Invasão americana no Panamá – Proibido Esquecer
Com o peso dos seus 87 anos Aristides Salinas guarda bem nítido cada minuto do 20 de dezembro de 1989, quando os Estados Unidos lançaram bombas e mais de 26.000 soldados para invadir o Panamá.
Por Mario Hubert Garrido*
O ex-corregedor – figura que representava o povo e foi estabelecida pelo ex-presidente Omar Torrijos (1968-1981) – de El Chorrillo, bairro mártir que quase desapareceu sob os estilhaços da aviação e da artilharia que mutilaram a manhã de Natal, afirma que todo panamenho tem uma visão muito pessoal daquele crime hediondo.
Lentamente, ele mostra a este repórter o monumento atual: um par de lápides e uma pedra branca com uma placa modesta que perpetua a memória dos caídos e relata que toda a rua foi tomada por casas de madeira queimadas por chamas e explosões que aterrorizaram e assassinaram seus habitantes, um povo indefeso.
Aqui as armas mais sofisticadas da época foram testadas e posteriormente utilizadas pelos americanos em agressões contra outras nações, diz ele.
O maior massacre de que o país se lembra, afirma, não foi capaz e não poderá apagar a memória histórica e as reivindicações por justiça. “Nosso grande desafio é fazer com que as novas gerações conheçam a nossa verdade”, afirma.
“Devemos transmitir o que aconteceu com toda a crueza, mas também ressaltar o patriotismo daqueles dias, como demonstraram os mais jovens dos batalhões da dignidade, quando os altos chefes militares correram para se refugiar no quartel do inimigo em Howard e Clayton”, acrescentou Salinas.
História e justiça
Analistas asseguram que os panamenhos foram traídos naquela manhã, quando os vencedores das fraudulentas eleições de maio de 1989 – Guillermo Endara, como presidente e os vice-presidentes Ricardo Arias e Guillermo Ford – foram informados diretamente pelos chefes militares norte-americanos sobre o exato momento da invasão e receberam a promessa de chefiar o novo governo, o que aceitaram.
A chamada Causa Justa, cujos alegados objetivos eram acabar com a suposta ditadura, capturar o ex-general Manuel Antonio Noriega, restaurar a democracia e proporcionar bem-estar ao povo, na realidade trouxe a morte ao bairro mártir de El Chorrillo.
Dezenas de civis aniquilados se acumularam nas ruas, sem permitir que seus parentes resgatassem seus corpos, enquanto os tanques passavam por cima deles.
Além das perdas humanas, esta invasão causou a destruição de grande parte da infraestrutura do Panamá, deixando milhares de pessoas desabrigadas, obrigadas a se mudar de suas casas, refugiando-se em outros territórios.
Embora a capital tenha sido a mais atingida por esta operação militar, também houve vítimas na província caribenha de Colón e em Río Hato, áreas bombardeadas e incendiadas indiscriminadamente.
O elevado número de residências e edifícios destruídos pela invasão mostra que as tropas do Pentágono não fizeram nenhum esforço para se limitar a alvos militares e evitar danos à vida e aos bens da população civil panamenha.
Ainda hoje, para as milhares de vítimas desses eventos, a justiça não foi feita.
Comissão 20 de dezembro
Trinidad Ayola, presidente da Associação de Parentes e Amigos dos Caídos de 20 de dezembro, considerou que existem muitas dívidas pendentes, entre elas o conhecimento do paradeiro de milhares de desaparecidos, bem como a identificação dos restos mortais das vítimas fatais, em um processo de exumação de cadáveres que não termina.
Ele estimou que a invasão não teve a necessária condenação internacional, apesar de um relatório de 2018 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que julgou os Estados Unidos pelas violações perpetradas e instou seu governo a indenizar as vítimas.
Nessa luta, avançamos. Conseguimos em 2016 a formação da Comissão 20 de dezembro, que é chefiada pelo professor Juan Planells e se dedica exclusivamente à investigação desses eventos, disse o ativista.
É também nosso propósito, disse ele, que o Executivo apoie a criação de um Museu em homenagem a essas vítimas e que reúna todos os elementos da invasão e suas consequências.
Em abril deste ano, a proposta de uma obra desta envergadura foi a tese da arquiteta recém-formada Fanny Palacios, segundo o jornal La Estrella de Panamá, embora até hoje poucos se lembrem do projeto da jovem graduada da Universidade do Istmo.
Palacios propôs como sede do museu o bairro mártir da cidade El Chorrillo, no parque Amelia Denis de Icaza (1836-1911), uma poetisa panamenha com uma obra de profundo patriotismo, conteúdo político e denúncia social.
Em declarações à Prensa Latina, o próprio Planells especificou que outra dívida para com as famílias das vítimas é o estudo científico e sério dos cadáveres exumados nos cemitérios Jardín de Paz, na Cidade do Panamá, e no Monte Esperanza, na província caribenha de Colón.
Para isso, agora terão um novo Laboratório de DNA doado pela Polícia Nacional que estudará os restos mortais agrupados em 38 sacos.
Especialistas panamenhos altamente qualificados, indicou, realizam esta tarefa que permitirá ao povo panamenho prestar a necessária homenagem àqueles que ofereceram suas vidas durante aquele ato brutal que não devemos esquecer.
Planells estimou que os primeiros resultados dessa pesquisa poderiam ser obtidos no início de 2022. Ele também destacou que outra das dívidas é o trabalho que está sendo feito para promover novas denúncias contra os Estados Unidos por violação dos direitos humanos dos panamenhos.
Enquanto analistas como o advogado Antonio Saldaña consideram que a operação, pouco antes das férias de Natal, foi um ato deliberado e unilateral que também causou crimes hediondos contra a humanidade e colocou em perigo o canal interoceânico.
Considera que os governos da época, então e agora, mantêm silêncio cúmplice sobre as verdadeiras causas e consequências da ação militar, mas, pior ainda, os esforços para indenizar centenas de familiares das vítimas, civis inocentes e militares que enfrentaram a violência, são insuficientes.
Víctor de Gracia, ex-deputado e analista político, defende que é fundamental para o país que o Governo declare por lei o dia 20 de dezembro como Dia Nacional de Luto e não por decreto como agora, que hoje só institui a bandeira nacional a meio mastro e não considera a data feriado nacional.
Apresentamos um projeto sério nesse sentido ao legislativo, mas ninguém sabe por que não prospera, acrescentou.
32 anos após a invasão militar dos Estados Unidos ao Panamá, o clamor para resgatar a memória histórica daquele genocídio é renovado.
Múltiplas marchas de movimentos sociais chegaram à Presidência da República, à Assembleia Nacional (parlamento) e à Embaixada dos Estados Unidos para exigir justiça. Proibido esquecer! era seu lema de luta.
* Correspondente da Prensa Latina no Panamá
Fonte: Prensa Latina / Tradução livre da Redação do i21 com auxílio de tradutor online