Com Trump acuado, Brasil precisa de plano B
“Acredito piamente na reeleição de Donald Trump”, anunciou Jair Bolsonaro durante sua primeira visita à Casa Branca, em março de 2019. Em viagem recente à Flórida, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, afirmou que a reeleição de Trump garantiria a continuidade da relação bilateral, peça-chave da estratégia de política externa do governo Bolsonaro.
Por Oliver Stuenkel no Valor Econômico
Até muito recentemente, o otimismo do mandatário brasileiro e de seu ministro se baseava em evidências concretas. Uma performance sólida da economia americana, recordes frequentes na bolsa de valores de Nova Iorque e o racha entre as duas alas do Partido Democrata explicavam o claro favoritismo de Trump para as eleições em novembro.
Nem o impeachment parecia afetar seu controle sobre o partido Republicano, sua taxa de aprovação se mantinha razoável e muitos democratas já pareciam se resignar a encarar mais quatro anos de Trump. Afinal, desde a Segunda Guerra Mundial, nove dos doze presidentes que buscaram a reeleição saíram vitoriosos. Com progressistas e centristas se engalfinhando nas primárias do partido Democrata, parecia que só um cisne negro – um evento altamente improvável e de grande impacto – poderia ameaçar a reeleição do presidente.
É cedo para dizer se o coronavírus pode ser descrito como tal, mas fica evidente que a epidemia tem potencial para prejudicar seriamente a imagem pública de Trump. Até agora, a resposta da Casa Branca à crise tem sido confusa, preocupando especialistas em saúde pública, e o discurso anticiência encampado pelo governo agrava essa percepção.
A mídia pró-Trump promove a narrativa de que os democratas estariam exagerando o perigo, sugerindo até que a provável epidemia seja uma conspiração contra o presidente. A estratégia ainda pode dar certo, mas é uma aposta arriscada: se o número de infectados crescer muito – e tudo indica que terá um forte impacto na rotina dos cidadãos -, Trump será criticado por não ter feito o suficiente para proteger a população americana. O governo americano perdeu dois meses que poderia ter utilizado montando uma infraestrutura para mitigar os efeitos da epidemia, ajudando os hospitais a aumentarem suas alas de infectados e preparando um plano econômico para estimular a economia.
Outra complicação é que, ao longo dos três últimos anos, o presidente Trump se valeu constantemente da bolsa de valores como prova do desempenho de seu governo, e uma queda mais longa e acentuada de Wall Street pode prejudicá-lo.
Três fatores sugerem que o vírus se espalhará mais rapidamente nos EUA do que em outros países. O primeiro é que um quarto dos trabalhadores americanos não tem direito a licença saúde remunerada, e muitos continuarão trabalhando mesmo infectados, facilitando a transmissão. O segundo é que imigrantes sem documentação dificilmente buscam ajuda médica por medo de deportação. O terceiro é que Trump tem pouca disciplina para alinhar seu próprio discurso com o de sua equipe, reduzindo a capacidade do governo de articular uma estratégia clara para conter a transmissão do vírus.
Fica evidente que o governo americano carece da coordenação necessária para montar uma resposta parecida com a do governo sul-coreano, que está lidando relativamente bem com a situação causada pelo vírus.
Uma recessão provocada pelo vírus mudaria o cenário eleitoral completamente. Concorrer contra o incumbente em um cenário de solidez econômica é muito difícil. Já a perspectiva de uma crise profunda poderia automaticamente transformar o candidato democrata em favorito.
Uma vitória democrata teria consequências péssimas para o governo Bolsonaro. O presidente brasileiro não apenas perderia o acesso à Casa Branca de que goza hoje como a postura dos EUA em relação ao Brasil ficaria mais parecida com a da Alemanha e França, marcada por uma hostilidade inédita contra o mandatário brasileiro.
A imagem do presidente brasileiro no parlamento alemão é tão ruim que diplomatas alemães temem que não será possível ratificar o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, que geraria grandes benefícios econômicos para a Alemanha.
Estive na Alemanha recentemente para a Conferência de Segurança de Munique – principal encontro para debates geopolíticos do mundo -, e conversei com vários estrategistas democratas. Eles garantiram que caso o partido vença as eleições, os EUA passariam a ter uma postura mais dura em relação ao Brasil, sobretudo em função da política ambiental brasileira, mas também no âmbito dos Direitos Humanos.
Os Estados Unidos não apenas voltariam a fazer parte do Acordo de Paris como buscariam liderar o combate global contra as mudanças climáticas. Um deles chegou a dizer que o país se tornaria o “enforcer-in-chief” – grande fiscal internacional – para pressionar os vilões climáticos. Mesmo se as coisas não chegarem a esse nível, o governo Bolsonaro estaria diante um enorme risco de isolamento diplomático no Ocidente. Sem uma mudança radical na política ambiental, o Brasil ficaria diplomaticamente ainda mais afastado no Ocidente, dependendo cada vez mais dos seus parceiros do Brics.
Diante da situação inédita causada pelo coronavírus, é impossível fazer previsões confiáveis sobre as eleições americanas que ocorrerão daqui a sete meses, e seria cedo afirmar que o presidente Trump não possa superar a atual crise pela qual os EUA estão passando. Porém, o governo brasileiro precisa começar a reconhecer que sua maior aposta no âmbito externo uma aliança com o presidente Trump – corre o risco de se desmanchar no ar.
Querer se aproximar de Trump, que é visto como pouco confiável mesmo pelos principais aliados dos Estados Unidos, sempre foi uma ideia controversa, e poucos se surpreenderam quando, em dezembro do ano passado, o presidente americano anunciou a retomada das tarifas de aço e alumínio do Brasil sem aviso prévio a Bolsonaro, em um gesto de desdém com a inevitável humilhação que isso representaria para o presidente brasileiro.
Porém, mesmo quem acredita na parceria deve reconhecer que está na hora de o governo brasileiro pensar seriamente em como uma vitória democrata nos EUA afetaria não apenas a relação bilateral, mas o papel do Brasil no cenário internacional como um todo.
Fonte: Valor Econômico
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