Visão Global

Rússia-China: a Cúpula que não foi notícia

O Fórum Econômico Internacional, em São Petersburgo, mostrou a realização a grande velocidade da “Parceria da Eurásia Alargada”, mencionada pelo Presidente Putin no Fórum Valdai, em 2016, e anunciada pelo Ministro Lavrov na Assembleia Geral da ONU, em 2018.

Por Manlio Dinucci*

Agora incorporam-se os projetos chineses da “Rota da Seda” e russo da rede de comunicação da “União Econômica Euroasiática”. Ao contrário das declarações oficiais, esta cúpula foi seguida por uma considerável delegação dos Estados Unidos.

A comunicação social concentrou-se, em 5 de junho, no Presidente Trump e nos dirigentes europeus da Otan que, no aniversário do Dia D, celebraram em Portsmouth “a paz, a liberdade e a democracia asseguradas na Europa”, comprometendo-se a “defendê-las quando ameaçadas”. Referência clara à Rússia.

Os grandes meios da comunicação ignoraram ou relegaram para segundo plano, às vezes em tons sarcásticos, o encontro ocorrido no mesmo dia em Moscou, entre os Presidentes da Rússia e da China. Vladimir Putin e Xi Jinping, quase no trigésimo encontro em seis anos, apresentaram conceitos não retóricos, mas uma série de fatos. O intercâmbio entre os dois países, que ultrapassou 100 bilhões de dólares no ano passado, aumentou cerca de 30 novos projetos de investimento chineses na Rússia, particularmente no setor energético, num total de 22 bilhões. A Rússia tornou-se o maior exportador de petróleo da China e prepara-se também a sê-lo para o gás natural: em dezembro entrará em função o grande gasoduto oriental, ao qual se juntará outro da Sibéria, mais duas grandes indústrias de exportação de gás natural liquefeito.

Assim, o plano USA para isolar a Rússia com sanções, também concretizadas pela União Europeia, juntamente com o corte nas exportações russas de energia para a Europa, vai fracassar.

A cooperação russo-chinesa não se limita ao setor energético. Foram divulgados projetos conjuntos no setor aeroespacial e noutros setores de alta tecnologia. Estão a ser incrementadas vias de comunicação ferroviárias, rodoviárias, fluviais e marítimas entre os dois países. Existe um forte aumento também nos intercâmbios culturais e nos fluxos turísticos. Uma cooperação em todos os campos, cuja visão estratégica emerge de duas decisões anunciadas no final do encontro: a assinatura de um acordo intergovernamental para expandir o uso de moedas nacionais, o rublo e o yuan, nas transações comerciais e financeiras, como alternativa ao dólar ainda dominante; a intensificação dos esforços para integrar a Nova Rota da Seda, promovida pela China, e a União Econômica Euroasiática, promovida pela Rússia, com “a visão de formar, no futuro, uma parceria euroasiática mais alargada”.

Que esta visão não é simplesmente um projeto econômico, confirma-o a “Declaração Conjunta sobre o Fortalecimento da Estabilidade Estratégica Global”, assinada no final da reunião. A Rússia e a China têm “posições idênticas ou muito próximas”, de fato, contrárias às posições USA/Otan, relativas à Síria, Irã, Venezuela e Coreia do Norte.

Advertem que a retirada dos EUA do Tratado INF (a fim de instalar mísseis nucleares de alcance intermédio perto da Rússia e da China) pode acelerar a corrida armamentista e aumentar a possibilidade de um conflito nuclear. Denunciam a decisão dos EUA de não ratificar o Tratado de Proibição de Testes Nucleares e preparar o local para possíveis testes nucleares. Declaram “irresponsáveis” o fato de alguns Estados, ao mesmo tempo que aderem ao Tratado de Não Proliferação, concretizarem “missões nucleares conjuntas” e exigirem que “devolvam aos territórios nacionais todas as armas nucleares instaladas fora das fronteiras”. Um pedido que diz respeito diretamente à Itália e outros países europeus onde, violando o Tratado de Não-Proliferação, os Estados Unidos enviaram armas nucleares que também podem ser usadas pelos países anfitriões sob comando USA: bombas nucleares B-61 que serão substituídas a partir de 2020 pelas bombas nucleares B61-12, ainda mais perigosas.

De tudo isto não falou a comunicação midiática que, em 5 de junho, estava ocupada a descrever os trajes deslumbrantes da Primeira-Dama, Melania Trump, nas cerimônias do Dia D.

* Manlio Dinucci é jornalista e geógrafo / Tradução: Maria Luísa de Vasconcellos

Fonte: Il Manifesto via Rede Voltaire

 

Leia também: