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Variante brasileira reinfecta recuperados da covid, diz estudo inglês

Micrografia eletrônica de transmissão de uma partícula do vírus SARS-CoV-2 (variante UK B.1.1.7), isolada de uma amostra de paciente e cultivada em cultura de células. As projeções proeminentes (verde) vistas na parte externa da partícula do vírus (amarelo) são proteínas de pico. Essa franja de proteínas permite que o vírus se fixe e infecte as células hospedeiras e depois se replique. Imagem capturada no Centro de Pesquisa Integrada (IRF) do NIAID em Fort Detrick, Maryland.

Não há evidência que sugira que as vacinas atuais não funcionarão contra a variante de Manaus. Os cientistas acreditam que as vacinas vão proteger contra doenças e também contra infecções.

Por Cézar Xavier

Estudo da USP e da universidade britânica de Oxford alerta para a variante da covid-19 de Manaus, considerada altamente transmissível, e já encontrada em pelo menos 20 países. Segundo os cientistas confirmaram, nesta terça (2), ela pode infectar pessoas que já se recuperaram da doença.

Em um estudo sobre o surgimento e a disseminação do vírus mutante na cidade de Manaus, os cientistas disseram que a variante – conhecida como P.1 – tem uma “constelação única de mutações” e rapidamente se tornou a variante dominante que circula por lá.

De cada 100 pessoas em Manaus que já haviam se recuperado da infecção com o coronavírus, “algo entre 25 e 61 delas são suscetíveis à reinfecção com P.1”, disse Nuno Faria, especialista em vírus do Imperial College de Londres, que co-conduziu a pesquisa que ainda não foi revisada por pares.

Os cientistas estimaram que o P.1 era 1,4 a 2,2 vezes mais transmissível do que a forma inicial do vírus.

Em entrevista coletiva sobre as descobertas, Nuno disse que é muito cedo para dizer se a capacidade da variante de escapar da imunidade de infecções anteriores significa que as vacinas também ofereceriam proteção reduzida contra ela.

“Não há nenhuma evidência conclusiva que realmente sugira neste momento que as vacinas atuais não funcionarão contra P.1”, disse Faria. “Eu acho que (as vacinas) vão pelo menos nos proteger contra doenças e, possivelmente, também contra infecções.”

Cientistas de todo o mundo estão em guarda contra novas formas mutantes do coronavírus que podem se espalhar mais facilmente ou ser mais difíceis de combater com as vacinas existentes.

A pesquisa, conduzida com cientistas das universidades brasileiras de São Paulo e Oxford, da Grã-Bretanha, sugeriu que a variante P.1 provavelmente surgiu em Manaus no início de novembro de 2020.

O estudo e os pesquisadores brasileiros

Em apenas sete semanas, a P.1. tornou-se a linhagem do SARS-CoV-2 mais prevalente na região, relatam pesquisadores do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) em artigo divulgado em seu site na sexta-feira, dia 27 de fevereiro.

As conclusões do grupo coordenado por Ester Sabino, da USP, e Nuno Faria, da Oxford University (Reino Unido), se baseiam na análise genômica de 184 amostras de secreção nasofaríngea de pacientes diagnosticados com covid-19, em um laboratório de Manaus, entre novembro de 2020 e janeiro de 2021.

Por meio de modelagem matemática, cruzando dados genômicos e de mortalidade, a equipe do CADDE calcula que a P.1. seja entre 1,4 e 2,2 vezes mais transmissível que as linhagens que a precederam. O trabalho de modelagem foi feito em colaboração com pesquisadores do Imperial College London (Reino Unido).

“Esses números são uma aproximação, pois se trata de um modelo. De qualquer modo, a mensagem que os dados passam é: mesmo quem já teve Covid-19 precisa continuar se precavendo. A nova variante é mais transmissível e pode infectar até mesmo quem já tem anticorpos contra o novo coronavírus. Foi isso que aconteceu em Manaus. A maior parte da população já tinha imunidade e mesmo assim houve uma grande epidemia”, diz Sabino à Agência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

A pesquisa teve apoio da Fapesp e está em processo de revisão por pares.

