EUA: Perigosamente podre
Que a superpotência imperialista está em decadência é evidente. O problema é de fundo e não é exclusivo dos EUA. O capitalismo enquanto sistema atingiu os seus limites. Em vez de criar, destrói. Entrou em autofagia, na tentativa de obter lucros que escasseiam na atividade produtiva. O apagão no Texas, em meados de fevereiro, é disso elucidativo.
Por Jorge Cadima*
O Wall Street Journal escreve (24.2.21): “Há quase 20 anos, o Texas deixou de ter infraestruturas de produção e distribuição energéticas totalmente reguladas. O Estado desregulou a geração de energia, criando o sistema que falhou na semana passada. […] Os consumidores domésticos do Texas acabaram pagando, desde 2004, mais 28 bilhões de dólares pela sua energia do que teriam pago ao abrigo das tarifas que eram praticadas pelas empresas tradicionais do Estado”. A vaga de frio fez disparar o consumo, ao mesmo tempo que deitou abaixo parte importante da geração de eletricidade, em boa parte por falta de investimento (texasmonthly.com, 19.2.21). Depois veio o ‘mercado livre’: as distribuidoras compravam a eletricidade ainda disponível a preços obscenos e em alguns casos passavam-nos diretamente para os consumidores. Clientes houve com contas de 17 000 dólares, apesar de terem ficado durante dias sem eletricidade. Nas palavras duma das vítimas, “o efeito vai ser devastador para muita gente. Não haverá comida na mesa para as crianças, nem pagamentos de rendas, prestações da casa ou do carro” (foxnews.com, 23.2.21).
Mas em capitalismo, a tragédia de uns é o lucro de outros: “o Bank of America lucrou centenas de milhões de dólares em receitas de negócios quando o sistema elétrico do Texas foi abaixo […] ilustrando as vantagens para Wall Street do caos que deixou partes do Estado sem luz e aquecimento” (Financial Times, 5.3.21). A Bloomberg (5.3.21) estima que a Goldman Sachs e o Morgan Stanley irão também lucrar mais de 200 milhões de dólares cada. Tenta explicar: “Alguns dos ganhos da Goldman resultam de coberturas [hedges], uma prática rotineira de gestão de riscos em Wall Street [… que] pode tornar-se muito lucrativa quando há acontecimentos raros”. Mas é mais clara a explicação dum comentarista norte-americano na RT (6.3.21): “Transformamos serviços essenciais num casino”.
Enquanto o grande capital saqueia a riqueza existente e o povo dos EUA é entregue a si próprio – perante a Covid, furacões ou vagas de frio – há uma prioridade que não muda, seja qual for o Presidente: a política de agressão e guerra para impor ao planeta este sistema de pilhagem. Em plena pandemia Covid, o New York Times anuncia que o novo Presidente Biden vai lançar uma autêntica ação de guerra contra a outra grande potência nuclear do planeta. “A primeira grande ação é esperada nas próximas três semanas, com uma série de ações clandestinas contra redes russas, que se pretende sejam claras para o Presidente Vladimir Putin e os seus serviços secretos e militares, mas não para o mundo em geral. […] essas ações serão conjugadas com sanções econômicas – embora sejam poucas as sanções realmente eficazes que ainda não tenham sido aplicadas” (NYT, 7.3.21). Desde há muito que a invenção da ‘ameaça externa’ serve para justificar a guerra. Mas também para encobrir a pilhagem interna.
* Membro da Seção Internacional do Partido Comunista Português (PCP)
Fonte: Avante!