Palestinos reagem a Bolsonaro e articulam resposta conjunta dos países árabes
A Autoridade Nacional Palestina (ANP) convocou seu embaixador no Brasil para consultas após a decisão do governo brasileiro de abrir uma representação comercial em Jerusalém. Os palestinos também protestaram contra a visita de Bolsonaro a Jerusalém Oriental nesta segunda-feira (1). Segundo o jornal Jerusalem Post, a ANP está articulando com os demais países árabes uma resposta árabe unificada ao Governo Bolsonaro.
No caso da abertura da representação comercial em Jerusalém, o Ministério das Relações Exteriores da ANP afirmou neste domingo (31) que convocou o embaixador Ibrahim Alzeben “a fim de tomar as decisões apropriadas para enfrentar tal situação”, que condenou “nos termos mais fortes”.
Sobre a ida de Bolsonaro ao Muro das Lamentações, já no dia 30 de março (sábado), quando tornou-se pública a agenda do presidente brasileiro, a Organização Para a Libertação da Palestina (OLP) julgou “totalmente inaceitável” uma visita de Bolsonaro a Jerusalém Oriental como parte de sua agenda oficial em Israel. E, de fato, nesta segunda-feira Bolsonaro visitou o Muro das Lamentações na companhia do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, algo que raramente ocorre durante viagens de líderes estrangeiros, pois o local fica na parte palestina ocupada de Jerusalém.
Imitando Trump
A transferência da embaixada brasileira para Jerusalém, anunciada por Bolsonaro ainda durante a campanha eleitoral, seguia medida semelhante adotada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No Brasil, no entanto, tal gesto gerou resistência do setor militar do governo e principalmente de pecuaristas, que exportaram para os países árabes, em 2018, 20 bilhões de reais de carne halal (feita seguindo os preceitos religiosos muçulmanos). Vendo seu valioso aliado pressionado, o governo israelense acenou que aceitaria que o Brasil cancelasse os planos de transferir sua embaixada e que se contentaria com a abertura de uma representação comercial. O governo brasileiro acabou revendo a posição inicial mas tal recuo, porém, está longe de aplacar a justa indignação palestina, pois são claras as sintonias ideológicas entre Bolsonaro e Netanyahu, este último enfrentando pesadas acusações de corrupção e vendo seriamente ameaçada sua sobrevivência política nas eleições israelenses que serão realizadas no próximo dia 9.
Abrir uma representação comercial ao invés de uma embaixada, embora menos grave, não é suficiente para esconder dos palestinos, dos demais árabes e do mundo em geral o fato muito evidente de que o atual governo brasileiro tem lado declarado na questão palestina, totalmente alinhado a Israel. Tanto que no último dia 22 de março rompeu uma tradição de décadas da diplomacia brasileira e votou contra uma resolução baseada no relatório de uma investigação independente sobre a repressão israelense a civis na fronteira da Faixa de Gaza, e se absteve em outra resolução contra a expansão das colônias israelenses nos territórios ocupados. Além disso, o gesto de Bolsonaro de acompanhar Benjamin Netanyahu ao Muro das Lamentações é interpretado pelos palestinos de forma realista: um reconhecimento implícito, por parte do Governo brasileiro, da soberania israelense no local.
Não é à toa que o Governo palestino – muitas vezes acusado de moderação e comedimento excessivos – usou termos muito duros ao se referir a abertura do Escritório brasileiro em Jerusalém, considerando tal fato “uma agressão direta ao nosso povo”.
Bolsonaro concedeu que os palestinos têm o direito de reclamar e declarou que “não quer brigar com ninguém”. Este simulacro de “habilidade”, digno de um elefante fazendo patinação artística, não engana mesmo o mais ingênuo dos fãs de fake news, muito menos enganará um povo como o palestino, forjado em uma dura e cotidiana batalha pela sobrevivência, luta que não admite ilusões quanto a distinguir quem são seus inimigos e amigos.
Wevergton Brito Lima, jornalista, editor do i21