EUA: O Supremo e a fotografia de um possível golpe
Na segunda-feira (26), Amy Coney Barrett prestou juramento nos jardins da Casa Branca como juíza do Supremo Tribunal. No mesmo dia, o mais alto órgão judicial dos EUA, em que agora reina uma confortável maioria de juízes trumpistas, pronunciou-se contra a contagem antecipada dos votos por correspondência em quatro Estados-chave para as eleições de 3 de novembro.
Por António Santos*
Em Michigan, na Pensilvânia, em Iowa e em Wisconsin, os votos enviados por correio, na sua maioria democratas, só poderão ser contados depois dos votos presenciais. É um grave precedente, que abre caminho a que o Supremo ordene interromper a contagem desses votos, como aconteceu nas eleições que, em 2000, os republicanos roubaram a vitória aos democratas. No mesmo dia, Brett Kavanaugh, outro juiz do Supremo cooptado por Trump, fez saber que, caso as eleições venham a ser impugnadas, os Estados não têm autoridade para dirimir diferendos e atribuir a vitória, reservando esse poder ao órgão a que pertence.
É cada vez mais provável que, na sequência das eleições, Trump grite «fraude» e clame pela intervenção do Supremo. Para ajudá-lo a construir este cenário de emergência, Trump conta com o apoio de mais de 300 milícias de extrema-direita que prometem marcar presença armada nas assembleias de voto. Trump dirige-se-lhes agora diretamente e na sua língua, apelidando os oponentes de «globalistas» (a versão atualizada da velha conspiração mundial judaico-bolchevique) e pedindo aos supremacistas brancos «Proud Boys» para «se manterem por perto».
A intimidação poderá dar lugar ao caos e à inapelável intervenção do Supremo que, recorde-se, não é eleito, cujos mandatos vitalícios não podem ser revogados e que está agora nas mãos de Trump. Para facilitar a vida ao presidente magnata, várias corporações estaduais de polícias, como a da Pensilvânia, que está neste momento em desobediência ao governador, já vieram a terreno informar que não agirão para evitar a intimidação de homens armados nas assembleias de voto.
O Partido Democrata, por seu turno, não fez o mais pálido esforço para evitar a hegemonia de extrema-direita no Supremo Tribunal: não procurou inviabilizar nem atrasar a confirmação de Barrett, o que, tirando partido da arquitetura regimental do Senado, era possível à minoria democrata, e não procurou mobilizar o povo estadunidense para rejeitar nas ruas a sanha golpista. Pelo contrário, os democratas têm vindo a reduzir a confirmação dos novos juízes a um estéril debate sobre percursos pessoais e profissionais, fazendo vista grossa da fotografia política que, paulatinamente, se começa a enquadrar para o golpe.
* Jornalista
Fonte: Avante!