Visão Global

Henri Blotnik e o significado político da Fête de l’Humanité

Foto: Priscila Danny

O parisiense Henri Blotnik, 66 anos, é biólogo aposentado, descendente de uma família de comunistas e militantes de esquerda, membro do Partido Comunista Francês desde a adolescência e atualmente atua a Comissão de Relações Internacionais do PCF, além de integrar a célula de base do partido em seu bairro.

Tiago Alves, Henri e Alexandre Santini

Velho conhecido dos camaradas brasileiros, Henri tem sido há décadas um gentil anfitrião dos comunistas na França, e particularmente, abrindo as portas da Fête de l’Humanité.

Henri visita o nosso país com frequência. Sua companheira, Bia, é militante do PCdoB em Cachoeira do Sul (RS) e juntos alternam temporadas entre Brasil e França. Fluente em português, Henri é um profundo conhecedor da história e da cultura brasileira, e acompanha com atenção a conjuntura nacional.

Recebendo uma expressiva delegação brasileira nesta edição da Fête de l’Humanité, Henri nos brindou com esta entrevista onde pudemos falar do Brasil, da França, da Festa e do significado político e cultural da realização deste evento para o Partido Comunista Francês. Confira abaixo.

Qual o significado e sentido político desta edição da Fête de l’Humanité frente ao atual momento político na França e no mundo?

O contexto político mais evidente é o perigo crescente de uma ultradireita ávida de poder, contando com apoio midiático, financeiro e político dos nossos oligarcas. Na última disputa eleitoral, o povo francês conseguiu desviar o tiro da ultradireita, graças à mobilização do eleitorado de esquerda e à consciência republicana que levou os eleitores, a base cidadã, a concentrar votos no segundo turno em qualquer candidato que pudesse enfrentar e vencer as candidaturas da ultradireita.

É um contexto, portanto, que causa um certo alívio, mas a opção do presidente Macron de buscar a continuidade da política neoliberal em aliança com a direita e o beneplácito da ultradireita distorce o resultado das urnas.

Agora, após os jogos olímpicos e o período das férias de verão, a Fête de L’Humanité marca a volta da temporada de lutas. E começar com uma festa, onde o espírito antifascista e unitário da Nova Frente Popular (NFP) faz parte da tradição, parece bem natural. Tomar fôlego para as lutas que virão, participando dos encontros, debates, confraternizações, comidas e bebidas que caracterizam esta festa.

Quais são as principais características desta Festa, que chegará aos 100 anos em 2030?

O jornal diário L’Humanité, desde seu nascimento em 1904 sempre precisou do apoio de seus leitores e do partido para existir. Após a primeira guerra, ao redor de 1926, se formaram comitês de apoio, logo chamados de CDH (Comitês de Defesa do Humanité) para organizar o apoio e a venda militante do jornal. Esses comitês fizeram esforços comuns para organizar eventos, comícios e festas.

Tradicionalmente, ao longo do ano, festas locais eram seguidas de festas departamentais, regionais e finalmente a nacional. Hoje, permanecem festas locais além desta maior, uma festa nacional.

A Festa oferece uma oferta rica e diversa de programações culturais, artísticas, musicais, teatrais, de circo, uma feira de editoras de livros e revistas progressistas, um espaço científico incorporando os temas da revolução tecnológica, um espaço internacional onde se encontram representados partidos, movimentos e jornais dos progressistas de dezenas de países.

Além da programação geral da festa, cada barraca apresenta um programa próprio, com atividades culturais, debates e opções gastronômicas de sua região ou país.

Qual o paralelo que você enxerga entre a conjuntura atual da França e a situação do Brasil?

Os franceses veem no Brasil uma esquerda que, sendo minoritária no parlamento, conseguiu com um presidente carismático formar um governo, fomentando políticas públicas e se afastando dos dogmas neoliberais. Aqui a gente gostaria igualmente que, ainda que minoritários na Assembleia Nacional, pudéssemos governar e aplicar as medidas essenciais do programa apresentado pela Nova Frente Popular (NFP) nas últimas eleições. Há um interesse sempre vivo dos franceses sobre a atualidade política do Brasil.

Como você avalia a iniciativa do PCdoB em promover, desde 2022, o Festival Vermelho? Na sua opinião, em que o partido pode se beneficiar ao promover eventos político-culturais desta natureza?

As festas, tanto as locais como as nacionais, podem ser uma frente prazerosa de mobilização para a militância e um palco único para as lideranças, colocando o Partido num papel de protagonismo indiscutível. Gera reconhecimento e sentido de potência coletiva para todas e todos, como bem expressou a [ escritora norte-americana ] Angela Davis, homenageada nesta edição.

Qual a importância da Festa para o cronograma anual do PCF?

A Festa é sem dúvida o evento que marca o fim das férias de verão, temos a volta às aulas, volta ao trabalho e a volta da mobilização social e política com a Festa.

Qual o papel das delegações internacionais nas Festas?

A Festa é uma grande oportunidade de encontros e descobertas. Num ambiente de falsas notícias, de silêncios, de desinformação e de confusão organizada pelas mídias dominantes, a presença das delegações internacionais é importante para aprofundar temas relacionados à situação de cada país. Além disso, os encontros, debates e espaços das delegações internacionais são muito apreciados pelos participantes, e fazem parte dos atrativos da festa.

Qual a força das mulheres na Festa?

Tem barracas de organizações femininas e feministas, mas a presença das mulheres aparece tanto no público como nas militantes nas barracas, nas artistas e nas lideranças nos palcos. Este ano, além da participação e homenagem a Angela Davis, podemos destacar a presença da Sophie Binet, Secretária-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), ao lado de Lucie Castets, apresentada como candidata a primeira-ministra pela NFP.

Como e a relação entre o Jornal l’Humanité e o Partido Comunista Francês na construção da Festa?

Hoje é o Jornal que assume a iniciativa de realização da Festa, organizando a programação cultural, garantindo a disponibilidade de um espaço apropriado, os elementos de logística (redes de água, eletricidade, Internet, etc.), cuida dos principais palcos (3 grandes palcos de espetáculos, 1 palco de debates, 1 tenda de circo) e demais áreas de gestão técnicas, áreas de atendimento, postos de saúde, etc.

Obviamente, graças a tal infraestrutura, o Jornal oferece espaços a associações progressistas, sindicatos e partidos de esquerda na Village du Monde (Vila do Mundo)o, Village du Livre (Vila do Livro) e demais espaços da festa. O maior número de barracas é composto pelas organizações do PCF de todos os níveis, locais, de municípios ou de empresas departamentais e regionais, que garantem à festa seu caráter militante. A Fête de L’Humanité permanece um fruto do esforço coletivo dos comunistas franceses, presentes atrás dos bares, nas cozinhas, servindo às mesas, mas também protagonistas dos debates, nos atos e junto ao público, incentivando a filiação.

Cada barraca que apresenta o seu programa de atividades, animações, encontros, debates, concertos, bailes, etc., mobiliza dezenas de militantes. O jornal L’Humanité também seleciona voluntários para a Festa, sendo em sua maioria jovens camaradas ou simpatizantes do partido.

Assim, para garantir o êxito da Festa, a relação entre o jornal e o PCF permanece estreita.

 

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