Visão Global

Bolsonaro cede diante da UE e faz Brasil voltar a ser colônia

Em seis meses, o Brasil deixou de ser o “país do futuro” para se tornar o país do atraso, governado por uma extrema-direita retrógrada religiosa.

Por Uldurico Pinto

A viagem de Bolsonaro ao Japão, para o encontro do G-20, teria sido um verdadeiro fiasco não fosse a assinatura do presidente no acordo de livre comércio do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) com os países da União Europeia.

Os termos do acordo transformarão os países do Mercosul em meras colônias exportadoras de matérias-primas e importadoras de produtos industrializados, destruindo todo parque industrial dos países sul-americanos, em especial o Brasil, mais desenvolvido e diversificado.

Este tratado equivale à sentença de morte do Mercosul, pois trará comprometimentos graves às economias dos países do bloco, porque interdita a perspectiva de desenvolvimento econômico autônomo e soberano e elimina as políticas tecnológicas e industriais de cada país e deste importante bloco regional.

As negociações com os europeus vinham se arrastando há vinte anos. Começaram em 1999, foram paralisadas em 2003, quando Lula assumiu o governo, e retomadas em 2010, durante o governo Dilma, por pressão da União Europeia. Foi retomada, mas não avançou porque a Europa não abria mão de absolutamente nada dos seus interesses comerciais e queria que o Mercosul abrisse mão de seus interesses comerciais.

Nesses 20 anos de negociações e impasses, os países do Mercosul, na sua maioria de governos progressistas, nunca admitiram aceitar os termos colocados pelos países imperialistas europeus. De repente, para alegria do francês Emmanuel Macron e da alemã Angela Merkel, tudo se resolveu em dois dias e, ao que tudo indica, sem qualquer preparação prévia de Bolsonaro. Um verdadeiro milagre que evitou a Bolsonaro voltar de mãos abanando.

Recentemente, os europeus também passaram a ter pressa de assinar o acordo. Com a saída do Reino Unido do bloco e a promoção de medidas protecionistas por parte do presidente estadunidense Donald Trump a União Europeia se viu na necessidade de intensificar os contatos com outras regiões do mundo para chegar a alternativas comerciais. E os novos governos neoliberais da América Latina propiciaram este avanço das negociações.

As equipes negociadoras anteriores do Mercosul haviam sido muito cautelosas, mas as equipes atuais pareceram dispostas a assinar com a União Europeia de qualquer forma, movidas antes de tudo por razões políticas e ideológicas e não por preocupações econômicas, sociais e muito menos meio ambientais.

Feito às escondidas

O tratado Mercosul-União Europeia foi guardado em absoluto segredo pelas chancelarias, agências e ministérios econômicos dos países do bloco sul-americano. Seu conteúdo foi elaborado secretamente e decidido dentro da mais absoluta clandestinidade.

É um acordo, por isso, que carrega um notável déficit democrático. Dada a repercussão futura, de enorme impacto sobre a soberania e a capacidade de desenvolvimento de cada país, este acordo não poderia ser assinado sem o amplo conhecimento e o debate prévio com as sociedades civis e os parlamentos nacionais.

Agronegócio

O acordo UE-Mercosul reforça e acelera as atividades de baixa produtividade, como as de serviços, que incham no lugar da produção industrial, a ser substituída por mais importados. Para defender esta política, a justificativa são as vantagens ao setor agrícola da América do Sul.

Malandramente, Bolsonaro já tenta capitalizar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, o que vai zerar tarifas para importantes produtos agrícolas exportados pelo Brasil, como suco de laranja, frutas e café solúvel. Haverá ainda cotas para a venda de carnes, açúcar e etanol.

Essencialmente, um acordo que só vai ser bom para o agronegócio e para o latifúndio, mas esmaga os pequenos agricultores e a indústria nacional. Os pequenos serão afetados pois os produtos europeus, como leite e derivados, têm grandes subsídios, e com o discurso de modernização do parque industrial nacional, vai acabar com o pouco que resistiu aos planos de abertura econômica da direita na década de 1990 e à crise econômica após o golpe de estado.

Esse acordo é mais um plano entreguista do governo de Bolsonaro. Está entregando toda a economia nacional para empresas imperialistas às custas do desenvolvimento e dos empregos no Brasil.

Tudo é desvantagem

Uma abertura precipitada do mercado por parte do Mercosul a uma economia como a europeia pode ter consequências dramáticas sobre o emprego, sobre a segurança alimentícia – enfocando o uso da terra nos produtos de exportação, como o etanol – e sobre a estabilidade financeira da região.

A liberalização financeira limita fortemente o espaço político dos governos para reagir diante de qualquer futura crise financeira.

O acordo garantirá aos europeus, entre outros benefícios, maiores lucros para suas empresas, devido à maior abertura nas áreas de serviços, incluindo em particular o setor financeiro, compras públicas e a maior extensão para a proteção monopólica de suas patentes medicinais.

O acordo será uma tragédia histórica para as possibilidades de industrialização e desenvolvimento futuro dos países do Mercosul, com consequências que serão irreversíveis sobre o tecido industrial e a possibilidade de gerar emprego de qualidade e bem remunerado.

No acordo entre Mercosul e UE, há uma enorme disparidade entre a indústria europeia e a brasileira. Do lado dos europeus, há uma indústria madura, de alta tecnologia, em economias estáveis e competitivas, amparada por sistemas de financiamento robustos.

Nesse estranho acordo entre lobo e ovelha, no qual os mais fortes entram em condições iguais aos países economicamente mais fracos, o Brasil comemora a livre exportação da monocultura da soja e da carne do gado criado solto nos pastos roubados às terras indígenas ou da Amazônia.

E como será a contrapartida dos lobos? A primeira grande diferença está em termos de categoria – no Brasil, os beneficiados com o acordo serão produtores; na Europa, serão indústrias. Em outras palavras: de um lado, produtos primários; do outro, manufaturados. Ao lado dos produtos primários, ganham as categorias dos criadores, fazendeiros, granjeiros, mas o país não ganha nada. Esse tipo de relação não mudou desde a época do Brasil Colônia. País que aceita esse tipo de relação não progride, regride.

Portugal já se rejubila com a exportação de têxteis e de calçados. Porém, a invasão maior será dos produtos industrializados. Será aplicada a política de Juscelino Kubistchek ao contrário. Um tiro na indústria automobilística – os automóveis e caminhões chegarão e desembarcarão prontos no porto de Santos por preço mais em conta do que se fabricados no ABC paulista.

Além da indústria automobilística, que inclui as autopeças, serão afetados os setores dos grandes equipamentos industriais, o da química, o dos produtos farmacêuticos e do vestuário. Também os produtos alimentícios europeus chegarão aos supermercados mais baratos que os nacionais, liquidando as fábricas brasileiras de chocolate, biscoitos, conservas, bebidas alcoólicas, águas minerais, cervejas. Nessa leva, acabará a concorrência dos vinhos gaúchos diante dos vinhos franceses e dos queijos mineiros diante dos queijos franceses.

Empresas transnacionais

As empresas transnacionais instaladas no Brasil têm interesse num acordo como este porque querem fazer só a montagem em solo brasileiro e comprar os componentes mais baratos na Europa e nos EUA.

Licitações

O acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia prevê que empresas de um dos blocos participem de licitações e de compras governamentais do outro.

Na prática, quando entrar em vigor, o tratado deve abrir as portas para que empresas europeias participem em pé de igualdade com companhias brasileiras em concorrências públicas no país, um mercado estimado em R$ 78 bilhões por ano só no âmbito da União.

Pelo novo acordo, empresas europeias poderão participar de licitações no Brasil como se fossem brasileiras e vice-versa. Hoje, os governos podem estabelecer travas que impedem ou dificultam a entrada de concorrentes estrangeiros, protegendo companhias nacionais.

O texto negociado determina que as empresas europeias não poderão receber tratamento discriminatório nos processos de compras públicas nos membros do Mercosul —Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

De acordo com interlocutores que acompanharam as tratativas, os negociadores europeus manifestaram especial interesse, no Brasil, nas licitações de obras públicas, além das compras governamentais nas áreas de saúde, veículos e tratores.

Meio ambiente

Pelo acordo, serão fixados regras, padrões e compromissos em diversas áreas, como em propriedade intelectual e meio ambiente.

Em seis meses no poder, o atual governo anunciou a liberação de mais de 200 tipos de agrotóxicos que são proibidos na Europa. Conforme estudo realizado em 2017, 30% dos agrotóxicos permitidos no Brasil não tinham mais registro aprovado na União Europeia, incluindo dois dos dez mais vendidos.

Conglomerados químicos como a Monsanto, Bayer ou Syngenta exportam para países terceiros os pesticidas proibidos na Europa. A maior parte desses produtos químicos e dos danos fica naturalmente no Brasil, mas uma parte volta para Europa, na forma de alimentos exportados. Ou seja, através do acordo Mercosul-UE, os consumidores da União Europeia receberão de volta, em alimento, aquilo que os conglomerados químicos europeus exportam para os países sul-americanos na forma de agrotóxicos.

Genéricos

O acordo inclui um capítulo de propriedade intelectual que “dá destaque às transnacionais farmacêuticas”, o que terá um possível impacto na elevação dos preços e no corte da capacidade do Estado para produzir medicamentos a baixo custo.

A enorme renda de bens e serviços europeus através de importações deslocaria ou colocaria em crise vários setores, especialmente aqueles relacionados às indústrias de manufatura e luz. Algo que de fato supõe processos de desindustrialização.

As cláusulas do acordo Mercosul-UE podem aumentar os custos de tratamentos médicos, ao criar novos monopólios e atrasar a entrada de genéricos acessíveis no mercado. Pelas cláusulas de propriedade intelectual propostas pela União Europeia no acordo, o acesso a medicamentos essenciais para milhões de pessoas nos países do Mercosul será restringido. Além disso, a capacidade desses países de promover reduções globais dos preços será seriamente prejudicada.

A proposta da UE sobre propriedade intelectual inclui medidas que vão além do estipulado no Trips, o acordo no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio) que regula aspectos do comércio relacionados a direitos de propriedade intelectual. Essas medidas poderiam pôr em perigo o acesso a medicamentos em países que já enfrentam deficiências graves nos seus orçamentos de saúde pública.

A lei de patentes deve ser analisada com profundidade. É a nova fronteira da exploração do homem pelo homem e da própria escravidão…

 

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