Solidariedade

Súmula Internacional 63 – 3ª Cúpula CELAC-UE revela força da unidade latino-americana

Foto: Ricardo Stuckert/PR

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Terminou nesta terça-feira a Terceira Cúpula de Líderes da União Europeia e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, realizada em Bruxelas, Bélgica. Como prevíamos, o presidente Lula defendeu a ruptura com o atual modelo econômico internacional que pretende perpetuar o papel da América Latina como região exportadora de matérias-primas, ressaltou o direito de cada povo escolher seu modelo de desenvolvimento e democracia, insistiu que é preciso incentivar a paz e não a continuidade do conflito na questão ucraniana, entre outras proposições. Os líderes do campo progressista latino-americanos estiveram alinhados quanto aos pontos essenciais da discussão, incluindo o tema do conflito na Ucrânia – com exceção do presidente chileno, Gabriel Boric. O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, disse que “a América Latina e o Caribe não são mais o quintal dos Estados Unidos. Também não somos ex-colônias que precisam de conselhos, nem aceitaremos ser tratados como meros fornecedores de matérias-primas. Somos países independentes e soberanos, com uma visão comum de futuro. Construímos a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), como voz unificada e representativa de nossa unidade na diversidade”. O presidente da Colômbia criticou a União Europeia por não reagir às invasões do Iraque ou da Síria da mesma forma como está reagindo à invasão da Ucrânia. O presidente da Bolívia, Luis Arce, pediu o “abandono da corrida armamentista” e a “priorização do diálogo” como caminho para a paz no conflito na Ucrânia. Boric, discrepando, instou seus colegas latino-americanos a condenarem a “inaceitável guerra de agressão imperial” da Rússia. Todos os países da CELAC, no entanto, coincidiram em condenar as sanções como armas políticas, especialmente o bloqueio contra Cuba e a absurda inclusão do país na lista de promotores do terrorismo. A declaração final refletiu a força da unidade latino-americana, vetando discursos unilaterais e reconhecendo os pilares básicos de um mundo multipolar.

3ª Cúpula CELAC-UE – A declaração final

A declaração final da 3ª Cúpula CELAC-UE teve como ponto principal de discórdia a questão da guerra na Ucrânia e a solução encontrada é mais próxima da posição majoritária dos latino-americanos pois em nenhum momento cita a Rússia nem usa palavras diretas de condenação ao país. Mesmo assim a declaração não foi consensual, tendo a chancelaria da Nicarágua divulgado um duro pronunciamento onde afirma “que não assinou, aprovou ou apoiou a declaração de consenso da III Cúpula da União Européia (UE) e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), realizada na Bélgica”. A leitura da declaração deixa claro o cabo de guerra em torno de determinados temas. Como o Itamaraty publicou até agora apenas a versão em inglês, destaco alguns pontos em tradução livre. Futuro Comum: “Enfatizamos nosso compromisso de promover a cooperação e as relações amistosas entre nossos povos, independentemente das diferenças em nossos sistemas políticos e levando em consideração as diferenças em nossos níveis econômico e social ou de desenvolvimento. Inspirados por nossos valores compartilhados e guiados pelos princípios consagrados na Carta da ONU, trabalharemos juntos para moldar nosso futuro comum”, item 6. Evitar a politização do tema “direitos humanos”: “deve-se ter o cuidado de reconhecer a importância de garantir a universalidade, a objetividade e a não seletividade na consideração de questões de direitos humanos e a eliminação de padrões duplos e politizações”, item 8. Escravidão e reparação: A declaração faz um mea-culpa sobre a escravidão promovida pelos europeus, mas só menciona a questão da reparação, cobrada enfaticamente pelo presidente cubano, de forma distante e burocrática – “A CELAC referiu-se ao Plano de Dez Pontos da CARICOM para Justiça Reparatória”, item 10. Cuba: A declaração reafirma a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas condenando o bloqueio a Cuba e critica, embora de forma indireta, a inclusão do país na lista dos patrocinadores do terrorismo, afirmando que isso “introduziu obstáculos às transações financeiras internacionais com a ilha”, item 10. Malvinas: No item 11 a declaração “toma nota” sobre a posição da CELAC que reivindica a abertura de negociações sobre a questão das Malvinas argentinas. Guerra na Ucrânia: O início do item 15, que trata da guerra da Ucrânia diz o seguinte: “Expressamos profunda preocupação com a guerra em curso contra a Ucrânia, que continua a causar imenso sofrimento humano e está exacerbando as fragilidades existentes na economia global, restringindo o crescimento, aumentando a inflação, interrompendo as cadeias de abastecimento, aumentando a insegurança energética e alimentar e elevando os riscos à estabilidade financeira. Nesse sentido, apoiamos a necessidade de uma paz justa e sustentável. Reiteramos igualmente nosso apoio à Iniciativa de Grãos do Mar Negro e aos esforços do Secretário-Geral das Nações Unidas para garantir sua extensão. Apoiamos todos os esforços diplomáticos voltados para uma paz justa e sustentável de acordo com a carta da ONU”. Reforçar o multilateralismo: “Ressaltamos a necessidade de fortalecer o sistema multilateral e promover uma governança global mais efetiva e inclusiva, que respeite o direito internacional”, item 17. Meio-ambiente e mudanças climáticas: A questão da preservação ambiental e do combate às mudanças climáticas como responsabilidade comum mas diferenciada aparece em vários pontos do documento.

