americanas? II
No início de 2023, a China advertiu oficialmente os EUA de que “o conflito e o confronto” seriam inevitáveis se Washington não mudasse de rumo, alertando ainda sobre as “consequências catastróficas” da “aposta imprudente” de Washington pela confrontação. A mensagem era a mais clara possível: “Se os Estados Unidos não pisarem no freio, mas continuarem acelerando no caminho errado, nenhuma barreira poderá impedir o descarrilamento e certamente haverá conflito e confronto”, declarou na ocasião o então ministro das relações exteriores, Qin Gang. Esta não foi uma declaração isolada. Ao longo dos últimos anos, de diversas maneiras e em inúmeras ocasiões a China tem repetido a advertência, que geralmente caía no vazio. Porém, algo mudou. Os EUA vivem um momento extremamente delicado, enfrentando crises multidimensionais que se retroalimentam. Ao mesmo tempo em que vê declinar sua influência política no mundo, notadamente na África, na América Latina e entre os países árabes, a nação norte-americana enfrenta sérios problemas econômicos e internamente são cada vez maiores as dissensões, dividindo o establishment e fazendo com que a solidez do sistema seja, depois de muito tempo, posta em causa. Diante disso, quem decidiu alterar o tom foram os EUA, ainda não totalmente preparados para um confronto aberto com um parceiro econômico com o qual tem complexas e intricadas relações comerciais e financeiras, e com isso creio que respondemos à primeira parte da pergunta feita na nota anterior. A China reage ao movimento tático estadunidense também de forma tática, de acordo com os interesses do país em continuar sua busca obstinada por desenvolvimento acelerado em todas as áreas. O que não existe, principalmente do lado chinês, é qualquer ilusão.
O que muda nas relações sino-americanas? III
Logo após a cúpula com Biden, Xi Jinping participou de um jantar com a nata do empresariado americano (cada um dos ricaços pagou até US$ 40 mil pelo privilégio de escutar o líder comunista). Xi, no discurso para a seleta plateia, declarou que “se considerarmos uns aos outros como o maior rival, o desafio geopolítico mais significativo e uma ameaça sempre premente, isso inevitavelmente levará a políticas erradas, ações erradas e resultados errados“. E esse justamente é o cerne da questão. Embora seja sempre positiva a opção pelo diálogo civilizado e respeitoso entre duas nações soberanas, o que saudamos, a noção de que a China é “a maior ameaça econômica e estratégica que os Estados Unidos enfrentam”, está expressa em diversos documentos oficiais dos EUA, sendo um consenso bipartidário e dificilmente isso será superado por palavras e pronunciamentos, por mais enfáticos que sejam. O editorial desta sexta-feira (17) do Global Times (do qual um pequeno trecho citamos acima), ao comentar o encontro de Xi com os empresários, afirma que “a atmosfera animada do evento torna difícil imaginar que a relação econômica entre as duas maiores economias do mundo esteja atualmente a enfrentar tempos muito difíceis. As tarifas retaliatórias impostas pelo governo dos EUA contra as importações chinesas não foram levantadas e há esforços adicionais para exercer pressão sobre as empresas chinesas de alta tecnologia, com o pretexto de supostas razões de segurança nacional”. O editorial diz ainda que “embora a cooperação e o investimento bilateral sejam do interesse das empresas de ambos os lados, os desafios continuam a ser graves” e comemora o fato de Biden ter reafirmado que “as duas economias são mutuamente dependentes e que os EUA estão satisfeitos por ver a prosperidade na China”, acrescentando logo em seguida: “No entanto, estas declarações precisam ser acompanhadas de ações concretas”. Como dizia um velho personagem do bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro: “Jogo de carta valendo dinheiro, sem otário na mesa, é sempre uma complicação”. Pois é, neste “jogo” das relações sino-americanas, o otário não veio. A China, que aprendeu dolorosamente a ter a máxima cautela e frieza em seus movimentos, não se deixa impressionar por blefes do adversário, que é, afinal, um bom jogador e aposta alto. Contudo, a China sabe de um detalhe crucial: o outro jogador já teve cartas melhores nas mãos.
“de fato os homens, em relação ao objeto de seus desejos, costumam entregar-se a esperanças infundadas e rejeitam por considerações arbitrárias o que lhes desagrada“.
Tucídides, historiador e general ateniense, em História da Guerra do Peloponeso, Século V A.E.C.
Por Wevergton Brito Lima
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