As “bombas” que ajudaram a derrotar a Síria
Peter Ford teve uma longa carreira diplomática, durante a qual desempenhou as funções de embaixador do Reino Unido no Barein, entre 1999 e 2003, e na Síria, até 2006. Retirado nesse ano, trabalhou depois na Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos – a UNRWA, que Israel pretende destruir – e foi, mais tarde, diretor da Sociedade Sírio-Britânica.
Por Gustavo Carneiro
Profundo conhecedor do Oriente Médio e dos meandros da diplomacia “ocidental”, foi-se distanciando dos valores e práticas da política externa britânica (e da norte-americana, que a comanda) até se tornar num seu crítico aberto. Em 2003, ainda no Barein, discordou da agressão ao Iraque, penitenciando-se posteriormente por não o ter feito de um modo mais firme. Não cometeu o mesmo erro relativamente à Síria.
Numa entrevista recente, acusou o “Ocidente” de ter destruído a Síria e chamou a atenção para um fator que considera essencial para este desfecho, e que tem passado ao lado da generalidade das “análises”: o impacto das sanções unilaterais e extraterritoriais (ilegais à luz do direito internacional) impostas por EUA e UE contra o país árabe. A Síria, recorda, “tinha apenas poucas horas de eletricidade por dia, estava sem dinheiro para comprar armas e não podia recorrer ao sistema bancário internacional para adquirir fosse o que fosse”. A generalidade da população, acredita, “não compreende as complexidades da geopolítica e culpava o governo por tudo, por não haver eletricidade, comida, gás ou petróleo, pela elevada inflação”.
Também Alena Douhan, relatora especial da ONU sobre os impactos negativos das medidas coercivas unilaterais, foi incansável na sua denúncia. Em visita à Síria, em finais de 2022, ficou impressionada com o isolamento econômico e financeiro do país, onde 90% da população vivia já abaixo do limiar da pobreza, com acesso muito limitado a bens essenciais. Com as principais infraestruturas destruídas, a imposição de sanções a setores econômicos-chave, acusava, “anulou o rendimento nacional e minou os esforços para a recuperação econômica e a reconstrução”.
As sanções – e recorremos uma vez mais às palavras de Peter Ford – foram extremamente eficazes para alcançar aquilo para que, afinal, foram impostas: “ajoelhar a economia síria”, “fazer o povo sofrer” e, desse modo, “semear o descontentamento”.
Nada disto é novo: se no início da década de 1970 os EUA puseram a economia chilena a “guinchar de dor”, abrindo a porta ao fascismo, fizeram agora o mesmo na Síria e não desistem de o fazer também em Cuba e na Venezuela.
Por mais polida que seja hoje a retórica, a realidade não muda: as medidas coercivas unilaterais são uma forma de guerra, particularmente suja, contra países e povos e o seu direito ao desenvolvimento soberano. E matam como bombas.
Fonte: Avante!