George Burchett: Por uma Coreia pacífica e unida
Acompanhei ao vivo pela TV todos os três encontros entre os presidentes Kim Jong Un e Donald Trump. O primeiro em Singapura em 12 de junho de 2018, o segundo em Hanói (onde vivo) entre 27 e 28 de fevereiro de 2019 e o último na zona desmilitarizada em 30 de junho de 2019. Os três encontros foram momentos de grande expectativa e motivo de um otimismo cauteloso.
Por George Burchett
No entanto, todas as vezes eu também me recordei do que o presidente Kim Il Sung – avô do presidente Kim Jong Un – disse para o meu pai, jornalista australiano Wilfred Burchett, em Pyongyang, quando eles se encontraram pela primeira vez em maio de 1967. É assim que meu pai relata esse encontro em seu livro Again Korea:
“‘Volte e nos visite de novo’, disse meu anfitrião. ‘Traga a sua esposa para passar umas férias aqui. Mas o aconselho a voltar logo caso queira ver nosso país como está agora.’ Ele acenou com a mão na direção da janela que dava para uma larga avenida arborizada, com novos prédios e lojas. ‘É possível que tudo isso esteja destruído se a guerra deflagrar. Digo para os meus camaradas que eles não deveriam achar que podem manter os nossos belos teatros e coisas como elas estão agora; eles devem entender que, enquanto o imperialismo existir, a guerra pode deflagrar de novo. Especialmente enquanto a unificação do nosso país não for alcançada, as coisas podem ser destruídas de novo.’ Meu anfitrião foi o primeiro-ministro Kim II Sung da Coreia do Norte; o lugar, Pyongyang; e a data, 20 de maio de 1967. (Wilfred Burchett, Again Korea, 1969)
Constato que o presidente Kim Il Sung não especificou qual imperialismo quando ele alertou “enquanto o imperialismo existir, a guerra pode deflagrar de novo”. Ele tinha bastante propriedade para saber uma coisa ou outra sobre o imperialismo, tendo lutado com sucesso contra os imperialistas japoneses que ocuparam a Coreia e os imperialistas ianques e seus lacaios tentando aniquilar a Coreia do Norte, ocupando a Coreia do Sul e mantendo a Península Coreana dividida até hoje.
Dos escombros deixados pela Guerra da Coreia, a população da RPDC, sob a liderança do presidente Kim Il Sung, construiu um Estado socialista moderno e próspero. Desde a sua criação, esse Estado socialista, a República Popular Democrática da Coreia, tem armas nucleares dos EUA apontadas para si através do Sul, estando sob constante ameaça de aniquilação. Não vamos esquecer que, antes do histórico encontro em Singapura, Donald Trump também estava ameaçando a Coreia do Norte com “fogo e fúria” caso não cumprisse as imposições dos EUA.
Em 13 de abril de 2012, junto a delegados de diversos países, tive o privilégio de visitar o monte Paektu, em razão do 100º aniversário de nascimento do presidente Kim Il Sung. A paisagem é de tirar o fôlego. Para tornar tudo ainda mais dramático, fomos recebidos por uma forte tempestade de neve para nos lembrar das duras condições sob as quais o presidente Kim Il Sung e seus camaradas batalharam sua heroica guerra de resistência contra os imperialistas japoneses e seus colaboradores locais.
Dois dias depois, em 15 de abril de 2012, eu estava na praça Kim Il Sung assistindo ao desfile militar para a celebração. Estava de pé ao lado do nosso intérprete, a pequena e sempre elegante Sra. Liu. Ela tinha me contado mais cedo que tinha cumprido o serviço militar em uma unidade de artilharia. Quando artilharias pesadas desfilavam diante da gente, eu ficava perguntando: “Você estava nesta unidade?”. Por fim, surgiu uma artilharia pesada realmente grande, e eu perguntei novamente: “Nesta?”. E ela disse: “Sim!”. O que me fez refletir sobre quantas Sra. Liu estavam prontas e preparadas para tomar essas armas pesadas em defesa da Pátria Mãe delas, inspiradas pelo exemplo heroico da geração de revolucionários liderados pelo presidente Kim Il Sung?
Naquela mesma ocasião, o presidente Kim Jong Un fez seu primeiro discurso público. Foi um momento de grande e notória emoção para as pessoas reunidas naquela praça e, sem dúvidas, para todos norte-coreanos, que pela primeira vez ouviram a voz de seu novo jovem líder.
Hoje, o presidente Kim Jong Un é saudado até mesmo pelo presidente dos Estados Unidos da América como um grande e sábio líder de seu povo, além de “amigo pessoal”. Quem acreditaria nisso em 2012? Não muitos, é certo.
