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Justiça argentina condena repressores da ditadura

A primeira junta militar que governou a Argentina durante a ditadura iniciada em 1976: Emilio Massera, Jorge Videla e Orlando Agosti / Foto: Wikimedia commons

Tribunal estabeleceu, nesta quinta-feira (18), penas entre seis anos e prisão perpétua para os imputados por sequestros, torturas, homicídios e roubo de crianças, no quarto julgamento do megaprocesso da ESMA.

Por Mar Centenera* 

O ex-oficial da Marinha argentina Carlos Mario Castellví escutou impassível pela internet sua condenação à prisão perpétua pelos crimes de lesa humanidade cometidos durante a última ditadura (1976-1983). O Tribunal Oral Federal 5 condenou também à pena máxima o ex-policial Raúl Armando Cabral e Miguel Conde na sentença do quarto julgamento do megaprocesso da Escola Superior de Mecânica da Marinha (ESMA, na sigla em espanhol), relativo a crimes como sequestros, torturas, homicídios e roubo de crianças, num total de 816 vítimas.

Outros quatro réus receberam penas de 15 anos de prisão por serem considerados cúmplices secundários dos crimes: os cabos da Marinha Carlos Néstor Carrillo, José Ángel Iturri, Jorge Luis María Ocaranza e Ramón Torre Zanabria. Por último, o oficial do batalhão de infantaria de Marinha Claudio Vallejos foi condenado a seis anos.

Os condenados pertenceram ao Grupo de Tarefas 3.3.2, criado pelo então almirante Emilio Massera para desarticular organizações guerrilheiras, políticas e sociais através do sequestro e desaparecimento de militantes. Sua base operacional estava na ESMA, transformada pelo regime militar em um centro clandestino de detenção por onde passaram quase 5.000 pessoas.

Castellví integrou a área de Inteligência do Grupo de Tarefas 3.3.2 entre 1979 e 1980. Conde atuava como enlace na ESMA a partir de suas tarefas como funcionário civil da inteligência do Exército, e Cabral também agia como enlace na qualidade de agente da Polícia Federal argentina. Este último tinha sido beneficiado com a prisão domiciliar, mas em junho passado voltou à cadeia depois que sua ex-mulher e fiadora o denunciou por violência de gênero.

Até agora, nenhum deles tinha sido condenado por estes crimes. Ao comunicar a sentença deste julgamento iniciado em 2018, o tribunal formado pelos juízes Adriana Palliotti, Daniel Horacio Obligado e Gabriela López Iñíguez recordou que os crimes contra a humanidade não prescrevem, ou seja, podem ser julgados sem importar o tempo transcorrido. Ainda assim, os querelantes e familiares das vítimas se preocupam com a demora em alguns processos, devido à avançada idade de muitos dos acusados.

Cada julgamento reafirma os compromissos fundamentais da democracia contra a impunidade e o valor dos direitos humanos na Argentina. Entretanto, os futuros processos devem avançar mais rapidamente. Nesta ação, dois réus morreram sem veredicto: Aníbal Roberto Colquhoun e Néstor Eduardo Tauro”, recordou o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) em um comunicado divulgado no meio do julgamento. Um terceiro imputado no início do processo, Horacio Luis Ferrari, ficou afastado do debate.

Entre os crimes pelos quais Castellví, Conde e Cabral foram condenados figuram os sequestros e desaparecimentos do grupo do bairro de Bajo Flores, na cidade de Buenos Aires, que incluía Mónica Mignone, filha de Emilio e Chela, fundadores do CELS.

Mais de mil condenados

A Argentina se tornou um exemplo mundial pelo julgamento dos repressores da última ditadura. Desde que esses julgamentos foram retomados, em 2006, 250 sentenças foram proferidas, condenando 1.013 pessoas, segundo o último relatório da Procuradoria de crimes contra a humanidade. A pandemia também afetou o avanço desses processos: em 2020, houve apenas 13 sentenças, quase a metade de um ano antes, e a cifra mais baixa desde 2009.

A quarentena obrigatória decretada pelo Governo de Alberto Fernández paralisou os julgamentos durante três meses, e depois eles foram retomados paulatinamente de forma virtual. Como ocorreu na leitura do veredicto desta quinta-feira, juízes, réus, advogados, vítimas e familiares não compareceram aos tribunais federais da avenida Comodoro Py, em Buenos Aires, conectando-se em vez disso das suas telas para participar das audiências.

O megaprocesso da ESMA é o maior de todos os que já julgaram crimes desse tipo, o que obrigou a dividi-lo em vários julgamentos. O primeiro, em 2007, tinha um réu que se suicidou antes de ouvir a condenação. O segundo terminou em 2011, com 16 condenados, e o terceiro em 2017, quando pela primeira vez houve duras condenações pelos chamados voos da morte.

* Jornalista

Fonte: El País

 

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