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Jerónimo de Sousa: “Quem abre as portas à direita é quem não quer dar respostas aos problemas do povo”

Nesta quinta-feira (28), o Secretário-Geral do Partido Comunista Português (PCP), Jerónimo de Sousa, participou, na cidade de Évora, de um comício promovido pelo partido, intitulado “PCP – força decisiva. Ao teu lado todos os dias”. Ao fazer uso da palavra, o dirigente comunista abordou a polêmica em torno da não aprovação do Orçamento do Estado (OE), ocorrido no dia anterior. A reprovação – que pode significar a dissolução da Assembleia da República e, consequentemente, a realização de eleições antecipadas – contou com os votos da bancada comunista.

No entanto, segundo Jerónimo, o Partido Socialista (PS), que hoje governa o país, não fez verdadeiro esforço para aprovar o orçamento: “O País só não tem Orçamento porque o PS não quis”, garante.

Segundo o líder do PCP, o verdadeiro motivo da falta de empenho é que o PS calcula que em novas eleições conseguiria maioria absoluta: “Ontem ao fechar o debate sobre o Orçamento do Estado o primeiro-ministro pediu uma maioria estável e duradoura para o PS. (…) Não há Orçamento porque o PS quer uma maioria absoluta para, sem condicionamentos, não responder aos problemas do País e poder livremente manter os seus compromissos com o défice e o grande capital em prejuízo do que interessa aos trabalhadores e ao povo”.

Abaixo reproduzimos, mantendo a grafia original, o trecho do discurso de Jerónimo de Sousa em que ele trata da rejeição do orçamento.

“O País só não tem Orçamento porque o PS não quis”

Trecho do discurso de Jerónimo de Sousa em Évora – 28/10/2021

Acabou ontem o debate da proposta do Orçamento do Estado para 2022. A proposta não foi aprovada.

O sentido da intervenção do PCP neste debate teve apenas um sentido: procurar garantir as respostas e as soluções que a situação do País e os problemas que este enfrenta exigem.

Quando outros procuraram esconder os conteúdos do Orçamento e da política do Governo, atrás da ameaça da crise e da instabilidade, foi o PCP que insistiu no debate em torno do que interessa, do salário e da pensão que não chega ao fim do mês, dos direitos que são roubados por causa do cutelo da caducidade da contratação colectiva, da defesa do Serviço Nacional de Saúde, dos direitos dos pais e das crianças, da garantia dos direitos à habitação, aos transportes e à mobilidade, dos caminhos para uma maior justiça fiscal, da dinamização da actividade económica, da valorização da produção nacional enquanto factor estratégico para o desenvolvimento do País.

Haverá quem possa questionar-se, legitimamente, sobre o nosso voto contra a proposta do Governo.

Perguntam-nos sobre se não era melhor deixar passar este Orçamento para evitar uma crise política.

A questão central que presidiu à nossa intervenção foi a de saber se as opções do Governo, no Orçamento e para lá dele, dão as respostas que os problemas do País exigem, ou se, pelo contrário, permitirão que eles se agravem.

E perguntámos o que é que o aumento do Salário Mínimo Nacional que propusemos e defendemos tem a ver com crise política? Por que caminhos é que a revogação da caducidade da contratação colectiva pode conduzir a uma crise? Como é que medidas para defender o SNS e valorizar a carreira e as condições de trabalho dos médicos, enfermeiros e de outros profissionais de saúde podem provocar uma crise política?

Não, camaradas. As propostas do PCP não transportam nem a crise, nem a instabilidade. As propostas do PCP correspondem, isso sim, às aspirações do povo e a ausência de resposta é que trás crise e instabilidade para casa de cada um.

Há quem questione também sobre se não se corre o perigo de abrir a porta à direita.

Quem escancara as portas à direita, quem lhe estende a passadeira vermelha é quem não quer dar respostas aos problemas com que o povo está confrontado.

O que milhões de portugueses não compreendem é porque, havendo meios e condições para o fazer, o Governo recusa respostas e soluções para responder às exigências de uma vida melhor.

O que os portugueses não compreendem é que as horas extraordinárias que um trabalhador faz não sejam pagas pelo justo valor, porque o Governo do PS não quer afrontar os interesses do capital.

Os portugueses não compreendem que as centenas de milhar de trabalhadores da Administração Pública depois de mais de uma dezena de anos a perder poder de compra do seu salário continuem a não o ver recuperado porque o Governo dá prioridade ao défice.

Os portugueses não compreendem que quando se dirigem ao Centro de Saúde ou ao Hospital sejam remetidos para as listas de espera para a sua consulta, o seu exame ou a sua cirurgia, porque o Governo insiste em não fixar profissionais e prefere deixar florescer e financiar o negócio da doença pelos grupos privados.

Os portugueses não compreendem que quando precisam de abastecer combustível vêem o preço que não pára de aumentar, à mesma velocidade que aumentam os lucros da Galp, que já chegam aos 327 milhões de euros.

Os portugueses não compreendem que se mantenha sem garantia do direito à habitação a milhares de famílias porque se quer manter a instabilidade do contrato de arrendamento e os preços são cada vez mais incomportáveis, porque o Governo rejeita alterar a lei do arrendamento que facilita os despejos e precariza o direito a ter um tecto.

Os portugueses não compreendem que continue a haver milhares de alunos sem professores em muitas disciplinas e milhares de professores desempregados sem turma nenhuma porque o Governo não investe na Escola Pública, não aposta na vinculação dos professores, não dota as escolas do pessoal auxiliar e outros necessários.

Assim, o que se exige é responder aos problemas e à exigência de uma vida melhor!

Haverá quem se interrogue se exigimos tudo neste Orçamento.

Não. Não nos aproximámos sequer da política patriótica e de esquerda que daria a resposta que faz falta ao País.

