Haroldo Lima: Viva os 70 anos da China socialista
Um dos maiores acontecimentos do século XX comemora hoje 70 anos, a proclamação da República Popular da China. De 1949 para cá, a fisionomia do planeta mudou. As mudanças foram espantosas, radicais, estonteantes. A sonhada esperança por uma forma de vida socialista, inovadora, permanentemente criativa, que garantisse progresso e desenvolvimento, e que inspirasse caminhos novos ao mundo, de repente foi engendrada e explode exuberante no antigo Império do Meio.
Por Haroldo Lima
A China é um país extraordinário. Gigantesco, tem a maior população da Terra, a única com cerca de 5.000 anos de vida contínua no mesmo território.
Contudo, quando o século XX chegou, encontrou aquela grande Pátria em situação deplorável: seu território estava ocupado por tropas de oito potências imperialistas, que se auto intitulavam “nações civilizadas”, Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Rússia, Itália, França, Áustria e Japão. Essas forças notabilizaram-se pelas atrocidades praticadas na velha China. Humilharam-na. Fizeram-na assinar “tratados desiguais”, saquearam suas riquezas e cidades.
No delta do Rio das Pérolas, a Nação então mais desenvolvida do mundo, a que se considerava mais “civilizada”, a Inglaterra, através de duas guerras, a de 1840 e a de 1856, impôs à China o consumo do Ópio, roubou parte do território chinês e ocupou uma cidade extremamente dinâmica, que chamou de “Pérola do Oriente”, e que os chineses, desde tempos imemoriais, chamavam por um nome que significa “Baía Perfumada”, e que é Hong Kong. Só depois de 156 anos a China recuperou Hong Kong.
O fato, cujos setenta anos agora se comemora, divide a história da China em antes e depois, e em certa medida divide a história do mundo. Mao Zedong, o grande dirigente do Partido Comunista Chinês, depois de 28 anos de lutas e guerras, contra inimigo interno e contra invasor estrangeiro, entra vitorioso em Beijing, à frente de seu Exército. Do alto de palanque armado na grande praça Tiananmen, a majestosa Praça da Paz Celestial, proclama ao povo chinês e ao mundo: “Está fundada a República Popular da China. De hoje em diante o povo chinês vai se pôr de pé.” A história havia registrado o veredicto do general francês Napoleão Bonaparte, em 1816: “Quando a China se levantar o mundo estremecerá”.
E desde então, nos setenta anos que agora se comemoram, nenhuma potência ousou tocar, nem de leve, o solo chinês. Para construir na China uma grande Nação, os chineses começaram por libertá-la, mantê-la independente e soberana.
Todo o processo vivido pela China desse então ligou-se à ideia de construir uma sociedade socialista.
Mas esse objetivo não foi cumprido de forma linear. Os chineses nunca entenderam o socialismo como um modelo conhecido, a ser dogmaticamente implantado em seu país, copiando formas desenvolvidas em outras realidades. Não. Tal qual a Longa Marcha, dirigida por Mao Zedong à frente de 130.000 homens, que, para atravessar montanhas, ultrapassar rios caudalosos e enfrentar neves eternas teve que fazer ziguezagues, ir e vir, a construção da nova economia socialista avançou por caminhos tortuosos, foi e voltou, e conheceu reveses, como aliás, acontece com tudo que é humano, que busca e que cria.
Na primeira década foi estruturada uma base econômica socialista, que precisava, entretanto, se desenvolver. Mas, com forças produtivas atrasadas, tecnologia primitiva, pobreza extrema e costumes retrógrados, o socialismo tinha pouco fôlego para se desenvolver. E atalhos foram tentados, como o Grande Salto à Frente e a política das Comunas, que não deram certo.
Desde o início, um objetivo era perseguido, o de criar uma situação onde todo o povo tivesse o que comer, o que vestir e onde morar. Estes foram os três direitos humanos concretos procurados, que o povo chinês nunca tivera. O socialismo era visto como o sistema que poderia viabilizar essas três metas fundamentais.
E o processo de acertos e erros continuou, numa China que, com dificuldades, buscava uma saída para se desenvolver. Nessa busca, envereda por um caminho de grave equívoco e promove uma chamada Revolução Cultural, que só fez truncar seu processo ascensional. Até que, em 1978, dá um novo e vigoroso passo.
