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Súmula Internacional 73 – 78 anos da tragédia de Hiroshima e a hipocrisia de proporções atômicas

Em maio, na reunião do G7, realizada justamente em Hiroshima, o grupo dos supostos sete países mais ricos aprovou uma declaração que, em meio a vagas referências a um futuro sem armas nucleares, definiu, na prática, que elas são necessárias como elementos de dissuasão. Em pleno solo japonês, em plena Hiroshima, o Japão assina uma declaração defendendo a existência dos arsenais nucleares. Foi de doer. Muitos japoneses protestaram. Mas a cerimônia ocorrida neste domingo (6), marcando os 78 anos do início do ataque nuclear que destruiu as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, superou a de maio, e conseguiu realmente embrulhar o estômago de muitos humanistas. Foi em um 6 de agosto de 1945, às 8h15, que o bombardeiro americano B-29, batizado “Enola Gay”, lançou sobre a cidade de Hiroshima, com 350 mil habitantes, a bomba atômica “Little Boy”. Três dias depois foi a vez de Nagasaki. Não se tem um consenso sobre a quantidade de mortos e feridos, quase todos civis, incluindo crianças e idosos. Estimativas apontam para um número entre 200 a 300 mil mortos até o fim de 1945 e incontáveis vítimas que foram atingidas nos anos posteriores devido aos efeitos da radiação. O ataque nuclear ocorreu três meses depois da rendição alemã. O Japão, isolado política e economicamente, tendo perdido já o grosso de sua força de combate, estava militarmente derrotado. Ainda mais que, cumprindo o combinado, a URSS declarou guerra ao Império japonês assim que a Alemanha se rendeu, deslocando mais de 1 milhão de soldados soviéticos para a Manchúria. A situação do Japão era insustentável e o uso de armas nucleares pelo governo dos EUA, contra alvos civis, não se apoiou em qualquer justificativa militar. O objetivo era afirmar o poderio estadunidense diante da União Soviética, ao custo de sangue inocente. O bombardeamento de Hiroshima e Nagasaki deveria ser tratado consensualmente como um dos mais cruéis crimes já cometidos contra a humanidade, se o imenso poderio da máquina de propaganda estadunidense não comprasse a consciência de certos historiadores e a pena de alguns jornalistas.

78 anos da tragédia de Hiroshima e a hipocrisia de proporções atômicas – II

Mas o mínimo que se espera é, em nome da memória dos mortos e feridos, um tom de grave compostura presidindo qualquer cerimônia que evoque a tragédia. Que a lembrança de tal crime seja sempre um momento de conclamação à paz e o nome dos perpetradores seja dito, não com ódio ou sede de vingança, mas com a serenidade da história, que didaticamente avisa: atos infamantes são eternas nódoas que podem ser superadas, mas não esquecidas. Na cerimônia de ontem, o clima poderia até estar pior do que em outras ocasiões em relação aos EUA. Uma famosa multinacional, a Warner Bros, para promover seu filme Barbie, que estreia no Japão no dia 11 de agosto, fez uma “brincadeira” em uma rede social. Aproveitando que também será lançado no Japão o filme “Oppenheimer”, que conta a história de Robert Oppenheimer, considerado o pai da bomba atômica, a Warner achou uma ideia genial divulgar, na semana em que os japoneses estão chorando sua dor, uma arte nas redes sociais com o título “Barbernheimer”, onde uma Barbie sorridente tem ao fundo um cenário com explosões e a afirmação: “este vai ser um verão inesquecível”. Os japoneses ficaram indignados e a Warner se desculpou. Os EUA foram os autores do bombardeamento nuclear contra o Japão, Harry S. Truman, o presidente americano que autorizou o ataque e a Warner Bros é uma multinacional estadunidense. Verdades simples, que ninguém ousa negar. Porém, durante a cerimônia fúnebre deste domingo, transmitida ao vivo pela TV, nem o prefeito de Hiroshima, Kazumi Matsui, ou o governador Hidehiko Yuzaki, e muito menos o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, mencionaram os EUA, Harry S. Truman, ou protestaram contra a falta de humanidade diante da tragédia. Sabem que país todos eles citaram, criticamente? A Rússia, que nunca jogou qualquer bomba no Japão, não ameaça fazê-lo atualmente nem tripudia dos sentimentos do povo japonês. Mas a Rússia é colocada pelos EUA como país a ser combatido, e o outrora orgulhoso Japão torna-se um triste exemplo do que representa ser um país ocupado e dominado. Antigo sinônimo da honra e coragem samurai, o Japão humildemente verga sua espinha para o algoz e faz o que lhe mandam, traindo a memória dos seus compatriotas mortos e levando o Japão a repudiar sua Constituição pacifista e embarcar em novas aventuras imperiais, mas desta vez em nome de um império alheio. É urgente e essencial que, tanto no Japão quanto no mundo, as vozes em defesa da soberania e da paz soem mais forte.

Por Wevergton Brito Lima

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