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Relações EUA-Brasil no governo Biden: há continuidades, mas longe dos holofotes

Chanceler Carlos França (à esq.) em encontro com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken (de frente, à dir.), em Nova York / Foto: Kena Betancur-AFP

Às margens da Assembleia Geral da ONU, em 21 de setembro, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, encontrou-se com o secretário de Estado americano, Antony Blinken.

Por Lívia Peres Milani*

De acordo com reportagem da BBC Brasil, houve gestões brasileiras para um encontro presidencial – o que não ocorreu. Desde a chegada do democrata à Casa Branca, em janeiro deste ano, Joe Biden e Jair Bolsonaro não se falaram, nem mesmo por telefone, sendo suas interações diretas limitadas às cartas. O silêncio de Biden nos contatos diretos com Bolsonaro é importante e sugere que o presidente estadunidense prefere evitar o custo político de se encontrar com o brasileiro, que copia táticas e reafirma uma visão de mundo semelhante à do ex-presidente Donald Trump. Nos âmbitos ministeriais, mais técnicos e, especialmente, no campo da segurança e da defesa, porém, há uma relativa continuidade na agenda bilateral, mesmo que evitando-se os holofotes.

Demandas estadunidenses

O encontro entre Blinken e França foi breve, em torno de 45 minutos, e cobriu uma agenda variada. Nele, foram discutidos os seguintes temas: migração, política climática, o papel do Brasil como membro não permanente no Conselho de Segurança da ONU e os esforços para controlar a pandemia da covid-19. A agenda mostra que temas considerados prioritários para os estadunidenses prevaleceram, o que sugere que o encontro foi pautado pela potência.

Com relação ao primeiro tema, destacado pela Folha de S. Paulo, Blinken solicitou que o Brasil receba uma parcela de migrantes haitianos que enfrentam processo de deportação nos EUA e que tenham algum tipo de vínculo com o Brasil, como permissão de residência, ou filhos nascidos em território nacional. O pedido acontece em meio à crise migratória na fronteira entre Estados Unidos e México, onde haitianos sofreram desproporcional violência por parte das forças de segurança estadunidenses. Grande parte deles será deportada. Assim, redirecioná-los para o Brasil seria uma forma de minimizar as críticas à política migratória adotada pelo governo democrata. Além dos migrantes haitianos, também foi pedido que o Brasil aceite refugiados afegãos, o que já vinha sendo encaminhado pelo governo brasileiro.

Os chanceleres também conversaram sobre a volta do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU, eleito para o biênio de 2022-2023, onde os EUA esperam garantir o apoio brasileiro. No que se refere ao tema da proteção ambiental, Blinken incentivou o Brasil a aumentar seus compromissos e ambições nesta área. Este é um tema de marcadas divergências entre as lideranças dos dois países. Prioritário para a administração Biden-Harris, é largamente minimizado pelo governo brasileiro.

Por fim, os ministros comentaram a situação da pandemia da covid-19, um tema que não poderia ficar de fora e que causa constrangimento à comitiva brasileira, que teve dois de seus membros infectados, incluindo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Assim, os principais temas abordados giraram em torno de demandas e expectativas estadunidenses, como a recepção de migrantes, as questões ambientais e o apoio no Conselho de Segurança. A parte brasileira não parece ter sido propositiva, ou mesmo ter apresentado uma agenda própria.

Continuidades: relações entre os militares e contenção da China

Dois dias depois do encontro entre França e Blinken, o Brasil recebeu a visita do comandante do Comando Sul, almirante Craig Faller, o qual foi condecorado no Ministério da Defesa com medalha concedida pelo chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), general do Exército, Laerte de Souza Santos. O almirante estadunidense também se reuniu com militares brasileiros para discutir cooperação bilateral em defesa e discursou na Escola Superior de Guerra (ESG). Ao noticiar a viagem oficial, o site do Comando Sul destaca a “recente e próxima cooperação bilateral”. Na mesma viagem, Faller também visitou a Colômbia, o principal aliado dos EUA na América do Sul.

Previamente, em julho, o Brasil havia recebido a visita não-anunciada do diretor da CIA (a Agência Central de Inteligência americana), William Burns, que causou alvoroço pelo fato de a pauta do encontro com Bolsonaro e com ministros ter sido mantida em sigilo. Por fim, como mais um indício de aproximação bilateral nos campos da defesa e da segurança, em agosto, o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, visitou o país e se reuniu com o presidente Bolsonaro. Na ocasião, o conselheiro afirmou que os Estados Unidos apoiam o ingresso do Brasil em um programa de parceria com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Sullivan também deixou clara a oposição dos EUA, já manifestada previamente, a que o Brasil opte pela adoção de tecnologia chinesa em sua infraestrutura de telecomunicações 5G, cujo leilão de concessão deve ocorrer em novembro. Sullivan apontou razões de segurança e a possibilidade de espionagem como pontos que contam contra a opção oferecida pela empresa chinesa Huawei.

A fala veio em um momento no qual os Estados Unidos têm descrito a China como um competidor estratégico de forma recorrente, demandando aproximação e coordenação entre aliados e países democráticos, como ressaltado na Estratégia de Segurança Internacional Provisória. Essa visão também aparece nos discursos de Faller, o qual afirmou, em audiência no Congresso dos Estados Unidos, que os princípios e os valores americanos que unem o continente americano estão sendo “minados ativamente por violentas organizações criminosas transnacionais, pela RPC [República Popular da China] e pela Rússia”.

Existem, portanto, dois temas em paralelo e conectados que guiam a aproximação bilateral em temas de defesa e segurança. Um deles é a presença chinesa, cada vez mais percebida como uma ameaça potencial às Américas, inclusive pelos militares. De forma complementar, existe a busca por expandir a cooperação entre as Forças Armadas dos Estados Unidos e de outros países do continente americano, em um esforço para tentar diminuir as consequências da expansão chinesa. Nesse sentido, há uma tendência de continuidade e aproximação Brasil-Estados Unidos, uma vez que uma orientação de afastamento com a China é de interesse para a continuidade da hegemonia estadunidense.

A aproximação nas áreas de defesa e segurança mostra uma situação ambígua. Apesar de Biden se recusar a ser visto ao lado do presidente brasileiro, esta é mais uma preocupação relacionada a passar uma imagem progressista do que uma ruptura efetiva nas relações bilaterais. Biden mantém a aproximação nos campos de defesa e segurança, intensificadas no governo Trump.

Para os Estados Unidos, de fato, é interessante a manutenção de relações próximas com militares e agências de Inteligência e de segurança brasileiros, em especial em um momento no qual a China é, crescentemente, percebida como um desafio e uma ameaça. As continuidades também se mostram nas recorrentes demonstrações da assimetria da relação bilateral, intensificada pela inexistência de uma agenda propositiva por parte do governo brasileiro. A gestão atual parece apenas reafirmar um discurso negacionista em temas caros para a base governista, caso do meio ambiente e da Amazônia, por exemplo, e se adequar, sem dificuldades, às pautas dos Estados Unidos em outras situações.

* Doutora em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (GEDES) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Contato: livialpm@gmail.com. Twitter: @Livia_LPM

Fonte: Opeu via Carta Maior

 

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