Parlamento Europeu: Eleições e brexit opõem UE dos povos à das elites
No domingo (26), eleitores exercerão o voto para o Parlamento Europeu envolvidos na trama que se desenrola há três anos: a saída britânica da União Europeia (UE). Uma reviravolta anunciou-se na sexta-feira (24): a aguardada demissão de Theresa May como líder dos Conservadores e, portanto, como premiê do Reino Unido. Embora o tema tome grande parte dos noticiários, em jogo está o destino do bloco face às políticas neoliberais, ingerencistas e militaristas.
Por Moara Crivelente*
A demissão de May era o desfecho ansiado por muitos diante do caos gerado por seu fracasso em negociar um acordo aceitável para a saída britânica da UE —brexit. Entretanto, a demissão só terá efeito a partir de 7 de junho, influenciando ainda as eleições europeias do domingo (26). Até então a atenção voltava-se para o impasse das negociações do brexit entre May, líder do Partido Conservador e Unionista, e o líder da oposição, o Trabalhista Jeremy Corbyn, real alternativa para o Governo se as eleições previstas para 2022 forem antecipadas. Para isso, Corbyn, que tem forçado uma guinada à esquerda no próprio partido, conta com o apoio dos comunistas (clique aqui para ler mais sobre a disputa política).
Por enquanto, porém, os parlamentares Conservadores devem escolher dois nomes a propor para a nova liderança do Partido. Depois, um dos dois será escolhido pelos militantes e, assim, uma legenda de cerca de 110 mil membros, segundo estimativas da BBC —face aos mais de 500 mil do Partido Trabalhista— escolherá também o/a novo/a premiê para governar mais de 65 milhões de habitantes.
O secretário-geral do Partido Comunista da Bretanha Robert Griffiths disse, em nota emitida na sexta (24), que fica evidenciada a urgência das Eleições Gerais: os conservadores “nunca governaram pelos interesses da classe trabalhadora e dos povos da Bretanha, mas se mostraram incompetentes, assim como cruéis e insensíveis.” Apenas um governo de esquerda liderado pelo Trabalhismo poderá fazer frente às necessidades do povo e do país, continua, “mas o [Partido] Trabalhista terá de elaborar planos pela saída da UE e negociar relações mútuas futuras com bases que permitirão a um Governo liderado pela esquerda cumprir seus compromissos progressistas”, uma Grã-Bretanha “soberana e federal, livre das regras e diretivas da UE e suas instituições”.
Esta é a plataforma de outros partidos progressistas, de esquerda e comunistas europeus, o que reflete a relevância da situação britânica para a discussão sobre a UE e os desafios deste projeto face à ascensão da direita e da extrema-direita, mas também da persistência dos conservadores e das políticas neoliberais que levam o bloco a outros rumos.
A participação do Reino Unido nas eleições para o Parlamento Europeu (PE) é um complicador resultante da prorrogação do prazo de 29 de março para o brexit. Na pesquisa de opinião divulgada na quarta-feira (22), aparecia à frente nas intenções de voto entre os britânicos, com quase 35%, o Partido do Brexit, “eurocético”, de direita, formado este ano com 14 membros egressos do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), liderado por Nigel Farage. Na mesma pesquisa, o Partido Trabalhista aparecia em segundo lugar, com cerca de 20%; Democratas Liberais com 15% e Conservadores com pouco mais de 10%. Verdes, Mudança RU, SNP, UKIP e Plaid Cymru são os demais partidos. A situação varia na Escócia e no País de Gales.
Grupos políticos e os rumos da UE
Necessárias ponderações sobre a democracia na Europa têm sido enfatizadas devido ao imbróglio do brexit, o que se reflete na composição do PE e nas propostas para as eleições. O PE é composto por 751 membros organizados em oito grupos parlamentares por afinidade política, não por nacionalidade.
No Parlamento, o partido de May co-preside o Grupo de Conservadores e Reformistas Europeus, o terceiro maior bloco, com 70 membros de 26 partidos políticos e 19 países. O grupo descreve-se como “euro-realista”, afirmando que a UE precisa de “um novo direcionamento” através da reforma, para torná-la “mais flexível, descentralizada e respeitadora dos desejos dos seus estados membros,” com um foco em “competitividade e eficiência”. Muitos do que se juntaram ao grupo formado em 2009 são da safra dos partidos nacionalistas de direita.
