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Investidores já tratam os Estados Unidos como um Mercado Emergente

O presidente dos EUA, Donald Trump, na varanda Truman da Casa Branca, após retornar do Centro Médico Militar Nacional Walter Reed / Foto: Win McNamee-Getty Images

Caos eleitoral, inquietação social e instituições fracas tornam os Estados Unidos muito arriscado para uma economia desenvolvida.

Por Mark Y. Rosenberg*

Um presidente em exercício se recusa a se comprometer com uma transferência pacífica de poder. Enquanto seus aliados políticos reclamam de uma tentativa de golpe, ele pede que seus oponentes sejam presos.

As expectativas de violências políticas aumentam à medida que o chefe do governo convoca seus apoiadores, que incluem vigilantes armados, às seções eleitorais. Com a instabilidade social, os mercados financeiros do país mudam a cada pesquisa eleitoral e atualização enigmática sobre o estado de saúde do presidente.

Bem-vindos à primeira eleição da era moderna dos Estados Unidos como um mercado emergente!

Com seus mercados financeiros profundos e líquidos, forte economia baseada no consumidor e moeda de reserva global, os Estados Unidos – pelo menos economicamente – continuam sendo o mais desenvolvido dos mercados desenvolvidos do mundo. Mas sua política se assemelha cada vez mais àquelas do mercado emergente, onde instituições políticas fracas e sociedades polarizadas aumentam o risco de instabilidade em torno das eleições.

Eleições disputadas, violências políticas e transições precárias há muito tempo são marcas registradas dos mercados emergentes; Turquia, Nigéria e Argentina são exemplos recorrentes em que o caos eleitoral precipitou a perda econômica, a agitação social e os mercados turbulentos. Em países desenvolvidos, por outro lado, as instituições em geral são suficientemente fortes para garantir que a competição política permaneça pacífica e os resultados eleitorais sejam reconhecidos como legítimos por todos os partidos. Nos Estados Unidos, porém, a estabilidade do mundo desenvolvido pode ser uma relíquia do passado.

“O nível do risco institucional dos Estados Unidos aumentou em 29%, uma mudança do mesmo nível das tendências vistas na Hungria e na Tailândia.”

Resultados extremos, como uma guerra civil ou insurgência sustentada, são eventos raros mesmo em mercados emergentes, e nos Estados Unidos eles também permanecem como “riscos de cauda” – o que os economistas chamam de resultado extremo mas de baixa probabilidade. Mas as caudas são claramente mais gordas nesta eleição do que em qualquer outra  da história recente dos Estados Unidos. De fato, em setembro último, a negociação de futuros para o Índice de Volatilidade da Chicago Board Option Exchange[1] – uma medição de imprevisibilidade nos preços das ações, às vezes chamada de “medidor do medo” – fez previsões apontando que as eleições de 3 de novembro nos Estados Unidos  são o pior evento de risco do mercado financeiro desde que o índice começou a ser medido em 2004.

Os administradores do fundo da Wall Street também têm citado consistentemente as eleições como o maior risco extremo do mercado estadunidense em 2020.

Quando os investidores profissionais normalmente se protegem contra riscos exagerados desse tipo, eles compram títulos considerados seguros, como os títulos do Tesouro dos EUA. Mas com o espectro de instabilidade pairando sobre os Estados Unidos, alguns estão diversificando para a compra de títulos de mercados emergentes – uma inversão do padrão usual. Enquanto isso, a lista crescente de riscos provenientes dos EUA aumenta as especulações e preocupações sobre o status do dólar americano como porto seguro para investidores.

Nos últimos dias, a solidificação da liderança nas pesquisas de Biden reduziu os temores de uma eleição contestada e da volatilidade do mercado que viria com ela. Mas a situação em torno da eleição continua imprevisível e o fato de que os mercados dos EUA agora vasculham as perspectivas de uma transição estável do poder diz muito sobre a incerteza – ao estilo dos mercados emergentes – que está dominando a política dos EUA.

Como chegamos aqui é, em parte, óbvio: porque o presidente dos EUA, Donald Trump, claramente baseou sua estratégia de reeleição em alimentar divisões sociais, lançar dúvidas sobre a legitimidade do voto e encorajar um ininterrupto e total vigilantismo político direto.

Mas uma resposta menos óbvia – e, em última análise, mais importante – é a que está contida nas tendências mais profundas da política e sociedade dos EUA que antecedem a presidência de Trump, mas foram exacerbadas por ela. Os EUA têm visto uma crescente instabilidade institucional e polarização social mais frequentemente encontrada em democracias incipientes, como na Hungria, ou países propensos a golpes, como a Tailândia, do que em sociedades desenvolvidas estáveis.

“Em nosso ranking de instabilidade social, os EUA agora estão entre a Malásia e o Brasil”

De acordo com dados monitorados por minha empresa, GeoQuant, o nível de risco institucional dos EUA aumentou 29% nos últimos oito anos, uma mudança do mesmo nível das tendências vistas na Hungria e na Tailândia. No início de 2013, quando o então presidente Barack Obama iniciou seu segundo mandato, o risco institucional dos EUA estava em algum lugar entre o da Alemanha e do Canadá; hoje, fica entre o Uruguai e Taiwan, dois mercados emergentes.

Os dados da GeoQuant, derivados de medidas de risco, estabilidade institucional, capacidade do estado e estado de direito – sugerem que os legisladores dos EUA se tornaram menos limitados por regras e menos eficazes na formulação de políticas, enquanto agências governamentais tornaram-se menos capazes de cumprir essas políticas, os partidos políticos dos EUA estão mais fracos e mais turbulentos, ao passo que juízes e promotores são ainda mais politizados. O comando por decretos governamentais (ou, no falar do mercado desenvolvido, por ordem executiva), agora é mais comum. Os freios e contrapesos enfraqueceram.

Enquanto isso, a sociedade dos EUA também mudou. Como todos sabemos, um país mais diversificado e urbano também se tornou mais desigual economicamente. Os resultados da educação e da saúde se deterioraram, especialmente nas áreas rurais, onde o sonho americano se tornou cada vez mais evasivo. Em termos de dados, isso se traduz em um aumento acentuado na polarização social e nos riscos de desenvolvimento humano. Em nosso índice de instabilidade social, os Estados Unidos agora estão entre a Malásia e o Brasil.

* Mark Y. Rosenberg é o CEO da Geoquant e professor adjunto da Escola de Relações Internacionais e Públicas da Universidade de Columbia

Fonte: Foreign Policy (Política Internacional) / Tradução livre por Maria Helena De Eugenio

[1] Conselho de Opção de Aplicações de Chicago (N.T.)

 

 
Os artigos e ensaios publicados na editoria TODO MUNDO (Opiniões e Debates) não refletem necessariamente a opinião do PCdoB sobre o tema abordado.

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