Sob a direção de outro grande líder, Deng Xiaoping, compreende que naquele país gigantesco, mas atrasado, vivia-se uma “etapa primária” do socialismo, na qual, perseverando na busca do socialismo, na base teórica marxista e na direção do Partido Comunista, havia que se adotar métodos absolutamente inovadores de construção econômica, para tentar romper com o atraso do país. Percebeu-se que não se tratava de socializar a pobreza, mas de buscar a riqueza socializada. Enveredou-se pelo que foi sendo chamado de “socialismo com peculiaridades chinesas”.
Diferentes formas de propriedade foram admitidas em diferentes setores da sociedade, entrelaçadas de formas originais, tudo sob o predomínio da propriedade social, especialmente da propriedade estatal, presente nas inúmeras empresas e nos setores estratégicos da economia e da sociedade. As leis do mercado foram respeitadas e as próprias empresas estatais foram orientadas a participarem do mercado, concorrerem no mercado, se afirmarem no mercado, se destacarem no mercado. O mercado surgiu antes do capitalismo e este, ao se desenvolver, criou o mercado capitalista, hegemônico no mundo atual. Mas, construíram-se no “continente” chinês formas socialistas que passaram a se desenvolver com o mercado e, nessa base, engendrou-se o que os comunistas chineses chamam de “economia socialista de mercado”.
A China mantem hoje 149 conglomerados econômicos, extraordinariamente grandes, sob direção estatal, através dos quais controla e dirige a imensa e dinâmica economia do país.
Os fundadores do socialismo científico nunca detalharam formas concretas do socialismo. Formularam indicações gerais. Em uma delas, em carta a Otto Breslau, em agosto de 1890, Engels escreve: “Assim, se temos partidários suficientes entre as massas (apoio político amplo) poderemos logo socializar a grande indústria e a grande agricultura, desde que o poder político esteja em nossas mãos (poder do Estado). O mais virá mais ou menos rapidamente. E tendo a grande produção, (e não toda a produção) controlaremos a situação”. (as notas entre parêntesis são minhas).
A “economia socialista de mercado” chinesa desenvolveu-se a um nível sem precedentes no planeta, a cerca de 10% ao ano, há mais de trinta anos, de forma contínua. Em decorrência da crise mundial, caiu recentemente para cerca de 7%. Mais de 600 milhões de chineses foram retirados da faixa de pobreza.
E o que se julgava impossível aconteceu rápido. A economia chinesa, de atrasada, periférica, começou a ultrapassar a economia de países altamente desenvolvidos, França, Inglaterra, Alemanha e o Japão. É a segunda economia da Terra. Segue a trilha da Revolução de 1949, agora sob a direção firme e equilibrada do seu novo grande dirigente Xi Jinping.
Os Estados Unidos, bastião avançado do capitalismo, o Estado mais prepotente e arrogante da atualidade, que invade países, massacra povos e fomenta rebeliões (como agora em Hong Kong) está prestes a ser ultrapassado pelo gigante socialista da Ásia. Estudiosos acham que é coisa de mais uns cinco anos.
E assim, o mundo mudou.
O tosco analista do capital e a grande mídia a ele subordinada, não sabem o que dizer ante realidade tão desconcertante para eles. Preferem não dizer nada, ou falar baboseiras, do que admitir que a economia que mais cresce no mundo, há décadas, é socialista; que o país onde prospera essa economia é dirigido por um partido comunista; que o socialismo, que seus rústicos especialistas anunciaram que tinha morrido, mostra vitalidade, se rejuvenesce, rompe com formas estratificadas, ultrapassadas, formula coisas novas, cria e muda. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/Muda-se o ser, muda-se a confiança/Todo o mundo é composto de mudança/Tomando sempre novas qualidades”. “O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto foi de neve fria”. (Camões)
O que a grande imprensa ocidental não diz é essa coisa óbvia, que o avassalador desenvolvimento da China está ligado ao caminho que ela segue, o do socialismo renovado, moderno, com feição nacional, que está sendo palmilhado sob a direção de um partido comunista.
Haroldo Lima, membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)