Visitei a RPDC pela primeira vez em setembro de 2002 com meu filho Graham. Tínhamos chegado de Sydney, Austrália, onde morávamos naquela época. Tenho de confessar que estava um pouco apreensivo. Tenho vivido na Austrália desde 1985 e tive de aguentar uma interminável e prolongada campanha de demonização contra meu pai, Wilfred Burchett. Ele nunca foi perdoado pelo sistema político australiano e seus meios de comunicação por reportar, a partir do lado norte-coreano-chinês, as negociações de cessar-fogo para acabar com a Guerra da Coreia. Alguns ainda o denunciam como “um traidor moral da civilização ocidental”. Além de tudo, ele também reportou a Guerra do Vietnã a partir do lado “comunista”. A Austrália lutou em ambas as guerras ao lado dos EUA. Mas isso é uma outra história…
Em 2002, quando meu filho e eu viajamos, a RPDC estava saindo de um período de extrema miséria por conta de uma combinação de fatores adversos. Mas, quando estávamos lá, havia também uma grande esperança em normalizar as relações com os EUA e o Japão. A ex-secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, visitou a RPDC e falou favoravelmente sobre o presidente Kim Jong Il. O primeiro-ministro do Japão, Koizumi, também visitaria Pyongyang para normalizar as relações entre os dois países. O presidente da Coreia do Sul, Kim Dae-jung, estava seguindo sua Política do Sol de apaziguamento com a Coreia do Norte. Então, George W. Bush declarou a Coreia do Norte como parte do “eixo do mal” e todas as relações mergulharam em um congelamento profundo novamente. Um “congelamento profundo” que durou bastante até a cúpula histórica de junho de 2018 entre os presidentes Kim Jong Un e Donald Trump.
Três gerações de líderes da RPDC tiveram, então, de enfrentar o “imperialismo” – Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un.
Apenas o presidente Kim Il Sung teve de lutar militarmente contra os imperialismos japonês e estadunidense. Ele obteve sucesso nessa empreitada, para toda a Coreia, do Norte e do Sul. Alguém poderia imaginar que ambos os imperialismos tirariam alguma lição útil dessas derrotas. Mas temo que isso continue sendo apenas um pensamento esperançoso. Se a história nos ensina alguma coisa, é que o imperialismo se alimenta de guerras e destruição tal como um vampiro se alimenta de sangue. Lênin escreveu em 1917: o imperialismo é a fase superior do capitalismo. E a história confirma que ele estava certo.
Antes de encerrar este ensaio, gostaria de citar novamente uma passagem do livro do meu pai, Again Korea:
“Dirigindo de volta para casa ao longo da estrada de concreto que leva ao aeroporto, passando pelos edifícios reluzentes de Pyongyang, o ar pesado com o cheiro de flores de acácia, admirando novamente as aldeias brancas e cinzentas, os campos cuidadosamente tratados com arroz densamente plantado, meus pensamentos não podiam senão voltar-se para o aviso de Kim II Sung de que tudo poderia ser destruído em breve. Lembrei a solução para o Vietnã proposta pelo ex-chefe do Comando Aéreo Estratégico dos EUA, general Curtis LeMay: ‘Vamos bombardeá-los de volta à Idade da Pedra’. Então percebi quão certo o primeiro-ministro Kim está em preparar o país organizacional e psicologicamente para mais destruição. Mas também notei quão errado estava LeMay. Você pode bombardear o povo vietnamita e coreano para debaixo da terra, mas não pode bombardeá-los de volta à ‘Idade da Pedra’. Você não pode bombardear da existência as sólidas qualidades técnicas, intelectuais e morais adquiridas durante anos de construção e vida do socialismo. O que moralistas da idade da pedra como LeMay gostariam de bombardear até desaparecer da existência é indestrutível. Se o que foi construído na Coreia do Norte for destruído novamente, o ‘pomar abundante e frutífero’ florescerá mais rápido do que nunca. E da próxima vez se espalhará por todo o país”.
Em 1992, Francis Fukuyama proclamou “o fim da história” e o triunfo do “liberalismo” do livre mercado sobre “coletivismo” do Estado socialista ao estilo soviético. Quase três décadas depois, a RPDC provou que ele está errado. A Coreia do Norte continua sendo um orgulhoso Estado socialista que se mantém firme contra as ameaças dos autoproclamados donos do mundo. Não apenas isso – mas de repente o “socialismo” parece atraente novamente para as sociedades ocidentais que enfrentam miséria e desigualdades econômicas crescentes, disfuncionalidades sociais, guerras intermináveis, terrorismo e assim por diante.
O mundo agora olha para a RPDC com um respeito renovado. Esse respeito suado foi conquistado graças à liderança forte e sábia dos camaradas Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un, que, nas circunstâncias mais difíceis, conseguiram não apenas defender seu país, mas também orientá-lo para um futuro brilhante e próspero.
Todas as pessoas progressistas e amantes da paz em todo o mundo só podem sinceramente desejar que o futuro próximo veja a Coreia reunida pacificamente e todos os coreanos unindo forças para construir uma Coreia forte, orgulhosa, independente e próspera. E se eu puder terminar com uma nota pessoal, acredito que somente o povo da Coreia, por sua vontade e esforços em comum, pode fazer isso acontecer, apesar de todos os esforços dos “imperialistas” para mantê-los separados e em constante estado de conflito.
Portanto, todos nós que apoiamos uma Coreia unida e pacífica temos muito trabalho a fazer. Há agora alguns vislumbres de esperança no horizonte – e devemos nos certificar de que a chama da esperança continue brilhando, cada vez mais intensamente, até que ilumine a todos nós, tal como o brilho do sol. Isso, tenho certeza, também seria o desejo do presidente Kim Il Sung e do camarada Kim Jong Il, que passaram o bastão para seu neto e filho, o presidente Kim Jong Un, que há poucos dias convidou Donald Trump para pisar no território norte-coreano, fazendo dele o primeiro presidente dos EUA em exercício a pisar em solo norte-coreano. Esperemos que esses poucos passos levem a passos mais firmes em direção à paz e à reunificação.
Fonte: CounterPunch | Tradução: Vinícius Moraes (Revista Opera)
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