Negociações na COP26 chegam a um impasse: quem pagará pelas sequelas das mudanças climáticas?
Num momento em que a comunidade mundial debate como evitar o superaquecimento do planeta, um dos entraves nas negociações da conferência do clima COP26, em Glasgow, Escócia, é definir quem pagará pelas sequelas das mudanças climáticas.
Por Ajit Niranjan
“Os que poluem não estão sendo sancionados”, comentou Molwyn Joseph, ministro de Saúde, Bem-Estar e Meio Ambiente de Antígua e Barbuda, no Caribe. “Os que poluem parecem não ter empatia com o desastre que enfrentam os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, em decorrência da poluição.”
Os sintomas de um planeta mais quente já se fazem sentir hoje em dia: secas aniquilam safras, inundações e superfuracões vêm destruindo meios de subsistência, e até mesmo ilhas inteiras desapareceram da face da Terra. E os países mais vulneráveis à mudança climática reivindicam, com veemência crescente, compromissos de financiamento para remediar esses desastres – que nas negociações climáticas são tratados como perdas e danos.
Perdas e danos: a grande questão
No entanto, os presentes diálogos sobre financiamento climático têm-se centrado principalmente em ajudar os países a desenvolverem sua “economia verde“, a mitigarem as emissões de gases causadores do efeito estufa e a se adaptarem a um mundo mais quente.
O que não foi devidamente abordado até o momento é a questão das perdas e danos. Quem paga a conta quando, por exemplo, comunidades litorâneas inteiras têm que ser relocadas?
“Os pequenos Estados-ilhas em desenvolvimento precisam receber um comprometimento de que a questão das perdas e danos será tratada em caráter urgente nesta COP, e tem que começar o processo para ver como se providenciará o financiamento“, urgiu o ministro Joseph.
Isso deve ocorrer “no prazo mais breve possível, para que países como o meu não tenham que esperar quatro anos para se recuperar de um desastre“, frisa o ministro caribenho. Barbuda foi atingida pelo furacão Irma em 2017 e “ainda estamos tentando nos recuperar, o governo está afundado em dívidas“.
Dinheiro, dinheiro, sempre o dinheiro
A problemática das perdas e danos não é absolutamente nova, já tendo sido abordada em anteriores cúpulas do clima. Oito anos atrás, a COP19, na capital polonesa, apresentou o Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos, como meio de ajudar os países vulneráveis a lidarem com os impactos devastadores de cataclismos climáticos.
Embora o dispositivo tenha sido reafirmado no Acordo do Clima de Paris, em 2015, os países industrializados relutam em se comprometer financeiramente de forma vinculativa. O Artigo 8º do Mecanismo declara explicitamente que ele “não envolve nem provê a base para qualquer responsabilização ou compensação“.
A questão é controversa pelo fato de os países temerem ser responsabilizados por todo evento meteorológico extremo – o que pode sair bem caro. Estudos sugerem que, até 2030, as perdas e danos climáticas nos países em desenvolvimento podem circular entre US$ 400 bilhões e US$ 580 bilhões anuais.
A nação insular de Fiji calcula esse custo ainda mais alto: “Podemos chegar à ordem de US$ 750 bilhões por ano, 10% dos quais devem ser destinados aos pequenos Estados-ilhas em desenvolvimento“, disse à DW Satyendra Prasad, embaixador e representante permanente de Fiji nas Nações Unidas.
Mais de 300 organizações da sociedade civil, entre as quais Climate Action Network, 350.org e Pan African Climate Justice Alliance, endereçaram uma carta ao presidente da COP26, Alok Sharma, e aos líderes mundiais, instando-os que se comprometam a mitigar financeiramente as perdas e danos “com base na equidade, responsabilidade histórica e solidariedade global, aplicando o princípio de ‘o poluidor paga’“.
Os países em desenvolvimento querem um acordo sólido sobre as fontes e canais do financiamento para os países vítimas de perdas e danos. “Estamos convocando esses líderes globais a não só prometerem, mas a colocarem o dinheiro na mesa“, explica Amath Pathe Sene, especialista-chefe em clima e meio ambiente para a África Ocidental e Central do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida). “Penso no modo como o mundo reagiu à pandemia [de covid-19]: agimos rápido e com bilhões de dólares. Devemos fazer o mesmo com a mudança climática.”
Ativistas alertam também para o fato de a maior parte do financiamento climático vir hoje na forma de empréstimos. “O que estamos muitas vezes oferecendo vai criar mais dívidas nos países do Sul Global“, observa o queniano Eric Damien Njuguna, ativista do movimento Greve pelo Futuro. “Não se reconhece o papel histórico dos países do Norte Global em causar a crise do clima. No fim das contas, então, estamos pagando por algo que não causamos, para início de conversa.”
Ações judiciais como alternativa
Há muitas ideias sobre como arrecadar as quantias necessárias a cobrir as perdas e dados. O ministro Joseph, de Antígua e Barbuda, sugere uma taxa sobre o petróleo: “São 90 milhões de barris de petróleo negociados por dia, no mundo. Mesmo pondo uma taxa de um dólar por barril, já se poderia coletar dinheiro suficiente para pelo menos começar a encarar a questão das perdas e danos.”
Pequenas nações insulares em desenvolvimento estão também explorando outras vias, caso as negociações fracassem. Segundo Molwyn Joseph, Antígua e Barbuda se articulou com Tuvalu, no Pacífico Sul, para estudar a possibilidade de uma ação judicial.
“É um pouco infeliz que tenha chegado a esse ponto, mas temos uma situação em que não se fez o suficiente. E agora os pequenos Estados-ilhas em desenvolvimento têm que olhar as opções disponíveis. Estamos sendo cidadãos globais responsáveis, estamos limpando nosso meio ambiente. E, ao mesmo tempo, fomos vítimas de poluidores.”
Embora o ministro registre alguns sinais positivos e se mostre cautelosamente otimista, ativistas do clima como Njuguna estão céticos: “Esta é a 26ª COP: todas foram um fiasco. E, para ser honesto, não será surpresa se esta COP26 também for um fiasco.”
Entretanto o embaixador de Fiji na ONU Prasad afirma que diversas nações estão muito engajadas em reconhecer que os pequenos Estados insulares em desenvolvimento encaram uma crise climática extrema: “Muitos países nos disseram, em discussões bilaterais e em encontros maiores, que querem nos ajudar a enfrentar isso. Então, vamos ver: ainda temos uma semana pela frente.”
Fonte: DW via Brasil de Fato