Análises feitas pelo grupo em mais de 900 amostras coletadas no mesmo laboratório de Manaus, entre elas as 184 que foram sequenciadas, indicam que a carga viral presente na secreção dos pacientes foi aumentando à medida que a variante P.1. tornou-se mais prevalente.

De acordo com Sabino, é comum no início de uma epidemia a carga viral dos infectados ser mais alta e baixar com o tempo. Por esse motivo, os pesquisadores não sabem ao certo se o aumento observado nas amostras analisadas pode ser explicado por um fator meramente epidemiológico ou se, de fato, ele indica que a P.1. consegue se replicar mais no organismo humano do que a linhagem anterior. “Essa segunda opção parece bastante provável e explicaria por que a transmissão da nova variante é mais rápida”, comenta a pesquisadora.

Outro estudo divulgado também na sexta-feira (27) por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Amazônia indica que em indivíduos infectados com a P.1. a carga viral no organismo pode ser até dez vezes mais alta.

No artigo do CADDE, os pesquisadores relatam que, até 24 de fevereiro de 2021, a variante P.1. já havia sido detectada em seis Estados brasileiros, que, ao todo, receberam 92 mil passageiros aéreos de Manaus em novembro de 2020. Desses, a maior parte teve São Paulo como destino (pouco mais de 30 mil). Na sequência vieram outras cidades do Amazonas, Pará, Rondônia, Ceará e Roraima. Segundo os autores, portanto, é provável que tenha havido múltiplas introduções da nova variante nesses Estados.

Mutações-chave

O sequenciamento do genoma viral das 184 amostras foi feito com uma tecnologia conhecida como MinION, que por ser portátil e barata possibilita fazer estudos que ajudam a entender o processo de evolução do vírus.

Por uma técnica genômica chamada relógio molecular, os pesquisadores concluíram que a P.1. descende da variante B.1.128, que foi identificada pela primeira vez em Manaus em março de 2020. Quando comparada à linhagem-mãe, a variante P.1. apresenta 17 mutações, sendo dez na proteína Spike – usada pelo vírus para se conectar com a proteína ACE-2 existente na superfície das células humanas para viabilizar a infecção.

Três mutações são consideradas mais importantes – a N501Y, a K417T e a E484K –, pois se localizam na ponta da proteína Spike, em uma região conhecida como RBD (sigla em inglês para Domínio de Ligação ao Receptor). É nesse local que ocorre a ligação entre o vírus e a célula humana.

Segundo Sabino, essas três mutações-chave são idênticas às encontradas na variante mais transmissível reportada na África do Sul (B.1.351). Já a variante de preocupação descoberta no Reino Unido (B.1.1.7.) apresenta apenas a mutação E484K na região RBD. Para os autores, os dados indicam ter havido um processo de evolução convergente, ou seja, determinadas mutações que conferem vantagem ao vírus surgiram paralelamente em linhagens de diferentes regiões geográficas. Por seleção natural, essas variantes foram se sobressaindo às linhagens anteriormente predominantes nesses locais.

No caso da P.1., relatam os autores, houve um período de rápida evolução molecular e ainda não se sabe por quê. “Surgiram de repente várias mutações que facilitam a transmissão do vírus, algo incomum. Para se ter ideia, a variante P.2., que também descende da B.1.128, apresenta apenas uma mutação desse tipo”, conta Sabino.

Uma das possíveis explicações para o fenômeno, segundo a pesquisadora, é o vírus ter tido mais tempo para evoluir ao infectar um paciente com o sistema imune comprometido.

“Até que vacinas eficazes estejam disponíveis para todos, as intervenções não farmacológicas [distanciamento social, uso de máscara e higiene das mãos] continuam sendo necessárias e importantes para reduzir a emergência de novas variantes”, ressaltam os pesquisadores do CADDE.

Com informações da Agência Fapesp

 

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