3ª Cúpula CELAC-UE – A questão venezuelana

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Paralelamente à 3ª Cúpula CELAC-UE, o presidente Lula também participou de diversas bilaterais e de um importante encontro reunindo Delcy Rodriguez, vice-presidenta do Governo da República Bolivariana da Venezuela, Gerardo Blyde, negociador-chefe da Plataforma Unitária da oposição venezuelana, o presidente da República Francesa, Emmanuel Macron, o presidente da República da Colômbia, Gustavo Petro, o presidente da República Argentina, Alberto Fernandez e o alto representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell. Lula, durante a reunião, enfatizou que a solução para os problemas políticos venezuelanos deve ser construída pelos venezuelanos. Da reunião resultou uma Declaração Conjunta (clique para ler a íntegra), onde é feito um apelo aos venezuelanos (governo e oposição) “em prol de uma negociação política que leve à organização de eleições justas para todos, transparentes e inclusivas, que permitam a participação de todos que desejem, de acordo com a lei e os tratados internacionais em vigor, com acompanhamento internacional. Esse processo deve ser acompanhado de uma suspensão das sanções, de todos os tipos, com vistas à sua suspensão completa”.

A economia chinesa está em declínio?

A agência Reuters, em seu “Briefing” desta terça-feira (18) publica uma matéria assinada por Liangping Gao, Ellen Zhang e Kevin Yao, expressando a visão (ou o desejo) de que a China, que segundo o artigo cresce menos do que o previsto no primeiro semestre de 2023, jamais se tornará de fato uma nação rica e não ultrapassará os EUA. A primeira frase do texto afirma que “A China está entrando em uma era de crescimento econômico muito mais lento, criando uma perspectiva assustadora: pode nunca ficar rica”. Em outra declaração forte, Desmond Lachman, pesquisador sênior do “American Enterprise Institute”, ouvido pelos autores, diz que “é improvável que a economia chinesa ultrapasse a dos Estados Unidos nas próximas duas décadas“. Para corroborar a tese defendida no texto, os jornalistas citam o chefe da poderosa Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma do governo chinês, Zheng Shanjie, que segundo eles teria publicado um artigo em 4 de julho na revista oficial “Qiushi”, fazendo referência à armadilha da renda média, dizendo que a China precisava “acelerar a construção de um sistema industrial moderno” para evitá-la. A matéria explica que a “armadilha da renda média” refere-se “à luta dos países em desenvolvimento para fazer a transição dos níveis de renda média para alta devido ao aumento dos custos e à queda da competitividade” e a China estaria perdendo esta batalha.

A economia chinesa está em declínio? II

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Os articulistas e especialistas ouvidos pela Reuters listam os seguintes argumentos para defender esta visão: “Se a segunda maior economia do mundo avança em 3-4% ao ano flerta com ‘décadas perdidas’ de estagnação como o Japão, desapontando seus líderes, sua juventude e grande parte do mundo (…) Quando o Japão começou a estagnar na década de 1990, já havia ultrapassado a média do PIB per capita das economias de alta renda e se aproximava dos níveis dos Estados Unidos. A China, no entanto, está apenas um pouco acima do ponto de renda média (…)”. A China, segundo os autores, enfrenta problemas estruturais que incluem “o estouro de uma bolha no setor imobiliário, responsável por um quarto da produção; um dos mais profundos desequilíbrios entre investimento e consumo; uma montanha de dívidas do governo local; e o controle rígido do Partido Comunista sobre a sociedade, incluindo sobre empresas privadas (…) a força de trabalho e a base de consumidores da China estão diminuindo, enquanto o grupo de aposentados está se expandindo (…)Toda vez que os EUA anunciam alguma política anti-China, o governo chinês apresenta uma equivalente. Mas os americanos não estão na armadilha da renda média. A China está”. E por aí vai. A matéria termina expressando o fundo político desta construção ao divulgar a opinião de Richard Koo, um economista taiwanês-americano que vive no Japão, economista-chefe do “Nomura Research Institute”, segundo o qual “se os chineses não alcançarem seus sonhos, talvez você tenha 1,4 bilhão de pessoas não muito felizes por lá, o que pode ser bastante desestabilizador.”