O bloco que Nigel Farage preside no Parlamento, o Grupo da Europa da Liberdade e da Democracia Direta, de centro-direita, defende a diminuição do escopo ou a dissolução da UE. Já o de extrema-direita e “eurocético” Grupo Europa das Nações e da Liberdade – composto por nomes como o do vice-premiê da Itália, Matteo Salvini, na vice-presidênica – tem 36 membros e foi formado este ano pela Liga Nórdica italiana, a Alternativa para a Alemanha, o Partido Popular Dinamarquês e o Partido Finlandês, com a simpatia da francesa Marine Le Pen, do Reagrupamento Nacional (antiga Frente Nacional), entre outros.
O maior dos oito grupos é o do Partido Popular Europeu, conservador, com 218 membros, inclusive parlamentares da coligação União Cristã Democrática da Alemanha (CDU) – União Cristã Social na Bavária, de Angela Merkel, e do Partido Popular espanhol. O segundo maior grupo é o da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no PE, com 187 membros de todos os países que integram a UE. É liderado por Udo Bullmann, do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), de centro-esquerda.
Esquerda luta por “uma Europa dos povos”
O Grupo Confederal da Esquerda Unida Europeia / Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL, na sigla em inglês), quinto maior, pauta-se pela “visão de um processo de integração europeu socialmente equitativo, pacífico e sustentável, baseado na solidariedade internacional” e considera que “as grandes políticas da União Europeia e dos seus países ainda não refletem essa visão. Esta política é muito frequentemente baseada em uma lógica radicalmente orientada para o mercado e sua lógica de competitividade tanto dentro da UE como em relação a terceiros países.”
Alguns dos tópicos centrais da campanha e da atuação do Grupo no Parlamento são as políticas neoliberais e de ingerência em determinados países, com uma defesa incisiva da soberania nacional de cada um dos membros, e a resistência à militarização da UE, a indústria do armamento e as políticas beligerantes e agressivas no âmbito do próprio bloco e no da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), com a discussão de uma alternativa anti-militarista contra a “Europa Fortaleza”.
Entre as prioridades do grupo estão mais e melhores empregos e oportunidades educacionais, segurança social e solidariedade, o respeito à natureza e seus recursos, o intercâmbio cultural e a diversidade, desenvolvimento econômico sustentável e uma firme política de promoção da paz. A UE “deve ser um projeto do seu povo e não pode continuar sendo um projeto das elites. Queremos direitos iguais para mulheres e homens, direitos e liberdades civis e a realização dos direitos humanos. Antifascismo e antirracismo também são parte firme da tradição dos movimentos de esquerda na Europa.”
Desde 2012, o GUE/NGL é presidido por Gabi Zimmer (DIE LINKE/Alemanha); com 52 membros, tem forte componente internacionalista, engajado com as lutas dos povos em diversos países ou territórios ocupados, como a Palestina, o Saara Ocidental, a Venezuela e o Brasil – tendo até mesmo emitido nota de apoio à luta contra o fascismo no Brasil em 2018, entre outras. Mesmo assim, cada partido ou independente no Grupo retém sua posição face a alguns temas.
Sobre o brexit, o grupo chegou a enviar uma delegação à fronteira irlandesa, uma vez que o seu futuro é um dos principais pontos de tensão no acordo negociado até então. Sendo as “fronteiras da Europa” uma das maiores preocupações no PE em termos securitários —em tons frequentemente xenófobos— a fronteira entre a República da Irlanda, que seguirá sendo membro da UE, e da Irlanda do Norte, que, como membro do Reino Unido, também deve se retirar da UE, é especialmente importante devido à configuração alcançada para a sua gestão através dos Acordos de Sexta-Feira Santa, de 1991, para sanar o conflito na região.
Em notas, o grupo tem defendido o direito soberano de estados membros de se retirarem da UE e rejeitado as pressões ou chantagens no processo de negociação do brexit por parte da liderança da UE, enquanto considera essencial garantir os direitos de cidadãos britânicos dos demais países europeus e de europeus no Reino Unido, especialmente os trabalhadores.
“O brexit não deve ser usado como pretexto para legitimar políticas da UE ou impor novas tendências federalistas, neoliberais e militaristas”, disse, um ano após o referendo britânico de 2016, o deputado pelo Partido Comunista Portuguê (PCP) no GUE/NGL, João Ferreira, líder da lista eleitoral da Coligação Democrática Unitária portuguesa (CDU) entre o PCP, o Partido Ecológico “Os Verdes” e membros da Associação de Intervenção Democrática (ID).
A decisão, disse Ferreira, “deve ser vista como um desafio pela construção de outra Europa. Uma Europa de cooperação entre estados soberanos com direitos iguais, de progresso social e paz é necessária e precisa ser construída com o acordo e a participação do povo, sempre em respeito total aos seus direitos democráticos e à sua soberania.”
* Moara Crivelente integra a Direção Executiva do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), é doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos e compõe a Comissão de Política e Relações Internacionais do PCdoB