O que o PCP propôs ao Governo não foi dar tudo a todos. Foi responder aos problemas mais prementes. Quando é o próprio Governo que afirma que há recursos disponíveis como nunca, nós é que perguntamos se não é este o momento de responder aos problemas.

Por isso aqui colocamos ao Governo que se deixe de desculpas, não fique preso às amarras ao grande capital e use os poderes que tem para tomar essas medidas.

Além do mais, há matérias diversas que nem têm qualquer impacto orçamental, ou que podem representar até mais receita, como o aumento do Salário Mínimo Nacional ou o fim da caducidade. São as opções de classe do Governo e a sua submissão aos interesses do grande capital que o impedem de dar esse passo.

Nós fizemos o que nos competia, honrámos o património de intervenção e luta em defesa dos trabalhadores e do nosso povo. O País só não tem Orçamento porque o PS não quis.

Não quis desamarrar o País das limitações e constrangimentos da União Europeia e do Euro, que servem de justificação para impedir opções para defender o interesse nacional.

Não quis afrontar os interesses do grande capital, que contam com o respaldo do Governo para agravar a exploração.

Não quis tratar o aumento dos salários como a emergência nacional que é, e nós nem fizemos finca pé na justa proposta dos 850 euros, admitindo a sua fixação em 755 euros.

Não quis defender o Serviço Nacional de Saúde do brutal ataque a que está sujeito pelos grupos económicos dos negociantes da doença.

Não quis assegurar a todos o direito a uma vida mais digna, com habitação, com transportes e mobilidade.

Não aceitamos ter um País condenado ao declínio, ao afastamento dos indicadores europeus, à degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo.

Não o fizemos no passado, não o aceitaríamos agora. O País precisa de respostas e essas respostas têm de ser imediatas.

Não desejamos eleições, nem elas são inevitáveis.

Porque nada obriga a que da rejeição do Orçamento do Estado resulte a necessidade de dissolução da AR e de convocação de eleições.

Nada impede que o Governo em funções responda ao que tem de responder no mais imediato:

– dar execução plena ao que o Orçamento do Estado deste ano de 2021 tem inscrito e que está por executar;

– decidir sobre questões decisivas que estão para lá do Orçamento, quer quanto a salários, direitos dos trabalhadores, preços da energia;

– nada impede que o Governo entre o ano de 2022 com gestão em duodécimos. Para quem tem memória curta lembremos que assim foi durante três meses em 2020, para já não falar do período ainda mais extenso em 2016.

E pode fazê-lo respondendo aos problemas. É uma questão de vontade e opção do Governo.

Milhões de portugueses interrogam-se porque chegámos aqui , porque não foi possível aprovar o Orçamento.

O futuro dirá mas desde já se levanta a ponta do véu.

Ontem ao fechar o debate sobre o Orçamento do Estado o primeiro-ministro pediu uma maioria estável e duradoura para o PS.

Afinal o que o PS quer é uma maioria absoluta.

Não há Orçamento porque o PS quer uma maioria absoluta para, sem condicionamentos, não responder aos problemas do País e poder livremente manter os seus compromissos com o défice e o grande capital em prejuízo do que interessa aos trabalhadores e ao povo.

Mostra-se assim que não há Orçamento porque o PS não quis!

O Governo recusou respostas e soluções conduzindo a que o OE não tenha sido aprovado. Quanto ao futuro, o Governo deve retirar ilações da não aprovação do OE, se tiver esse sentido de dar solução aos problemas, nada impede que o Governo apresente um nova proposta de OE e assuma os compromissos necessários além dele.

O Orçamento não está destinado a ser rejeitado se contiver as respostas que o País precisa.

Se o PS e o Governo concluírem que querem continuar a recusar o que faz falta ao País, então retirem definitivamente daí as suas conclusões.

Se entretanto o PR mantiver a intenção de convocar eleições sem necessidade para o fazer, se decidir introduzir elementos de instabilidade, então tem de assumir essa responsabilidade e retirar daí também as inevitáveis consequências de forma clara e com brevidade.

Por isso, passada votação do Orçamento, afirmando que existem soluções políticas, no quadro da Constituição da República, que não obrigam à realização precipitada de eleições, se continuar a ser essa a posição do Presidente da República, que tanto as anunciou e promoveu, então que venham rapidamente.

Não seria compreensível que, depois de acenar com o fantasma da instabilidade e dos prejuízos para o País que significa não ter Orçamento durante meses, agora quisesse arrastar o processo, para favorecer estratégias que são estranhas aos interesses do povo português.

O PCP não se bate por eleições, bate-se por soluções para o País. Mas não as tememos e temos razões para as encarar com confiança.

Com a confiança de quem tem para apresentar aos trabalhadores e ao povo um percurso de intervenção que pôs sempre, mas sempre, em primeiro lugar, os seus interesses, direitos e aspirações.

Com a confiança de quem sabe que na política patriótica e de esquerda que propomos ao País estão as respostas de que o País precisa.

Com a confiança de quem sabe que temos um colectivo partidário que não vira a cara a luta e que, já nestes dias, se mobiliza num amplo contacto com as populações e que se empenhará, de forma determinante, para o êxito das acções de luta já marcadas, e designadamente a manifestação nacional convocada pela CGTP-IN para dia 20 de Novembro, que daqui saudamos.

Há razões redobradas para a luta!

A vida e a luta continuam pela melhoria das condições de trabalho e de vida do nosso povo, pela política alternativa que defendemos com as soluções concretas que a concretizam.

Continuaremos do lado certo da luta, ao lado dos trabalhadores e do povo porque é com eles e com a defesa dos seus direitos e interesses o nosso primeiro e principal compromisso.

Fonte: pcp.pt

 

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