A economia chinesa está em declínio? III

Para além das evidentes diferenças, políticas, geográficas e demográficas entre a China de hoje e o Japão das décadas de 1980 e 1990, o jornalista Dilermando Toni, especialista em política e economia internacional, avaliou, a pedido desta Súmula, a matéria da Reuters: “Se deve entender a matéria como parte de narrativas que se constroem fruto da disputa geopolítica em curso. A China é colocada pelo império como uma grande ameaça e tudo tem que ser feita para contê-la. Recentemente, a The Economist publicou um longo texto com a seguinte manchete: ‘A China já atingiu seu pico de crescimento?’. E a resposta da própria The Economist é que a China já atingiu o ápice e a partir de então entraria em declínio sem jamais atingir o patamar da economia estadunidense. A matéria da Reuters de hoje dá continuidade àqueles argumentos da The Economist e faz parte deste conjunto de narrativas que sustenta que a China começará, ou já está, em uma curva descendente. Como é preciso que esta visão seja generalizada, ela é repetida e repetida por diversas vezes sem conta. O que eu posso afirmar é que por enquanto não existem indícios que indiquem alguma tendência neste sentido. O governo chinês, e isso é positivo, tem um forte poder de intervenção na economia e no momento o setor estatal está sendo fortalecido. Surgindo qualquer sintoma de problemas na economia, o governo chinês tem capacidade de intervir. Na época da crise de 2007 / 2008 houve um encontro internacional na sede do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e eu fui com alguns camaradas conversar com representantes da China. Eles nos contaram que o governo iria fazer um aporte para movimentar a economia no patamar de trilhões de yuans, o que foi feito logo na semana seguinte. Ou seja, a capacidade de pesquisar e tomar medidas adequadas e imediatas em questões econômicas é imensa na China. O jeito de pensar e agir chinês é diferente do que conhecemos no Ocidente. Além disso, é preciso levar em conta que não vivemos mais em um mundo onde a economia é unificada em torno dos EUA. O mercado mundial único, não existe mais. A rigor, este mercado vem fazendo água. Desde que as sanções à Rússia e a outros países vem aumentando, acelera-se também a construção de alternativas. É como as vezes acontece em nosso organismo, quando por algum problema, por um corte, uma lesão, o próprio organismo cria um sistema de vascularização alternativo para contornar outro que está obstruído. É justamente isso que está acontecendo. A Rússia seria, em outros tempos, rapidamente sufocada com as sanções e o que aconteceu de fato? A economia russa neste ano está crescendo. E não está crescendo pouco não, está crescendo muito. A China está aí com sua iniciativa ‘Um cinturão e uma Rota’. O que tenta se escamotear é que já existe um outro mundo, outra perspectiva. O mundo não é mais unipolar. Existe algo que vai além do pensamento ocidental. O FMI, analisando os números, diz que a economia chinesa está se ‘recuperando fortemente’ (rebounding strongly) pois uma coisa é a narrativa, outra coisa é o que acontece na realidade. O FMI prevê para 2023 que a China tenha um crescimento de 5,2% e para 2024 5,1% e isso não é pouca coisa. Em um mundo em grande dificuldade, com guerra e tudo mais. Veja só o peso da China no fato dos países do Brics terem superado o G7 em termos do PIB. O crescimento da China é impressionante. Então, nada indica que a China está indo mal. O primeiro-ministro chinês, Li Quiang, declarou, no dia 26 de junho, que o PIB chinês irá se manter com uma taxa de crescimento anual em torno dos 5%. Então, eles vêm mantendo o crescimento tanto pelo consumo interno quanto por estas alternativas do comércio exterior. Eles conseguem boas fontes de suprimento, tanto da Rússia, quanto do Oriente Médio, da Ásia, da África e são hoje os maiores investidores na América do Sul. É só comparar o resultado da viagem do Lula à China com o resultado da viagem do Lula aos EUA. São fatos que não corroboram com uma narrativa de declínio chinês”, finaliza Dilermando.

Por Wevergton Brito Lima

Encontre os números anteriores da Súmula Internacional na editoria Visão Global

 

 

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